quarta-feira, 5 de maio de 2010

ABRAM AS PORTEIRAS DEIXEM PASSAR A CANTORIA POPULAR

De "mala e cuia" sem pedir licença e sem dever favores a figurões - exploradores que se apresentam como importantes para facilitar, mas que somente atrapalham - abram as porteiras que ai vem a "cantoria popular". A famosíssima "pé de parede" que está deixando o berço rústico das fazendas e bares das pequenas cidades do interior para definitivamente, emplacar nos teatros das grandes cidades.
Já era tempo. Hoje, a cultura popular se encontra em todos os setores da vida do povo, isto com certeza mostra certo nível de oposição à cultura geralmente dita oficial, no fundo erudita. Sabe-se também que esse tipo de cultura explode com um vigor genioso nas sociedades onde reina uma acentuada divisão de classes.
No Brasil, essa divisão é bem mais grave, talvez seja por isto que a cantoria popular tenha tanto espaço principalmente nas camadas mais baixa da sociedade. Dentro desse pensamento, um dos grandes poetas do repente, Ivanildo Villa Nova, num poema histórico mostra claramente essa caracterização da divisão das classes " Imagine o Brasil ser dividido e o Nordeste ficar independente".
No entanto, é preciso que se observe que a cultura tem o seu próprio movimento no meio. A civilização nordestina, principalmente a sertaneja tem evoluido nesses últimos tempos e com ela a literatura de cordel e a cantoria "pé de parede", marca registrada deste País chamado Nordeste. Não custa muito para se perceber esse grande salto na qualidade dos versos: a educação, mesmo de má qualidade tem chegado a muitos lugares, produzindo bons frutos. O poeta repentista tem procurado melhorar a pronuncia, a dicção - desprezando um pouco os "cumas e os pruques - transformação importante que contribui decisivamente para que os jovens buscassem mais a literatura de cordel e a cantoria popular como forma de expressão e identidade cultural sem estigmatizá-la.
Antigamente, a classe dominante nos seus belos salões produzia saraus de uma grandeza extraordinária, exaltava os seus poetas preferidos e os festejava como deuses. Era proibido falar em literatura popular - imagine declamar um verso de Leandro Gomes de Barros, de Pinto de Monteiro ou de Catulo da Paixão Cearense - poetas da época. Não porque esses expoentes não fossem grandes intelectuais, por isso não. Mas porque o estilo deles tinha um linguajar de péssimo gosto e não fazia parte do idioma português, portanto não falado pela classe culta e sim pela ralé.
Agora os tempos são outros, a cultura da ralé do passado é a cultura do intelectual do presente. Isto não significa que os intelectuais estejam perdendo o seu tino culto, mas absorvendo uma cultura rica para aumentar o seu cabedal de conhecimentos e poder compreender a civilização dos caipiras sertanejos, que não desprezam o que eles conhecem como terra mãe, o velho e santo sertão. A civilização dos matutos precisa alcançar o seu lugar na história, precisa fazer parte dos programas curriculares nas escolas para não ser esquecida e morrer sem eternidade como já aconteceu com culturas fabulosas do passado. Temos um péssimo costume em reconhecer culturas de outras civilizações e relegamos a um descaso profundo a nossa. Tenho plena certeza que tal sorte não vai recair sobre a glória dos matutos sertanejos, porque poetas populares jamais deixaram de existir e o dom, dádiva natural do extremo criador, continuará a inspirar esses deuses da cantoria pé de parede a produzirem verdadeiras obras primas do saber humano. As cantorias realizadas hoje nos templos (teatros) das grandes cidades do País, têm e seguem os mesmos ritos da tradicional, com participação decisiva do público. Inicia-se pela sextilha, estrofe de seis versos, cada verso composto de sete sílabas. Depois baiões livres - preferencialmente em sextiha, onde se segue temática e toada específica - nesse estilo os repentistas recebem os motes do público presente. Geralmente, são de duas linhas que não rimam entre si, sendo que a partir dai os repentistas cantadores improvisam uma estrofe inteira encerrando-as dentro e com o tema pedido pelo público (o mote).
Muitos são os nomes que fazem parte dessa arte esplêndida. Não vou citar nomes dos mais ou menos famosos, vou apenas listar alguns deles para que o leitor possa se situar melhor: Fenelon Dantas, Sebastião da Silva, Oliveira de Panelas, Moacir laurentino, Zé Laurentino, Daudete Bandeira, Severino Feitosa, Leandro Gomes de Barros, Patativa do Assaré, Cuíca de Santo Amaro, Rodolfo Coelho Cavalcante, Raimundo Santa Helena, Os Nonatos, Os Irmãos Pereira, Franklin Maxado, João Martins de Atayde e Ivanildo Villa Nova.
A cantoria pé de parede migrou definitivamente para o meio urbano, trouxe graça, conteúdo e muito talento. Até que enfim o jovem se deu conta e está consumindo o que é realmente seu, o que genuinamente é produto nosso e da melhor qualidade.

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