sexta-feira, 23 de julho de 2021

APENAS UM OLHAR

 

Qual olhar deve ser lançado sobre a República Brasileira, espelhando a existência política corrente cuidada de forma diligente pelo governo com os maiores índices de desregramentos da história moderna do nosso País?  Será que a culpa é da Constituição de 1988 ou da nossa incapacidade de escolha? Facilmente engravidamos pelos ouvidos com discursos chulos, nefastos, folgados e vulgares, distantes do contexto racional de um mundo moderno.

De fato, a nossa Constituição Federal tem lá seus defeitos. É um misto de elementos de Presidencialismo e elementos de Parlamentarismo em sua ordem política. As consequências fáticas desses imbróglios na nossa Carta maior promovem uma estroinice de troca de favores e interesses nada Republicanos nada Democráticos à mamparra, chamada de base para dá sustentação ao governo, a governabilidade. De modo que o veredicto final, nós já conhecemos, deu o Presidencialismo. Esse desfecho mal sucedido estimula o poder executivo a dirimir em gestão desprezível, algumas controvérsias políticas à base de escambo para auferir proteção nas votações parlamentares que o “interessa”.

Quando isso acontece há implosão nas contas da Nação. Vai faltar dinheiro para o essencial, mas não para os gastos desnecessários – realidade de governo desonesto – assim ensina Marcus Tullius – Roma, 55 a.C. “O Orçamento Nacional deve ser equilibrado. As Dívidas Públicas devem ser reduzidas, a arrogância das autoridades deve ser moderada e controlada. Os pagamentos a Governos devem ser reduzidos, se a Nação não quiser ir à falência. As pessoas devem novamente aprender a trabalhar em vez de viver por conta pública”. Essa tese também é o entendimento do povo brasileiro com relação aos nossos políticos, que numa relação de íntima distância, de quatro em quatro anos vêem para tocar a aboiada submissa para o redil da sujeição democrática necessária.   


MÁRIO BENTO DE MORAIS

 

sábado, 17 de julho de 2021

CANTIGAS DE CEGO

Nas pesquisas que faço sobre as manifestações populares, procuro mirar naquelas que pouco aparecem nos estudos mais frequentes do nosso espírito histórico. E foi numa dessas felizes garimpagens, que encontrei num sebo o livro Cantigas de Cego, obra da verve do musicólogo Domingos de Azevedo Ribeiro, publicada em 1992, no finalzinho do século XX, aqui na filha das Neves! O livro é um registro trágico de “um drama humano”. Segundo Domingos de Azevedo, “estes seres humano, marginalizado pela sociedade, andam perambulando pelas ruas e portas de Igrejas, suplicando a caridade pública, como parcela esquecida da comunidade, embora legítima na sua condição de seres humanos, e, portanto, reveladores da dívida social...” Talvez pudéssemos até chamá-los de vítimas da exploração de uma tirania nula, abjeta, que tem manipulado o direito e envenenado a justiça, para assegurar desse modo, a abundância da desigualdade perversa, garantindo melindres aos donos das mansões ocas de humanidades o direito infame de se proverem dos míseros barracos. 

O meu encontro com esse livro foi cheio de emoção! Porque ali diante dos meus olhos estavam retalhos de histórias tristes que se repetiram por eras, por descasos e omissões, injustiças! Lembrei-me então da história do cego de Jericó. Estava, portanto, Jesus passando por Jericó, e com Ele uma multidão sedenta por justiça o seguia para ouvir os seus ensinamentos. Porém, chegando o filho do Deus supremo e os que o acompanhavam ao final da cidade, sentado estava um cego sobre o caminho do Salvador. (o cego de Jericó).

Aquele homem cego, ouvindo os murmúrios daquela multidão, logo percebeu que o Mestre, Jesus de Nazaré, estava a passar por ali, logo se pós a gritar para que o Senhor o ouvisse. “Jesus, filho de Davi, tende compaixão de mim”. Sem ouvi-lo devido o tropel da aglomeração em sua volta, Jesus seguia em frente. A multidão então se incomodou com os gritos e passou a repreendê-lo para que ficasse quieto. Mas o cego não se sujeitou aos pedidos e voltou a gritar com muito mais força. Jesus, o senhor, então pede para que o cego se achegue mais perto.

“Jesus parou e disse: “Chamem-no”. E chamaram o cego: “Ânimo! Levante-se! “Ele o está chamando”. (Marcos 10.49). Sem cintilar, o homem cego se levanta confiante tira sua capa e vai até Jesus, que prontamente lhe pergunta: “O que queres que Eu te faça?” O cego cheio de esperança e fé respondeu: “Senhor eu quero enxergar”. “Mestre, eu quero ver!” (Marcos 10.51). E vendo Jesus quão era a credulidade daquele homem lhe disse: “vai a tua fé o curou”. Bartimeu, o cego de Jericó, depois de restaurar suas vistas seguiu Jesus. (marcos 10.52).

Foi assim, também, o que eu disse: Senhor, eu quero ver! Quando me deparei com as páginas 31 e 32, daquele livro. Aquelas páginas já desfiguradas pelo tempo, mas impregnadas de uma verdade absurda, fizeram-me lembrar das missões do Frade capuchinho Frei Damião de Bozzano, realizadas em São Mamede, nas décadas de 60 e 70 e início da de 80, século XX.

Atraídos pelas Santas Missões, os oportunistas de plantão e de todas as verves, apareciam para tirar vantagens indevidas: comerciantes eventuais, ambulantes, políticos nababos que queriam se aproveitar da popularidade do missionário; outros por insensibilidade coletiva e insânia política, eram compelidos a esmolar: pedintes, cegos e aleijados... Além, claro, do sincretismo religioso que não deixava de se fazer presente, uma delicia insalubre para os crédulos divergentes que se arvoravam legítimos doutores da religião.


O cego João Cassimiro, residente em São Mamede, nos anos 40, recitava nas feiras livres e nas portas das Igrejas as quadras seguintes, acompanhado de uma viola:


O padre é feito

 Pru altá

O negô é feito

De escuro

Meu moço

Me dê uma esmola

Me traga dinheiro puro

 

Agradeço a sua esmola

De todo o meu coração

Amanhã eu quero mai

Com toda satisfação.


Outras quadras do mesmo cantador cego:


Lá no reino da gulora

Jesus lhe dá perdão

Se você mim dê uma esmola

Com toda satisfação.

 Agradeço a sua esmola

Em nome de Deus, Senhor

Quarta-feira tô aqui

Prá receber mai seu douto.

 

Outro cego de São Mamede (PB), chamado João Pretinho acompanhado de Reco-Reco, improvisava as seguintes quadras:


São Joaquim me confesso

Que não nasci prá trabaiá

Um punhado de negrote

Brinca no lado de lá.


Por isso lhe peço

Uma esmola

Com santa satisfação

Amanhã recebo mai

Estendendo a minha mão


Agradeço sua esmola

Que veio

De muito longe

Trazido num caçuá

Do senhô para mim dá.


Cazuza do Oiteiro, cego, também residente em São Mamede (PB) improvisava, as quadras seguintes, e o improviso era acompanhado por uma viola e quem o acompanha era o seu filho com um Reco-Reco


 Eu sou Cazuza do Oiteiro

Tanto bato como beijo

Meu patrão me dê

Uma esmola

A este pobe sertanejo


 Agradeço a sua esmola

Que veio aqui e agora

Nossa Senhora das Dores

Santa muito milagrosa.