sexta-feira, 6 de maio de 2022

NÃO HÁ REGISTRO HISTÓRICO ENTRE – 1702 a 1762

 

Não conhecemos até o momento nenhum registro histórico entre 1702 a 1762. Suponhamos que nesses obscuros sessenta anos, alguém tenha se apossado, mas não se instalou como deveria ou como era natural quando se recebia uma sesmaria. Na região onde é hoje o município de São Mamede não existe nenhuma evidencia física da presença desses sesmeiros, que indique que queriam a área para explorar as terras com a criação de gado ou talvez com a agricultura de subsistência.

No entanto, existe evidência importante de que Manoel Tavares Bahia, antes de receber do governo de Francisco Xavier de Miranda Henriques, a concessão da carta de data e sesmaria das terras do sitio chamado São Mamede, em 1762, alegado por ele havido por compra, mas não cita o nome do vendedor, o pseudo comprador há pelo menos 5 anos, já estava na região como sesmeiro não legalizado. Leia a seguir a sesmaria Nº 453 de 19 se setembro de 1757.

SEMARIA Nº 453 EM 19 DE SETEMBRO DE 1757.

A PROVA

O alferes Antônio dos Santos de Vasconcelos, morador no sertão das Espinharas desta Capitania, que na ribeira do Sabugy tinha descoberto terras devolutas, que nunca tinhão sido povoadas entre a dita ribeira de Espinharas e Sabugy em um Riacho chamado do Meio, que nascia da Serra das Preacas e fazia barra no Rio Sabugy na estrada velha que das Espinharas pra o dito Sabugy e atravessa a estrada o dito Riacho do Meio, que pela do sul contesta com terras do Capitão Antônio Dias Antunes e pelo norte com terras do Capitão Manoel Tavares Bahia e pelo poente com as do defunto Antônio de Souza Marques ou seos herdeiros e pelo nascente com terras do mesmo Manoel Tavares Bahia; e porque elle supplicante carecia de terras para povoação de seos gados, pretendia três legoas de terras de comprido e uma de largo por data de sesmaria no logar confrontado, fazendo peão na mesma travessa no riacho nomeado, com duas legoas para cima e uma para baixo e meia para cada banda ou como melhor conveniência lhe fizesse. Fez-se a concessão requerida, no governo de José Henrique de Carvalho.

Como se vê, os ""nobres"" das antigas gostavam de privilégios, de benesses, de facilidades. E para alcança-las com êxito, usavam todos os meios e artifícios possíveis e imagináveis. Isto se acentuou com advento da divisão administrativa e territorial implantada pelos portugueses durante a colonização. A América portuguesa teve seu território dividido em 15 grandes faixas de terras, que tiveram suas administrações entregues para interessados. Era o nascimento de um instrumento administrativo chamado de Capitanias Hereditárias devido à limitação de recursos enfrentada pelo império.

Desse modo, muitos dos que prestaram serviços a S. M, eram agraciados com as doações de terras, para implantações de fazendas de gados e colonização, segundo alegavam os suplicantes, que peticionavam aos governos das províncias, com forte alusão no conteúdo do pedido aos feitos de bravuras da família. Esse comportamento era fortemente corrente nas atitudes dos que serviram a sua S. M, (Rei de Portugal, aqui na colônia brasileira) entre os séculos XVII e XVIII.

Enfatizar as qualidades da família como valentia, nobreza e principio como a honra (frequentemente usadas nas petições às Sesmarias), sugeriam que o penitente pertencia à classe dos nobres, dos aristocratas, o que facilitava muito o atendimento das suas suplicas.

Nesses séculos também, palavras como herança – acervo patrimonial; e herdeiro – aquele que sucede; hereditário logo se vinculava à transmissão de propriedade, à aquisição por direito ou por virtude de posses materiais, aos bens que se passavam não somente de pai para filho, mas também que circulavam entre parentes, afilhados, compadrios e conhecidos. No entanto, a transmissão entre pais e filhos não se resumia aos bens materiais, às casas e fazendas, a objetos valiosos ou afetivos. Herdavam-se do pai e de toda a família, a valentia, a nobreza e à honra familiar. Ao descrever os serviços prestados à monarquia, os suplicantes por vezes incluíam as bravuras paternas, as vitorias de tios e irmãos para valorizar seus próprios feitos.

Os atos heroicos de pais e avôs engrandeciam os feitos dos filhos, e assim serviços e honras forjavam benesses e privilégios não somente devido às qualidades da pessoa, mas de toda a família e casa, a honra era de fato acumulativa. Ou melhor, a monarquia remunerava não somente o suplicante, mas toda sua linhagem.

 

 

quinta-feira, 5 de maio de 2022

INÍCIO DA HISTÓRIA DE SÃO MAMEDE

 O fato Histórico importante ulterior se deu 1702 quando Matias Vidal de Negreiros, os alferes Marcos Rodrigues Cabral e Manoel Monteiro, em “incursão” chegaram onde hoje estar plantado o município de São Mamede. Embora os registros oficiais não digam que é daí que começa a nossa história, porque as informações que se têm não são completas nem de antes e nem de depois dessas estadas “invasoras”, apenas um registro sem maiores detalhes.  Porém, se relacionarmos os episódios que têm ocorridos há décadas com os índios no Brasil e principalmente no Amazônia, mesmo com a atuação da imprensa livre denunciando às ações dos invasores, as instituições nacionais, internacionais, governamentais e não governamentais, sempre em defesa dos povos da floresta, nem assim a truculência, a barbárie e o extermínio dessa gente nativa por grupos armados a mando de grileiros e garimpeiros, se quer esboçaram algum refrigério a favor desses nativos.

Agora vamos imaginar a situação dos Índios que habitavam a região depois da famigerada “visita” de 1702. O resultado dessa ida deixou um vazio ensurdecedor de seis malditas décadas; foram 60 anos mudos e surdos. Possivelmente essas terras ficaram sob o controle do sargento-mor e seus amigos, que durante muito tempo dominaram a região. As terras onde hoje é São Mamede permaneceram “devolutas” até 1762, provavelmente o sargento-mor Matias Vidal de Negreiros e seus amigos já não estivessem mais vivos.

Mas, a demanda imposta aos povos nativos de 1702, certamente continuou com as mesmas praticas de extermínios e escravidão, sem que nada, absoluta nada e nem ninguém, nesse período, fizesse acontecer algo importante depois dessas infames visitas, nem com a “posse” em 1762, pelo suposto capitão do Império, o sesmeiro Manoel Tavares Bahia.

Estes fatos devem ser considerados o fulcro para quaisquer análises históricas porque incorporam perspectivas abrangentes para mirar os outros aspectos que tomarão por consequência parte dos fatos histórico, sociais e culturais e do trabalho em São Mamede, a partir dos vestígios fragmentados deixados (esquecidos) quando da investida do sargento-mor Matias Vidal de Negreiro, os Alferes Marcos Rodrigues Cabral e Manoel Monteiro, no limiar do século XVIII, estendendo-se até o crepúsculo do século XX.  

 

SESMARIA Nº 568, DE 28 DE JANEIRO DE 1762

Doada a Manoel Tavares Bahia
Reg. de uma Carta de Data e Sesmaria de terra de três léguas no sertão do sabogy.

Passada ao sobredito

Francisco Xavier de Miranda Henriques - faço saber aos que esta minha Carta de Data e Sesmaria de terras defina irrevogável doação deste proprietário todo sempre virem que me enviou a dizer por sua petição Manoel Tavares Bahia, que ele era senhor e possuidor de um sítio de terras de crear gados vaccum cavallar na ribeira do sabogy de que houve por compra, chamado São Mamede e para evitar duvidas e contendas que se lhe poderão oferecer, queria que devolutas, e desaproveitadas as ilhargas do dito sitio, da parte sul as sobras do sitio Serra Branca e do Mabanga, Farinha e Pastos e Pedra Branca e por parte do poente as sobras das Trincheiras e Laranjeira e da parte do norte sobras da Tapera, ficando dentro o Riacho chamado do Papagaio e o Riacho do Meio e do Jatobá, que todos fazem barra no sitio dito com três Léguas de comprido e uma de largo ou fazendo da largura comprimento ou do comprimento largura, fazendo pião onde melhor conta fizer.

Importante, Manoel Tavares Bahia, não se identificou ao solicitar a sesmaria 562 que era ou fora capitão da S.M, enquanto que na sesmaria 557 quando trata das divisas esse fato escuso fica evidente.

 

 

 

terça-feira, 3 de maio de 2022

COLONIZAÇÃO DO VALE DO SABUGI

  

Escrever sobre a História do surgimento do município de São Mamede, nos remete a gênese do século XVIII. Isto porque, o fato considerado como Histórico que marcou o princípio por assim dizer da saga do vale do Sabugy, veio ocorrer no alvorecer do século das luzes e nos coloca diante do longínquo ano de 1701, quando foi outorgada uma sesmaria em terras do atual município de Santa Luzia, ainda devolutas na época, onde “índios ariscos e selvagens habitavam” – analogia da época – ao Sargento-mor brasileiro Matias Vidal de Negreiro que viveu - entre os séculos XVII e XVIII – mulato filho bastardo de Andre Vidal de Negreiros, que não foi reconhecido pelo pai, contudo, à revelia do testamento do aristocrata, o rei o legitimou como filho daquele fidalgo, fazendo-o herdeiro e nobre.

Porém, buscando compreender as feições já estabelecidas pelo processo Histórico, Social e Cultura de São Mamede, vamos tentar fazer descobertas, encontrar (sinais) para conhecer, conferir e explicar os fatos complexos do passado em seus detalhes evidenciando as pegadas deixadas pela aparente “incursão”, em terras do atual município de São Mamede no ano de 1702, pelo sargento-mor Matias Vidal de Negreiros que se fez acompanhado dos alferes Marcos Rodrigues Cabral e Manoel Monteiro, logo depois de lhes serem outorgada em 18 de julho de 1701, pelo Governo de Francisco de Abreo Pereira, uma sesmaria em terras onde hoje se encontra estabelecido o município de Santa Luzia. Segue a íntegra da sesmaria que culminou com a “colonização”.

SERIDÓ

JAUQUEXERÉ 

Governo de Francisco de Abreo Pereira.

O Sargento-mor Mathias Vidal de Negreiros, o alferes Marcos Rodrigues Cabral e Manoel Monteiro, tendo prestado serviços á S. M. despendendo sua fazenda com o gentio Pega, e como descobrissem terras e as querião para povoar com gados por serem muito no sertão entre o gentio bravo, pedião ’a mercê de nove legoas de terras no rio a que o tapuia Pega chama Janquexeré e Moicó (?) nomes que tem tres poços d’agua, o qual rio nasce da parte da serra da Borburema para o poente, buscando para a parte do norte as quaes nove legoas de terras começarião a medir-se da barra do dito rio para cima com seis legoas de largo para uma e outra parte e as nove legoas de comprido pelo dito rio acima, entrando sempre na dita data os tres nomeados poços d’agua, fazendo do comprimento largura e da largura comprimento, como melhor lhes accommodar.

Por exigência do provedor fizerão os supplicantes a seguinte declaração.

 O rio de que tratavão na sua petição fazia barra em o rio á que chamão Seridó, ao qual rio o gentio Pega não dá mais nome do que os dos tres poços na citada petição declarados, cujas terras estavão no meio das datas da Borburema e das Piranhas e não tem heréos ou visinhos com quem devia confrontar por serem desviadas das taes datas, porque só se procurava em semelhantes datas a conveniência de agoas para a creação de gados.

Fez-se a concessão das nove legoas de terras, isto é trez legoas de comprido e uma de largo para cada um, sem interpolação de terra alguma aos 18 de Julho de 1701. I. JOFFILY – SYNOPSIS DAS SESMARIAS – TOMO I – FOLHAS 12 E 13.

 

 

 

 

 

segunda-feira, 2 de maio de 2022

AS MARAVILHAS DO SÉCULO DAS LUZES

Em 1701 despertava-se o século das luzes. A Europa fervilhava. A América se inquietava antecedendo a Revolução Francesa. O mundo se maravilhava com os grandes inventos. As novas descobertas da ciência nos diversos ramos do conhecimento geravam perplexidade. A teoria gravitacional universal de Isaac Newton, o espírito do relativismo cultural incitado pela sondagem do mundo não conhecido serviu de meios para explodir o iluminismo. Uns diziam que era o fim do mundo outros mais afeitos as novidades sentenciavam: é o começo.

Destacavam-se entre os principais precursores do novo pensamento do século XVIII – os racionalistas Baruch Spinoza e René Descartes. Os filósofos políticos Thomas Hobbes e John Locke, a razão humana na época surgira como pilastra importante, afirmando que por meio do uso sensato da razão, é possivelmente viável um grande desenvolvimento que alcance, por assim dizer, as extremidades.

Assim, muito mais do que um conjunto de idéias estabelecidas, o iluminismo representava uma atitude, uma maneira de pensar. Immanuel Kant declarava: o lema deveria ser “atrever-se a conhecer”. Dai surge o desejo de reexaminar e pôr em questão as idéias e os valores recebidos, com enfoques bem diferentes; dai as incoerências e as contradições entre os textos dos seus pensadores.

A doutrina conduzida pela Igreja foi veementemente atacada, embora a maioria dos pensadores não a renunciasse totalmente. A França teve acentuado desenvolvimento em tais idéias e, entre seus pensadores mais importantes, destacaram-se Voltares, Charles de Montesquieu, Denis Diderot e Jean-Jacques Rousseau.

Outros expoentes do movimento foram: Kant na Alemanha; David Hume na Escócia; Cesare Beccaria na Itália; Benjamin Franklin e Thomas Jefferson nas colônias britânicas. A experiência científica e os escritos filosóficos entraram em moda nos círculos aristocráticos, surgindo, assim, o chamado despotismo ilustrado. Entre seus representantes mais célebres encontram-se os reis Frederico II da Prússia; Catarina II a Grande da Rússia; José II da Áustria e Carlos II da Espanha.

O Século das Luzes, ou Iluminismo, terminou com a Revolução Francesa de 1789, que incorporou inúmeras ideais iluministas em suas fases mais violentas, desacreditando-as aos olhos míopes dos europeus contemporâneos. O Iluminismo marcou um momento decisivo para o declínio da igreja e o crescimento do secularismo atual, assim como serviu de modelo para o liberalismo político e econômico e para a reforma humanista do mundo ocidental no século XIX.

Dentro desse panorama de efervescência Iluminista, do século XVIII, o Brasil lutava com todas as forças para chegar aos mais longínquos recantos do seu território. Alguns estados do Brasil ainda engatinhavam em sua organização, o interior desses estados, geralmente habitado por indígenas, ainda estava intacto, sem a mão do homem civilizado. Na Paraíba, o homem civilizado já havia chegado a algumas regiões, montando fazendas de gados e fundando vilas.


Mário Bento de Morais

Colaborador:

Manoel Lucena (Coló


 

 

domingo, 1 de maio de 2022

VERSOS AO MUNDO

 O ciclo comum da vida

Precisa ser bem trilhado

Viver bem o bem viver

Perdoar-se partilhado

Oferecer-se à partilha

Sem se sentir humilhado.

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Os sonhos que o povo sonha

Morrerão ainda criança

Sem cueiros nem arrimos

Desnudos sem esperança

Nos homens que por usura

Ferem a perseverança.

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Somos três em uma vida

O espírito, eu e a sombra,

Mas somos apenas um

Na tempestade solombra,

Que quase sempre nos chega  

Por via que nos assombra.

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Não é bom querer enxergar

Pelo olho mudo do cego

Nem ver o que só ele ver

Sob ponto de vista árdego,

Pois quem estrema o olhar

Mergulha em desassossego.

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Desde a mais tenra idade

Guardo no baú da lembrança

E a conservo como dogma

Pra viver com temperança

Dote da última que morre

Relíquia da esperança.

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A volta do filho pródigo

Um exemplo de perdão.

Pai, esse teu filho insensato

Gastou o ultimo tostão,

Agora abraças com festa?

Meu filho, este é teu irmão!

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Chegamos aqui sem nada

Chorando, nu, sem discurso.

Crescemos na caminhada

Com tropeços no percurso.

Nos primórdio da infância

Aprendemos a ganância

Construída na jornada.

Mas nada vamos levar

Por que devemos brigar

Se partiremos sem nada?

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Não sei porque desse nada

Alça-se a própria ruína;

Em cada passo pro nada

Segue-se a mesma rotina.

Indiferente a si mesmo

Navega no mundo a esmo

Pelo mar espurco d’alma

Que vive por não ter sonhos

Pelos desertos medonhos

Debilitando-se em trauma!

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O poder tem prazo de validade,

Envelhece no lodo do cinismo

Sem aceitar o julgo do ostracismo

Definha esdrúxulo à realidade.

Vai-se a cobiça da imortalidade

Pelos dedos trêmulos da razão

Morta na síntese da conclusão

Dos acordos de falsa consciência

Sacrificada por falta de decência

Distintivo comum da colusão.

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O poder não é solidário

Nem afeito a divisão

Não se dar bem com o povo

Fecha-se na dimensão

Sórdida do mau caráter

No covil da colusão.

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Ama apenas a si mesmo

Dedica o tempo a usura,

Nos refolhos dos desvarios

Acomoda-se a clausura

Antro das inanidades

De incomparável mesura.

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Os que vendem o maná da justiça

Morrerão no palanque do ostracismo.


Acham-se Deus! Quando apenas um servo

Para servir com zelosa medida,

Justa sem pender em causa cedida,

Contrafeita; tornando-se vil, pervo,

Porque já basta das faltas o acervo

Que represa no povo pirronismo

Sufocando a moral do civilismo

Cauterizada no ego da cobiça,

Os que vendem o maná da justiça

Morrerão no palanque do ostracismo.

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Os conselhos são usados como lura

Aos veneráveis que andam no gardanho

Praticando nas quitandas o ganho

Se valendo da lenda de cordura.

Sem júri nem prudência futura

Cessarão dos bilontras o ativismo,

Que se valem do vil imobilismo

Do povo que por nada se enfeitiça

Os que vendem o maná da justiça

Morrerão no palanque do ostracismo.

 

Mário Bento de Morais

 

 

 

 

 

 

HOMENAGEM PÓSTIMA


AO MEU IRMÃO – SEBASTIÃO LUCENA DE MORAIS.

(BASTO DE SEVERINA DE AMARO BENTO)

Mário Bento de Morais

As homenagens, às vezes, soluçam para confortar os vivos, porquanto, se de fato existe um conforto para os que aqui ficaram tiranizados pela dor da morte do ente querido certamente, tais homenagens deverão se tornar sempre vivas, celebradas como hinos enaltecedores.

O instante extremo – volta ao regaço maternal – enseja a prole um singulto asfixiante, aos amigos um mutismo flagelador; ao povo que o admirava numa explosão de lamentos ensurdecidos, libertados em sussurros estridentes que lhe vem do íntimo do coração: “Deus lhe dê um bom lugar”!

Até creio não ser preciso desejar que a terra lhe seja leve, porque na terra onde se nasce nada sobre o corpo pesa, a julgar pelo ardor que dela carregamos por toda vida dentro do peito. De modo que o pardal bronzeado pelo sol da ninfa do sabugy fez o último voo com os remígios das asas extenuados, porém, mesmo assim, ganhara alturas para alcançar solenemente os sublimes alcantis do paraíso!

De fato, o pardal de têmpora ríspida para aqueles que tinham por consciência o desprezo pela verdade, não os inspirava, mas o tratavam como incivilizado descortês; enquanto para muitos que saboreavam o seu estilo único, incisivo, lidimo, era um balsamo porque lhes traziam à tona a essência da dignidade!    

Com efeito, às vezes, não raro, o guapo se expressava conduzido pela alma espirituosa de sertanejo lhano, embora acostumado às agruras lhe ofertadas pela onzena desenfreada de homens ladinos, por isso lhe fugia à compreensão do sentido traquejado dos sagazes, que impunham para muitos a humilhante sujeição como paga ao dedicado servilismo e, por isso, com rasgado ânimo cuidara levar descômodos a coercivos disfarçados de deuses. Deveras, pois, quem na vida, embora movido por um estado de brio justificado à convicção individualmente pétrea, numa ação que lhe move o espírito irrequieto não tenha causado contra censo à lógica dos melindres “incomuns”? Convencionalmente considero, que ninguém!

Vivo esvoaçou imponente pela Boa Vista. Sondou o passado das nativas manifestações. Buscou o estro nas histórias dos antigos mestres do fole: Bical, Felinto, Severino Bezerra, Zequinha de Equador, Antônio Limoeiro, Daniel Rocha, Manoel Cazuza, Jurandir, Cícero e outros que não lembro o nome no momento. Viajou nas asas de Gonzaga. Liderou uma juventude ávida pela memória cultural dos ancestrais. Empreendeu a criação da “Quadrilha Matutos do Morumbi”. Fato memorável que marcou e produziu consciência cultural à cidade, embora, sendo limitado intelectualmente, era zeloso pela cultura do matuto sertanejo, tornando-se um extraordinário animador cultural no período junino. Ao seu lado brilhava como coadjuvante na empreitada do resgate as manifestações do povo uma esplêndida estrela, que fora durante anos a santa protetora nas adversidades e atropelos da vida, a sua dedicada esposa Maria da Conceição Bezerra de Morais, que gostava da antonomásia “Maria de Basto”.   

Desse homem, tantas vezes casmurro aflorava outras vezes solicito afável, polido, cordial. Esse varão de origem humilde trazia nas feições e na pele os legítimos traços da etnia cabocla, relíquia hereditária dos seus antepassados. Veio conhecer a terra no fim do inverno, no dia 14 de março de 1952. Na pia batismal recebera o nome de Sebastião Lucena de Morais, mas logo, ainda na adolescência ganhou a alcunha de “Basto de Severina de Amaro Bento” numa referencia aos seus pais, Amaro Bento de Morais e Severina Lucena de Morais, costume autêntico do sertanejo e, desde então lhe vibrava na genética os dizeres dos sábios que lhe soavam como músicas de ninar desde a mais tenra infância, que orava: “a prudência excessiva é a parenta mais próxima de todas as formas de acomodações que desmoralizam os homens fracos, sem falar na timidez congênita que tem sido a perdição de tantos valores humanos”.

Esse lidador implacável no cumprimento do dever era um monge austero para consigo mesmo, quando operava as maquinas pesadas, nas quais se profissionalizou com refinado desvelo. Tornou-se por mérito um exímio encarregado de obras em terraplenagem e asfaltamento. Provou a capacidade como encarregado quando assumiu a execução da PB251, que liga São Mamede na Paraíba, sua terra natal, à cidade de Ipueira no Rio Grande do Norte, recebendo pelo trabalho realizado honrosos elogios e convites para executar outras obras Brasil a fora.    

Porém, “Disse um filósofo que Deus, antes de tudo, fez o medo. E, dizemos nós, como um Deus descansado é um Deus pródigo, coube a muitos o defeito. E o medo avassalou o mundo, deprimindo espíritos, esmagando consciências. Medo da vida, medo da morte, medo de tudo. Esse infeliz sentimento generalizado formou e cevou no ventre fecundo monstros de audácia e iniquidade, vândalos da cobiça e da espoliação, frios estranguladores da liberdade; alimentaram tiranias afrontosas, imposturas hediondas, nefastos balcões de enganos a preço do sangue. Tudo se escravizou, em nome do medo, por causa do medo, à custa do medo. Continuando Sua obra, depois de fazer o Universo uma vastidão de sóis, Deus fez do humano coração um universo de sombras. Mas, criou a fé – escudo das almas; criou a esperança – tesoureira dos sonhos; criou a caridade – Santo Viático das moradas eternas. Ao fim de tantos prodígios, cansou. E um Deus cansado é um Deus somítico. Na lassidão da divina estafa, ao cabo de tudo, Deus fez a coragem. E coube a poucos a virtude. Mas esses poucos, por desígnio da Providência, tornaram-se arnês, elmo a lança da humanidade, os Davids do gênero humano, cavaleiros andantes da justiça social, da ordem, da paz, do entendimento entre os povos, da defesa da dignidade da pessoa humana, da comunhão universal”.

Todavia, o medo nunca lhe fora páreo! Venceu-o sempre. Era uma magnífica fortaleza humana! Mas, diz a sabedoria popular, os fortes não morrem, galgam os degraus do infinito para encontrar a paz almejada. Se pudéssemos lhe perguntar, por que o partiu? A resposta seria: eu venci a melhor batalha para está ao lado dos meus ancestrais. Arei no estio para colher no inverno os frutos da nossa tradição. Não deixem morrer com os que morrem o que é regozijo dos vivos, a alegria da “Quadrilha Matutos do Morumbi” em nossa memória! Basto de Amaro e Maria de Basto.

 

São Mamede, 01 de maio de 2022