domingo, 28 de dezembro de 2014

FÉ E POLÍTICA


Amigos sugeriram-me por i-meio que eu escrevesse um texto sobre fé e política. Retruquei-lhes com veemência, dizendo-lhes que eu era a pessoas menos indicada para tal empresa, alegando-lhes no entanto, que os meus conhecimentos eram ínfimos e não podia tecer qualquer linha a esse respeito para não ser ridicularizado pelos estudiosos do assunto que com toda razão fariam. Mas, embora sabendo que há um movimento no País que desde algum tempo, promove encontros pra tratar da relação entre “fé e política”, resolvi fazer algumas considerações.
Então, logo me veio à primeira indagação. Por que o poder político (leia-se Herodes) governador e todo poderoso na época do nascimento de Jesus, na cidade Belém, ao tomar conhecimento do fato através dos magos do oriente, sentiu-se tão ameaçado a ponto de mandar matar a ferro todas as crianças de Belém e de todo território ao redor, de dois anos para baixo, calculando a idade pelo que tinha averiguado dos magos? Mateus C2, v16.  
O Evangelista Lucas coloca Jesus no ambiente político da época com a seguinte informação: fazia quinze anos que Tibério era imperador em Roma. Pôncio Pilatos era Governador da Judeia, Herodes Governava a Galileia, seu irmão Felipe, a Ituréia e a Traconítide, e Lisânias Abilene; Anás e Caifás eram Sumos sacerdotes (C3, v1-2). Percebe-se que: quem nas mãos tinha o poder político, sob o seu umbigo estava também o religioso. Ou o contrário. Essas valiosas informações reforçam o raciocínio a seguir.
A relação entre fé e política não pode ser ignorada – o bispo sul-africano Desmond Tutu, prêmio Nobel da Paz, no alto do seu saber e de forma espetacular sentencia: “não há nada mais político do que dizer que a religião nada tem a ver com a política”. De modo que também podemos perguntar: por que a missão evangélica e salvadora de Jesus causou tanta insegurança às elites dominantes da época em Israel, a ponto de unir forças políticas profundamente opostas e inimigas a arquitetaram a sua morte? (Saduceus, fariseus e herodianos).
Marcos responde essa pergunta logo no início de seu evangelho, as curas: C1, v23, o homem possuído por um espírito mau; C1, v30, a sogra de Simão estava de cama; C1, v32, os doentes e os que estavam possuídos pelo demônio; C1, v40, o leproso; C2, v3, o paralítico; C3, v1, o homem da mão seca.   
Preso Jesus, sob a acusação de blasfêmia, por um sistema opressor disfarçado de religião, “o levaram à casa do Sumo sacerdote Caifás, onde os doutores da Lei e os anciões estavam reunidos” (Mateus C26, v57). “Então eles levaram Jesus à casa do sumo sacerdote. E se reuniram todos os chefes dos sacerdotes, os anciões e os doutores da Lei” (Marcos C14, v53). “Ao amanhecer, os anciões do povo, os chefes dos sacerdotes e os doutores da Lei se reuniram em conselho, e levaram Jesus para o Sinédrio” (Lucas C22, v66). “Então a tropa, o comandante e os guardas das autoridades dos judeus prenderam e amarraram Jesus. A primeira coisa que fizeram foi levar Jesus até Anás, que eram sogro de Caifás, sumo sacerdote naquele ano”. Caifás é aquele que tinha dado um conselho aos judeus: “é preciso que um homem morra pelo povo” (João C18, vs12-13-14). “Então Anás mandou Jesus amarrado para o sumo sacerdote Caifás” ( João C18,v24). Assim se inicia o teatro macabro donde os lideres do poder religioso e do poder político se encontram para dar cabo ao filho de Deus – (religioso Anás e Caifás – político Pôncio Pilatos e Herodes) – mancomunados, viam nas ações puras e verdadeiras de Jesus motivações políticas, mesmo Jesus afirmando: “meu reino não é deste mundo”. Mas, o temor das elites religiosas de perderem os privilégios forçava um desfecho que servisse de exemplo e não deixasse duvida da força da corja. De modo que esses representantes fantasiados de religiosos buscaram apoio no poder político, o governador Pôncio Pilatos, para dar legalidade ao fato, embora Jesus já estivesse sido condenado à morte pelo seu próprio “povo”.
A farsa – “Então Pilatos saiu fora e conversou com eles: que acusação vocês têm contra esse Homem”? A multidão alienada – “Se Ele não fosse um malfeitor não o teríamos trazido aqui”. Pilatos disse: “encarreguem-se vocês mesmos de julgá-lo, conforme a Lei de vocês”. (...) (João C18, vs29, 30-31)   
“Nesse dia, Herodes e Pilatos ficaram amigos, pois antes eram inimigos”. (Lucas C23, v12).
Sendo, então, forçoso pensar que as ações de Jesus põem em reboliço as ideias religiosas da época. Um líder diferente que indagava aos seus discípulos o que os homens pensavam Dele, de sua atuação religiosa, da sua divindade que insistentemente dizia a todos “o meu reino não é deste mundo”. E assim, perguntava-lhes: “Quem dizem os homens que eu sou?” E continua: “E vocês, com os discípulos, quem dizem que eu sou?” Marcos, C8, vs27, 29. Em Lucas acontece o mesmo, no C9, vs 18, 20 “Quem dizem às multidões que eu sou?” “E vocês, quem dizem que eu sou?”.
Será que os lideres do sistema que condenou Jesus a morte ousariam fazer a perguntar que Jesus fizera aos seus discípulos? Claro que não ousariam, porque certamente já conheciam a resposta que não lhes era favorável. Assim entendemos que fé e política estão ligadas, juntas em nossas vidas, porque exprimem alguma coisa de real, de positivo; que tem o sentido das realidades precisas em cada um de nós, afinal somos seres sociais, temos afinidade, empatia, relação e interesse comum.       


quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

ESQUELETO DE UM SÍMBOLO, O VELHO PAU D’ARCO EM SÃO MAMEDE



FOTOGRAFIA - MANOEL LUCENA – COLÓ.
Blog colocidade

Foste tu, velho pau d’arco
Senhor de linda ramagem
Representante supremo
Da natureza selvagem
Rebento divo da terra
Que enfeitava a paisagem.

Quanta inveja causaste
Ao te ornares de flores!
Quanta magia esbanjaste
Em meio à flora em cores!
Quantas tribos amparaste
Cansadas de suas dores!

Cansadas de suas dores,
Quantas tribos amparaste?
Em meio à flora em cores,
Quanta magia esbanjaste?
Ao te ornares de flores
Quanta inveja causaste?

Quantas aflitas cantigas
Ouviste na tempestade
Das tribos antes da guerra
Invocando a divindade
Com os guerreiros em transe
Num misto de ansiedade?

Depois da guerra a dança
Pra festejar a vitória:
Rituais e oferendas,
Sacrifícios, fé e gloria
Aos deuses purificados
De existência in memória.

Olhando teu esqueleto
Vejo quanta violência
Sobre tu velho pau d’arco
D’uma gente sem consciência
Que assistiu a tua morte
Sem te prestar assistência.

Durante teus ledos anos
Suportaste mil tormentas
Nos dias tempestuosos
Ou nas tardes nevoentas,
Nem estragos te fizeram
As borrascas truculentas!

Se de pé estais ainda
Com esse gesto funesto,
É porque o teu destino
Expressa um manifesto
Num grito silencioso
Como forma de protesto.

A tua imagem medonha
Em situações noturnas,
Causa impressões assombrosas
E vibrações taciturnas
Com rajadas destorcidas
Das ventanias soturnas.

Deste nome a um bairro
No auge de tua grandeza
Pujante, linda, viçosa,
A divisão da beleza,
Estandarte da caatinga,
Relíquia da natureza.

Por fim, meu velho pau d’arco,
Fatal foi minha omissão
Sou cúmplice de tua morte
Por não te dar proteção,
De joelhos ao teu cerne
Venho te pedir perdão.

João Pessoa – PB, 10 de agosto de 2014.


                                                     Mário Bento de Morais

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

AO CRIADOR DO ARMORIAL BRASILEIRO


Qual o mortal capaz de determinar a importância de Ariano Suassuna para as artes do mundo? Existem palavras que expliquem o gênio irrequieto do criador do Armorial Brasileiro? Receio que não. Mas, se por ventura, chegarmos à conclusão de que isto é possível, estamos cometendo um grande erro, imensurável erro! De fato, não podemos pôr limites a um ente tão expressivo se temos apenas por sorte os olhos para contemplá-lo em sua divindade. Portanto, não convém discutir a importância... de um Palhaço, mil vezes é colossal ouvi-lo.
O Armorial é pura Arte – movimento cultural genuinamente brasileiro que surgiu no meio universitário sob a batuta do maestro Ariano e de artistas e intelectuais da região Nordeste. Inspirado nas manifestações populares do Brasil, principalmente nos folhetos dos romanceiros (literatura de cordel), logo recebeu apoio incondicional do Departamento de Extensão Cultural da Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários da Universidade federal de Pernambuco, da Secretaria de Educação do estado de Pernambuco e da Prefeitura do Recife, como esteio oficial.      
A verve desse imortal transcendia o engenho humano, dimensioná-lo seria impor-lhe extremidades e isto, o tornaria um simples mortal incapaz de sobreviver à eternidade. Ariano era um visionário que enxergava pelos nossos olhos, escutava pelos nossos ouvidos; as nossas palavras em sua boca ganhavam nobreza, força, graciosidade e elegância.
Esse movimento – denominado de “Armorial Brasileiro” – oficialmente levado ao conhecimento do público no dia 18 de outubro de 1970, na capital Pernambucana, foi recebido com grande entusiasmo. Na ocasião, houve um concerto e uma belíssima exposição de artes plásticas ao ar livre no pátio de São Pedro, bem no centro da Veneza nordestina. A intenção de Suassuna e seus colaboradores, desde o inicio, era dar mais visibilidade as raízes culturais do meio popular brasileiro para dai construírem uma arte erudita com as formas e cores do Brasil.   
A Arte Armorial Brasileira bebeu na cacimba do estro do romanceiro Leandro Gomes de Barros, filho do sitio Melancia município de Pombal, “considerado de fato o verdadeiro príncipe dos poetas Brasileiros”, segundo Carlos Drummond de Andrade. O folclorista Câmara Cascudo descreve-o como sendo “baixo, grosso, de olhos claros, o bigodão espesso, cabeça redonda, meio corcovado, risonho contador de anedotas, tendo fala cantada e lenta do nortista. Pleno de alegria, de graça e de oportunidade”.
Os folhetos do “Romanceiro” popular – denominado de literatura de cordel – são na verdade a espinha dorsal da Arte Armorial. E, nas entranhas dessa manifestação cara aos nordestinos, estão intrinsecamente arraigadas, àquelas forjadas na expressão da alma e nas aspirações do povo brasileiro, principalmente nas suas formas: as narrativas em versos e prosas; a xilogravura ilustrando as suas capas; a música com o canto dos versos, tendo os seguintes instrumentos como acompanhamento: a viola, a rabeca e em algumas particularidades, o pandeiro.
De modo, que toda criação artística e cultural que tem no cerne o espírito criativo do povo brasileiro, como: a literatura de cordel, a xilogravura, o coco, o coco de roda, reisado, pastoril, bumba-meu-boi, maracatu, caboclinhos, folia de reis, cavalo marinho, cavalhadas, teatro de bonecos, pintura, música, dança, gravura, tapeçaria, arquitetura, teatro, cinema, cerâmica, escultura, escolas de samba, espetáculos populares e encenações ao ar livre, cantares, saberes e a heráldica popular brasileira com os brasões, bandeiras, estandartes e insígnias conspiram a favor do Movimento Armorial.   
Fontes consultadas: Revistas: Veja e Época. Fundação Joaquim Nabuco. Jornal Nacional da Rede Globo, Jornal da Paraíba e Jornal Correio da Paraíba e outras fontes do Meio Popular.  


João Pessoa – PB, 12 de agosto de 2014.
  

         


sábado, 25 de outubro de 2014

AS REFLEXÕES DE ANIREVES


FOTOGRAFIA - MANOEL LUCENA – COLÓ.
Blog colocidade

No ano passado estive com Anireves, a grande sabia, na estação primaveril. Fiquei muito impressionado com seus ensinamentos. As suas reflexões eram recheadas de um fulgor intenso, abrasador, cauterizante. Nelas, havia uma sabedoria marcada pelo compasso do tempo e do espaço que gritara nos meus ouvidos como um sopro, uma aragem divina com aroma de flores silvestres. Tudo era muito poderoso, profundo, cativante e vivo!
Este ano mudei a estação e a procurei no inverno. Encontrei-a contemplando o esqueleto de um velho pau d’arco massacrado pela inconsciência cinzenta dos deuses mortos em vida. Esperei com paciência, muita paciência, para ouvi-la.  De repente ela se voltou para mim e o seu rosto estava iluminado, brilhante! Fiquei perturbado, inseguro; e sem me dar conta – sua voz rasgou o silencio que nos separava – homem da terra, “Manu” já sentenciou: “Quando se danificam grandes árvores, deve-se pagar uma multa proporcional à sua utilidade e seu valor; tal é a decisão”.
Face a face, continuei ali pasmo com aquele ser único... Nada me ocorria além de admirar aquela imagem que os meus olhos me ofereciam naquele instante. Sem me refazer daquele impacto Anireves disse-me ainda, homem da terra guarde isto em seu coração, pois foi uma grande alma que escrevera no seu código: “Aquele que perdoa aos aflitos que o injuriam, é honrado por isso no céu; mas aquele que, por orgulho de seu poder, conserva ressentimento, irá por essa razão para o inferno”.
Estas assertivas são instrumentos valiosíssimos para se construir uma humanidade justa, rica em atos nobres e sóbria em suas realizações. De modo que são elas sombras abundantes deixadas às futuras gerações para que não pereçam sob o sol causticante do deserto árido da arrogância.
Depois de pronunciar estas duas sentenças, Anireves deixou o seu posto de contemplação e se encaminhou em direção à planície vertical que a esperava bem a nossa frente. Adiante volveu o seu rosto para mim e como se um trovão saísse de sua boca, disse: nem o ódio nem as nulidades poderão prosperar entre vocês, defenda o direito de quem procria; a maternidade é a mais sublimes das obras do Senhor. Então, lembre-se: “se o homem vivo é a gloria de Deus; não tortureis sequer com uma flor uma mulher culpáveis de cem faltas”. E se foi.
  

terça-feira, 21 de outubro de 2014

A LÍNGUA PERVERSA DO SANGUE

PARABÉNS


A inconformidade do néscio está na sua imensa dificuldade de não saber diferenciar os sabores que adoçam a vida. Por exemplo: que gosto tem o respeito pelas pessoas, humildes ou importantes? Que ingrediente divino tem o paladar da verdade? Que deguste saborosa há na essência que nos ajuda a crescer como seres humanos, chamada apenas de amor? E nunca, talvez nunca jamais, experimentou as delicias da paz!
Nos ensinamentos de Jesus, segundo Mateus, C. 15, v. 11, rebatendo o farisaísmo insano e aos infames doutores da Lei, disse: não é o que entra na boca que torna o homem impuro, mas o que sai da boca, isso torna o homem impuro.
No entanto, é o ódio que se destila contra as pessoas que torna a gente um ser amargo, pequeno, infeliz e só, a exalar pelos poros eflúvios fétidos de maldade, de ranzinzasse. Isto, porém, é reflexo de um passado desértico cheio de tempestade, sol escaldante e inverno seco. Sendo isto, portanto, completamente, o inverso dos planos de Deus; um baixio fértil com temperatura amena, brisa mansa e suave a produzir frutos de boa qualidade.
Certa vez um poeta no momento de ira contra as infâmias dos homens disse:
A humanidade é um ventre fecundo
De partos podres e filhos medonhos
Frutos amargos de perturbados sonhos
Que a irracionalidade trouxe ao mundo.
Talvez fadigado das grosserias dos infaustos que lhe rodeiam, o pobre poeta disparou esta quadra fortíssima, tentado dessa forma dissuadi-los, afugentá-los, mas, porém, era preciso muito mais que isso para deter o rancor que eles tanto acalentam nos profundíssimos recôncavos de suas personalidades indefinidas e enfeitadas de inglórias.
O sangue que grita além da formula humana real padece muito de aflitivo distúrbio de inferioridade racional, de impotência moral e de fraqueza psíquica. De modo que, os princípios ativos que norteiam o conceito da razão de relacionamentos, de fato, são concebidos a partir da razão pura que por sua vez, gera em seu santíssimo ventre a verdade, filha unigênita de Deus.   



terça-feira, 14 de outubro de 2014

NÁUFRAGOS

Autor: Américo Falcão

Eu, timoneiro audaz, parti, cantando,

Na galera de sonhos, pela vida.
O lindo e imenso mar atravessando...
Vendo largo... bonança indefinida...

Do mar a superfície adormecida

Que o sol beijava rútilo, raiando,
Era uma veiga azul toda florida
De espuma leve em flóculos boiando.

Fazendo rumo ao porto da ventura,

Mostrou-se o céu de plúmbea face adunca
E a galera perdeu-se em noite escura...

Ai que momento lúgubres, medonhos!

Nautas da crença, eu não me esqueço nunca,
Do naufrágio sinistro dos meus sonhos.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

VÊS?


Autor: Américo Falcão

Já foi bonita essa mulher que passa,
Essa mulher que vês, assim velhinha,
Já foi outrora o símbolo da graça
Quando no rosto mocidade tinha!

Era nobre mulher de fina raça
Quando entre gala orgulhosa vinha,
Magnetizava a multidão na praça,
Reverberando risos de rainha...

Vejo-te agora nas manhãs da vida,
Dizem também que és símbolo da graça,
Que és estrelas dos azuis caída...

Mas... quando velha andares pela praça,
Há de dizer a multidão sentida:
Já foi bonita essa mulher que passa!







segunda-feira, 29 de setembro de 2014

O VELHO PROFESSOR

Texto de Autor Desconhecido


Andava muito doente o velho professor. Por isso, não tinha mais o mesmo ardor, que outrora possuía e que o animava dantes. Às vezes, quando em aula, havia mesmo instantes em que inclinava a fronte (aquela fronte austera) e cochilava um pouco involuntariamente.
Era, porém, tamanho o bem que nos queria que jamais quis pedir aposentadoria e manter-se do Estado a custa dessa esmola.
Era sempre o primeiro a aparecer na escola, com joviais maneiras tão simpáticas, não obstante sentir umas dores tão reumáticas que o fazia sofrer ultimamente.
Um dia ele chegou mais tarde por alguns momentos, trazia na face alguns sinais de sofrimento, a palidez do rosto, os olhos encovados, denunciavam seus pesares ignorados. E, como tomar a dor mais manifesta, cavara-se fundo uma ruga em sua testa. Franzia-se o rosto uma expressão de dor.
A aula começou, mas, pouco depois das onze. O velho mestre, o bom trabalhador de bronze, que já perto dos trinta anos ou mais, lutava todos os dias, dando batalha ao vicio e combate a ignorância, sentindo de uma dor extrema, curvou nobre face e cerrou de leve os olhos.
Lá fora, fugia o sol.
A manhã era calma.
E sorrindo, a natureza abriu a sua alma, repleta de alegrias e cheia de esplendor. Pela janela aberta, entrava o hálito das flores; em toda atmosfera azul, lavada fina, ressoava baixinho, assim como em surdina.
Um canto Celestial, harmonioso, suave, anjos tocando em harpa alguma canção de amor.
Nisso ergueu-se um aluno, um pândego, um peralta. Fabricou de um jornal um chapéu de copa alta, e, bem devagarzinho, chegou-se ao mestre e “Zás” enfiou-lhe na cabeça. E rápido se foi de volta ao seu lugar. O mestre nem abriu o sonolento olhar. E aquele aspecto vil, de truão, de improviso, rebentou pela sala estardalhante riso.
De súbito, surgiu o diretor na sala. Demudou-se-lhe o gesto, estremeceu a fala. Quando ele, transformando a sua mansidão de boi, em fúria de leão, nos perguntou: quem foi? Quem foi esse vilão que fez tal brejeirice, sem respeito algum as fáceis dessa velhice? Mas ninguém denunciou da brincadeira o autor.
Como um truão dormia o velho professor.
O diretor, então, chegou-se junto à mesa...
Via-se-lhe no rosto, o incômodo, a surpresa de que o sono assim se prolongasse.
Curvou-se meigamente e levantou-lhe a face. O mestre estava morto.







quinta-feira, 10 de julho de 2014

A PRAÇA JOSÉ PAULO SOUTO - SÃO MAMEDE


Será que há algo na vida d’uma cidade, seja ela qualquer, independente do seu tamanho, mais característico, essencial, agradável e livre, do que uma praça? Eu suponha que não. O poeta dos escravos, aquele que gritou nos ouvidos mudos do mundo, inflamado com a truculência da soberba dominante, por cometer sem compaixão, uma das maiores barbárie contra os filhos da África, elevou-se acima dos homens e publicou com letras de ouro: a praça é do povo como o céu é do condor! Assertiva antes confirmada pelos Gregos há algumas centenas de anos.
A praça, segundo Sócrates: a qualquer hora do dia, é o lugar de encontros, onde se passeia ao ar livre, onde se fica sabendo das novidades, onde se discute política, onde se formam as opiniões. De fato, a praça – Ágora para os Gregos – era o nome que se davam ás praças públicas da Antiga Grécia. Nelas ocorriam reuniões onde se discutiam assuntos importantes à vida cotidiana da cidade (em Grego Polis), notadamente os atenienses. Essas reuniões (assembleias) aconteciam na ágora e os Gregos podiam opinar sobre temas pertinentes á justiça, obras públicas, leis, cultura; mas tudo era decidido pelo voto direto do cidadão, o que satisfazia, por assim dizer, “ao conjunto do povo”, que embora, “não exercesse qualquer direito político”, mas era soberano para “dispor de todos eles”, principalmente, na “assembleia plenária”; com uma enorme diferença: não havia regimento interno; muito menos aliados, partidários ou governo a ser defendido.
De modo que a praça (Ágora) era também um espaço público muito valorizado, indispensável ao cidadão e caro ao espírito do povo Grego, com finalidades diversas que envolvia: as cerimônias religiosas, eventos, negociações comerciais e acordos econômicos. 
Nesse ambiente de uso comum e formidável também se expunham em telas vivas às feridas sociais abertas pelo abissal econômico entre emprego, renda e cidadania, logo chamadas de espectros humanos pela injustiça dos homens e alcunhadas de escórias preguiçosas por aquela sociedade. Eram cidadãos exilados da pátria no solo pátrio com seus rostos trágicos e suas mentes pálidas. Infames convidados por descuido da loteria biológica que teimam em nascer para galeria natural da miséria, chagas vivas chamadas de pobres que constrangem a humanidade dos ricos! 
Na ágora, por vezes, santuário da racionalidade onde se ressuscitam os direitos mortos sem a anuência da justiça omissa; nela dessilencia a defesa do fraco, afronta sistema, diminui governo e sepulta político. É muito maior do que o mundo e infinitamente menor do que o povo, de modo, que esse equipamento público é uma excepcional caixa acústica com um grande potencial de ressonância: um grito pode em segundos alcançar distancia imensurável!
Esses aspectos tão inerentes às praças (Ágoras) daquele tempo, ainda hoje estão em voga, indenes, por uma força que insiste eternizar-se chamada de desigualdade social; outras adquiriram novos contornos e formas versáteis, mas no geral, nada mudou!
No início do século XX, ai por volta de 1906, o escritor e jornalista, Coriolano de Medeiros, esteve em São Mamede, 3 anos após a fundação do povoado e tempos depois, novamente passou por aquele rincão e viu acentuadas transformações, as quais resolveu deixá-las registradas num livro para posteridade. (...). Fiquei admirado com o progresso do lugar e, mentalmente, o recordei, transportando-me ao ano de 1906, quando ali estive pele primeira vez. Nesse tempo, São Mamede se compunha de duas ou três casas de taipa e telhas e de uma grande latada de ramos de oiticica, bem a margem da estrada que comunica Santa Luzia a cidade de Patos. Sob a latada e no leito da futura via pública, se realizava, semanalmente, uma feira. Esta se incrementou tanto que, em pouco tempo, se acomodava dentro de uma verdadeira povoação (...).
São Mamede é hoje uma linda cidade, é a ninfa encantada do Sabugy! Cresceu formosa e próspera em volta da capelinha existente e da grande latada de ramos de oiticica dos tempos idos. A capelinha amparada pelo esforço e religiosidade do seu povo, tornou-se uma belíssima igreja com traços arquitetônicos do barroco moderno; a grande latada aonde se realizava semanalmente a feira livre, tornou-se a Praça Coronel José Paulo Souto, diga-se verdadeiramente uma justíssima homenagem ao homem que impulsionou o desenvolvimento local.

Falar dessa primeira praça, erguida na gestão do interventor Misael Augusto de oliveira Filho, primeiro prefeito, remete-me a um passado de sonhos. Eram sonhos simples demais, sonho de adolescente, mas que valiam muito apena, embora “Pessoa” tenha dito, que tudo vale apena quando a alma é pequena. Ingenuidade? Pode até ser, mas o sonho é sempre um tanto maior do que pode o sonhador realizar. Na praça, as moças cinderelas lindas e feiticeiras, que carregavam a magia de um quê de diferente, que maltratavam que machucavam a gente, no entanto, faziam um bem danado ao coração. Com suas puras, leves e ingênuas insinuações dominavam o ambiente com graça, com beleza, gerando uma salutar expectativa; quem não torceu a favor dos ventos? Desculpe-me confessar o pecado, mas se for possível, “atire a primeira pedra”! Os vestidos eram abaixo dos joelhos dificultando muito um lance um pouco acima deles e isso quando acontecia era um alvoroço da rapaziada que se deliciava com o lance e um constrangimento para moça, que ás vezes, voltava mais cedo para casa chorando e envergonhada. Eram outros tempos!    

Em dezembro se realizava a festa de Nossa Senhora da Conceição, a Praça Coronel José Paulo, ficava tomada pelo povo, a banda de musica do município animava a noite festiva, eram retretas inesquecíveis! A arquitetura da praça que tinha um mezanino elevado servia para que a banda ali se apresentasse, propiciando aos músicos uma visão bastante panorâmica e ao público um cenário mágico.
Imperava nesse tempo, o respeito e prevalecia a dignidade. Namorar podia-se dizer que era o ápice para que se realizasse a emancipação da mulher e um prenúncio informal de casamento. De forma, que os valores no passado não passavam ao largo da família, porque a família os legitimava e os tornava o seu porto seguro. Eram os valores sim, a pedra fundamento e base sólida para a construção de uma família que muitas vezes, começava na praça.
Deus, ao findar sua obra, no sétimo dia, descansou. Estendeu sua rede á sombra de um frondoso juazeiro á beira do rio Sabugy, e ali adormeceu.  O diabo se aproveitando da inatividade temporária do Ser Supremo para agir, criou os porões do poder. E foi ai que vingou no homem o egoísmo, a quimera onisciente que gerou o poder (prazer) de desconstruir a identidade do povo sem se aconselhar – o Eu absoluto.  E assim, sem parecer e sem aviso prévio, numa decisão unilateral o gestor da época se achou único e só - um deus sertanejo - e assim trouxe abaixo a nossa primeira praça, deixando a ultima que morre nos invadir com uma torrente de esgarçadas lembranças nos painéis da memória e nos álbuns de fotografias. Eis a Praça Coronel José Paulo Souto em São Mamede.




quarta-feira, 25 de junho de 2014

POVO SEM MEMÓRIA



Segundo o autor de “A BAGACEIRA”, José Américo de Almeida, “ninguém se perde na volta”. Sinceramente, não foi o meu caso, na volta eu me perdi! O caso se deu no ultimo de maio, quando fui à festa de encerramento do mês Mariano, na minha terra, a ninfa do nobre e sofrido Sabugy, São Mamede. Alguém por maldade sujou-lhe o rosto, feriu-lhe a graça, atirou-lhe a ultima fecha, talvez por piedade ou pena, e lhe acertou em cheio o peito. O absoluto do bárbaro chegou ao ápice, é o fim!  
   
Fiquei desapontado e cheguei à conclusão de que o bárbaro merece respeito, mas não poder. Vi a História dos nossos ancestrais desrespeitada e o nosso orgulho exposto no lixo, sem pelo menos nos dar o direito de chorarmos o nosso infortúnio. Já diziam os antigos, em terra de ninguém qualquer “um” é rei. Então, quando um povo renuncia cuidar do seu próprio destino é por que deseja tornar-se escravo. E assim, seja!

O prédio da prefeitura municipal de São Mamede, construído entre os anos de 1954 e 1955 do século passado, perdeu o seu encanto, a sua beleza arquitetônica fora prostituída, puseram abaixo a sua originalidade, "profanaram o templo!". Seus antigos janelões de madeira de lei foram substituídos por janelas de vidro – disseram-me “modernas”. As alegações foram, por assim dizer, as mais diversas: queríamos dar ao prédio (leia-se o ego) um aspecto bonito, de modernidade, disse-me uma autoridade, que era bárbaro. Em seguida questionei: o mundo moderno tem-se preocupa muito com a preservação da historia, por que aqui acontece o contrario? Recebi uma resposta que não me convenceu e ficou por isso mesmo...

Diante de tamanha insânia, suponho que tenham consultado o povo para provocarem essa desastrosa agressão ao patrimônio artístico e cultural da cidade ou pelo menos o plano diretor ou será que agiram com o peculiar instinto técnico administrativo? As hipóteses possíveis que deram ao gestor o lastro para tomar a decisão abrupta e rancorosa de assassinar a memória dos nossos ancestrais habitam sempre de forma negativa a seara dos nativos e congestionam a boa vontade dos mais otimistas. E foi por isso que eu me perdi na volta.