UM POVO DE FÉ.
Fontes:
A Bíblia Sagrada,
Evangelhos Apócrifos
Conhecemos
muito pouco
De quem
nos ver a aparência
Quem são
seus antepassados,
Donde
vem sua existência,
Em que
mundo foi criado,
De que
tempo é sua essência?
Esse Ser
que rege as coisas
E de
quem temos a graça,
Suscitou
as normas dos corpos
E deu
forma a cada raça
Deste
sistema de mundo,
Sem
soberba nem chalaça.
Deu-nos
a livre arbitragem
Ao
tomarmos decisões
E
fez-nos seres tementes
Ante as
realizações,
Impôs-nos
regras limites
Frente
as nossas sensações.
E
disse-nos: eis a terra
Fecunda
e cheia de vida;
Crescei-vos
não cobiçai
Pois não
vos dei dividida,
Conservai
sublime dádiva
Tornando-a
vossa guarida.
Para
todos há uma parte
Que
Proverá vossa mesa:
Se
segardes com cuidado,
Terdes
vós fértil empresa
Por dias
todos infindos
Sem a
vós estardes presa!
Se não
houverdes discórdia
Entre
vós e a sã verdade,
Se não
despertardes o ópio
Que
nutri vossa vaidade;
Terdes
vós a vosso bem
A minha
eterna bondade.
Porém,
vieram feridas
Em meio
às vãs sensações
D’uma
servidão indevida,
Forjadas
nas transgressões,
Da lei
inatual dos corpos
E na ira
das ilusões.
E no ser
brota um desejo
De mal
servil sem pudor
Na
estrutura cognitiva
Como se algo inferior
Regesse
todo sistema
Como se
fosse o mentor.
Esse
juízo é do cerne
Da débil
humanidade,
Mãe do
individualismo
Que
tange a sociedade
A
dividir-se em estirpes
Tiranizando
a igualdade.
Com essa
divisão em curso
A
iniquidade a ganância,
Ganharam
mentes, espíritos,
Em sua
rude abundância:
Negando
o bem a partilha,
Impondo
infame distância.
Ricos,
pobres, miseráveis,
O mundo
real ganhou;
A
verdade a igualdade
O ter as
despedaçou,
E toda
segregação
Foi à
herança que ficou.
Os ricos
campam seus bens
Fátuos
de si e de poder
Orgasmos
que gera fama,
Crédito,
esnobe e prazer,
Mito de
que pode tudo
E o tudo
que pode o ter.
Assim,
os ricos passaram
Para o
cosmo do “esplendor”:
Regalias
privilégios,
Veniagas
a favor
Dos
sonsos apaniguados
Vis do
lar superior.
Para os
pobres miseráveis
Resta o
resto do repasto
Injusto
para anjos justos,
Mas para
os maus o bem vasto
Da
sombra lauta frondosa
Que lhes
dar um mundo basto.
De modo
que há uma rixa,
Em meio
a dois interesses:
Um tenta
sobreviver
O outro
só quer as benesses,
Que
nutrem egos polutos
Na
origem de suas messes.
As
classes dissimuladas
Esgarçam
ideais vivas,
Sepultam
sonhos gentis,
Destroçam
expectativas,
Negam os
valores válidos
Nas suas
falas cativas.
No meio
dessa desordem,
Planam
três ideias moucas:
A rica
de vezo escuso,
A pobre
de razões roucas,
Os
míseros sem destino
E gestos
de porras-loucas.
E,
dentre as classes, às vezes,
Vem um
às desafiar
Os
preceitos hierárquicos
A Lei a
forma de pensar
Dos
grupos: castas “espúrias”,
(Que não
se deixam mudar).
Na
classe dos miseráveis,
Privados
de fé e de sorte!
Prefulgara
um desses gênios
Para dar
um rumo norte
Ao fado
dos infelizes
Que só
enxergavam a morte.
Foi
naquela velha terra
Pobre
mas divo rincão,
Que no
tempo da verdade
Nascera
ilustre varão
As
margens do sabugy,
Bem no
ventre do sertão.
Esse ser
que veio ao mundo
De modo
bem singular,
Sem
pompas nem aparato,
Um
magistral exemplar
Da
tradição sertaneja,
Um bom
caipira invulgar.
E num
casebre humilde
Esse
broto despertou
Envolto
por sua mãe,
Que
comovida chorou
Cerrando-o
contra seu seio
E em
lágrimas exclamou.
Meu
filho vai ser do bem,
Um fruto
do criador
Fértil,
honesto, gentil,
De
luminoso valor,
O mundo
vai conhecer
Esse
excelente mentor!
Terá o
título de Orama,
Que o
propõe contemplação,
Algo que
se ver – o belo
Ou vasta
meditação,
Um Homem
iluminado
(E
espírito de perdão)!
Assim, a
mater de Orama,
Declarara
que o menino
Fará
sua trajetória
Traçada
pelo destino,
Um guia,
mestre de luz,
Instrumento
do divino.
Em
êxtase a preceptora
Por fim
murmurou-lhe, Orama,
Hoje
mesmo o deixarei
Exposto
sobre ‘sta cama
Vou para
aldeia dos vivos
O Divo
eterno me Chama.
A vida
filho é eterna
E, vive
nela somente,
Uma
definida fase
Em
dimensão diferente;
Vivemos
e não morremos
Nem
nascemos realmente.
E, como
se fosse mágica,
Sua vida
se expirou,
O que
era forma humana
Num
espectro se tornou
Noutra
real dimensão
Nova
etapa começou.
Já o
predestinado Orama,
Órfão
de pais e de amor,
Com
efeito, morreria,
Se não
gozasse o favor
Do
supremo Ente Divino,
O Santo
superior.
Havia
nato há pouco
E já
era um abandonado,
Como
então sobreviver
Naquele
real estado
O
escolhido do Senhor,
(Mas
agora desprezado)?
Mas, por
ato do sagrado,
Que
protege os desvalidos,
Uma
humilde velhinha
Luz
vésper dos excluídos
Encontrou
sobre o grabato
A joia
dos esquecidos.
E,
recolhendo-o do catre,
Sussurrou:
quanta maldade,
Dessa
mãe desnaturada,
Carente
de caridade!
Oh, meu
Mestre, ‘ste seu mundo,
Carece
de piedade!
E,
pegando alguns andrajos
Espalhados
pelo chão,
Para
acolher a criança
Que
ficou a exposição
Aos
perigos do pós-parto
Sem a
real proteção.
Após
tomar as cautelas
Privadas
ao recém-nado,
A
velhinha conduzira
Com
desvelo aquele achado,
Solfejando
venturosa
As
cantigas do passado.
Porém,
com o acervo raro
E já
muito ultrapassado,
Ás
vezes desafinava
As notas
e sem cuidado
Cantava
árias confusas
Sem
rigor no trauteado.
Oxalá,
volta ao caminho,
Que a
tornaria à morada,
Fugindo
dos transeuntes
Largos
passos apressada,
Evitando
olhos de moita
(No
curso da caminhada).
Chegando
a mísera choça
D’enxameeis
varas tortas,
Fasquias,
barro amassado,
Sem ter
janelas nem portas:
Um
quadro de vidas vivas
Exibindo
imagens mortas.
Num
canto ali do engradado
De taipa
em meio à pobreza,
Dentro
d’uma rede suja
Que
vangloria a riqueza,
Orama
fora tratado
Com a
afeição de nobreza.
Contudo,
não adormecera,
A fome
tolhe-lhe o sono;
A
barriga famulenta
Sente o
real abandono
Acusando
a golpe baixo
O frágil
viver humano.
Por
dentro grita o estômago
Por fora
a boca reclama,
O País
à fome rir
Da
desventura de Orama,
Que
faminto se tortura
Eternizando
seu drama.
Porém,
a mãe natureza
Do nada
reparti o pão,
Quando a
míngua se agigante
Ante a
opulência vão
A madre
doma a penúria
Humilhando
a servidão.
E,
aquela pobre velhinha,
Dividiu
a sua ração:
Uma
porção de farinha,
Alguns
pedaços de pão
Molhados
servem a Orama
(Na
primeira refeição).
Após
ser alimentado
Leve
sono o abateu,
Liberto
o corpo dormia
Solta a
alma via o céu
Além do
avistar humano
Pela
cortina de um véu.
Dormindo
o “nume” gozava
Uma
aurécia singular,
Alcançando-o
mansamente,
Como
canção de ninar
Que soa
no imo do ser
Fazendo-se
acalentar.
E sobre
a barga brilhava
Arco de
luz lumioso,
Frágil
e sem resplendor
Como se
um divo zeloso
Cuidasse
como se fosse
Um
tesouro precioso.
E
naquela rede suja
Aonde
Orama dormia,
Exalava-se
um perfume
Suave
que se aspergia
Pelo
humilde casebre
Transbordando-o
de alegria.
Fluíam
ares de montanha
Um fino
aroma floral
Inebriando
o tugúrio
De
perfume divinal,
Como se
fizesse parte
D’um
reino celestial.
Assim
Orama viveu
Um “dia”
do seu destino,
Cumpriu-se
a premonição
A
respeito do menino
Agora
era só esperar
(Os
desígnios do divino).
Assim o
varão crescia
Nesse
mundo de pobreza,
Sob o
cuidar da indigência
Em sua
enorme tristeza,
Mas sua
psykhé brilhava
Numa
infinita grandeza.
Revelavam-se
seus traços
Candidez,
paz, esplendor
Numa
doçura desértica
Consagrada
pelo alor
Gentil
de suas entranhas
Em forma
real de amor.
Seu riso
era brisa mansa
Despertando
o girassol;
Arroio
límpido, casto
Entre
dois vales ao sol
Luzindo
rumo à planície
Ao
despontar o arrebol.
Tinha um
olhar poderoso,
Claro e
inquietador;
Sede
d’amor de justiça,
Quimera
d’um sonhador;
Inflamado
de paixão
Um sábio
conquistador.
Saia do
seu coração,
Belos
pássaros cantores
Voavam
ledos ao horto
Do céu
– de suaves cores
Sublimes
a olhos humanos
As
formosas, lindas flores.
Interpretava
as canções
Das
virgens embriagadas
E,
falava-as com carinho
Das
paixões atormentadas
Que
fragilizam o amor
(Em suas
formas sagradas).
Sorria
como se os lábios
Estivessem
sempre em festa;
Os seus
gestos eram livres
Como
homens da floresta;
Que
vivem a solidão
Se o
caos se manifesta.
Era um
belíssimo estranho
Que veio
para nos sondar
Gerado
da sã bondade
Numa
aridez secular
Das
tempestades humanas
Em
transvios a vagar.
Medrava
em corpo e espírito
A fé
lho fortalecia
Diverso
doutros rapazes
Para
quem o conhecia;
Era
plural, mas difícil
Assim
Orama crescia.
E o anjo
que o acolheu,
Quantas
o repreendia:
Por seu
gênio inquieto
E como
se conduzia
Diante o
sistema imposto
Ao povo
que o carecia.
Ria das
nossas revoltas,
E dos
mitos surreais;
Voava
além das serpentes
E
dos lacaios banais,
Profetas
rudes e acesos
Com
os dons celestiais!
Não
suportava o hipócrita,
O
falso justo infiel,
Que
como o abutre assiste
Sobre
o rochedo o painel
Macabro
de suas presas
Num
quadro vil e cruel.
Essas
bestas – os hipócritas,
Deuses
do abismo moral –
Predadores
da bondade
Em
sua força real:
Verdugo
insano dos fracos
De
forma servil, brutal!
Já
com o néscio era dócil
E
áspero com o arrogante,
Afável
com o humilde,
Sensível
com o ignorante,
Compassivo
com o fraco,
Severo
com o pedante.
Compreendia
a fraqueza
Desde
o talhe bestial
Dos
varões tolos devassos
Entes
de fama infernal
Que
exibem a hipocrisia
Sobre
a razão natural.
Dizia
aos ouvidos mudos:
O
Corpo é um instrumento
Da
lida que traz a dor
E
esta traz o sofrimento,
Causa
importante daquela
Sensação
de quão tormento.
A
alma sente a dor real,
E
se contorce ao efeito,
Que
a faz penosa lembrar
Angustia
insana ao peito
Morto
pelo dogma fútil
E
moralmente imperfeito.
Porém,
convém o viver
Absurdo
como as paixões;
De
modo que sã verdade
Peja-se
de sensações
Fundadas
em metafísicas
Que
suscitam emoções.
O
mundo real precisa
De
viver o bem-estar
Findo
no tempo sem tempo
Da
cegueira milenar
Forjada
n’alma ultrajada
D’um
reino espetacular.
Neste
reino “pudendum”
Vivem
os mestres venais,
Leiloando
seus saberes
Às
praticas vãs banais
E
suas mentes perdidas
Sob
os entulhos carnais.
E,
vede o princípio certo:
Apenas
e só verdade
“Individuum”,
forçoso
No
ego da realidade,
Sem
os meios asquerosos
Que
sustentam a vaidade.
Vês,
então o ódio, o amor,
Cárcere
de proporção
Simétrica
a vivência
Arada
no coração
Do
ser homem na medida
Que
despreza o perdão.
Orama
falava aos ventos,
O
ar puro o compreendia;
A
aurora rindo o amava
Saudando-o
com alegria;
As
aves do céu o louvavam
Numa
diva harmonia.
Os
seus até lho fugiam
Os
varões o desprezavam,
Os
doutores em sigilo
De
sua ascese zombavam
Os
anciões insidiosos,
Às
escondidas tramavam.
Diziam
eles: é um jovem
Que
tem escassa instrução,
Falta-lhe
uma verve fértil,
Lógica
e densa intuição,
Empenho
em suas palavras
E
prática de arguição.
Vamos
então procurá-lo
E
assim podemos sentir
Quais
são suas intenções
Ou
de que modo vai agir;
Temos
que ficar atentos
Senão
vamos sucumbir.
O
novo sempre desperta,
Mas
o tolo é sonhador;
O
douto lança no estio
E
entre pedras colhe flor;
Quem
confia vê a vitória
E,
quem faz é vencedor.
Portanto,
faz-se preciso
Encontrá-lo
onde estiver;
É
importante tê-lo a vista
De
modo que se puder
Para
ágora o levaremos
Caso
Ele se dispuser.
Assim,
se, pois o legado
A
procurar por Orama,
Viu-o
tenaz no meio da ágora
Como
uma fogueira em chama
A
consumir mentes velhas
E
as burlas laivas de lama.
Tornando
para a luz da ordem,
O
sequaz disse o que viu.
Expôs:
a ágora se queima!
O
povo rude aderiu
A
um engendro de poeta
Que
a crença falaz pariu.
E,
com um jargão aziago,
O
sequaz se arde zeloso.
Ferindo
a “razão” da fé
Do
fiel justo extremoso
Que
crer na pluralidade
Do
Deus vivo generoso.
Confessa
ainda, o servil,
Rasgando-se
de emoções.
O
Deus dos antepassados
Vive
em nossos corações,
Guiando
nossos destinos
Sem
as falsas sensações.
Ouvi-o
discursando na ágora,
Achei-o
medíocre, grosseiro,
Além
do bem e do mal
Um
fingido aventureiro,
Laico
a nossa tradição
Um
infiel estrangeiro.
Seus
modos não são leais
Ás
nossas reais virtudes;
Ataca
nossos costumes
Suas
rudes atitudes;
Fere-nos
com mau juízo
As
nossas solicitudes.
Agride
nossas doutrinas,
Difama
nossa memória;
Repreende
a nossa lei
Discorda
de nossa glória;
Condena
nossa conduta
Cisma
da nossa história.
Suas
palavras são acintes
Á
nossa filosofia;
Renega
nossos conceitos
Da
nossa teologia
E
rebate com rigor
De
Deus nossa teoria.
O
sequaz relata os fatos
Acrescidos
de maldade,
Sugere
medidas outras
Em
face da gravidade
E,
não cogita o contrário
Pra
não ferir a unidade.
Já
os conselheiros aceitam
Pugnar
o varão loquaz,
Visto
que sua doutrina
Tornara-se
forte audaz
Sendo
forçoso barrá-la
Com
ousadia fugaz.
Alheio
ao ódio infernal
Dos
que só veem somente,
A
fé pelo próprio olho
Que
lho seja realmente
Modelo
de fé sem fé
Pelo
olhar indiferente.
Orama
cheio de amor
Em
meio ao povo doente,
O
Deus que lhe inspirava
Uma
verve diferente,
Não
frequentava as palavras
D’uma
fé vã inconsequente.
O
fogo ainda queimava
Os
vis dogmas surreais;
E
assim do ventre do povo
Com
seus dons especiais:
Nascia
um broto do bem
Entre
dragões colossais.
Depois
de conquistar a ágora,
Orama
cheio de alor;
Volta
ao seu porto seguro
Onde
um ser encantador
Ansiosa
o esperava
Com
muito apreço e amor.
Porém,
as serpentes agem
Sob
as leis da crueldade,
Ferindo
o que o bem cria
Sem
lhe prover piedade,
Como
se uma força estranho
Instigasse
a vã maldade.
E
na fonte do bem puro
Chegara
muito cansado,
Adentrara
cheio de ânsia
O
sonho realizado,
Mas
chora ao sentir a dor
Faze-lo
só, abandonado.
E,
numa incivil enxerga,
Pendia
o corpo sem vida
Da
santa que o acudira
Quando
sua mãe querida
Expirou
ao lho dar a luz
Pelos
anais esquecida.
Orama
via o viver
De
traumas, sofreguidão,
Suscitar
tortura, ânsias,
Que
provocam exaustão
À
integridade do espírito
Desabando
o coração!
Já
a vida ao deixar o corpo
Livra-se
d’uma prisão,
Ganha
a liberdade plena
Ao
completar a missão
E
viaja leve e solta
Em
busca da remissão.
E
o espírito frondoso
Que
povoa amor e vida,
Exala
odores sublimes
De
cerne desconhecida
Deixando
divo perfume
Na
mão que cura ferida.
E
o espírito, anjo luz,
Arrimo
dos deserdados
Semeia
amor pelo bem
Em
atos concretizados
Tornando
dor em amor
Entre
os anjos perturbados.
Silente,
prostrado, Orama
Considera:
a vida, a sorte.
Por
fim, conclui: o viver,
É
fardo de grande porte
Carregado
pelo homem
Até
se entregar a morte.
Mártir
do termo fatal
Que
o ferira no regaço,
Bem
ali ao lado do esquife
Orama
sem embaraço,
Chora
sua perda extrema
Como
um derradeiro abraço.
Após
desdar-se da dor,
Orama
volta à razão
Devolve
para mãe á filha
Que
fora mãe na aflição
Do
broto frutificado
Arauto
da compaixão.
Deixou
o casebre humilde
Para
uma busca tenaz
A
fim de achar a si mesmo
Sem
comprometer-se assaz
Com
novos passos à vida
Que
farão elevar a paz.
E,
assim em meio a veredas,
Passava
o dia a flainar;
Perdia-se
entre delírios
Das
dores a atormentar
As
intimidades d’alma
Num
doloroso penar.
Vagueou
por entre aldeias,
Vinhas,
Campos e searas,
Cruzou
bosques e desertos,
Estepes de floras raras,
Arroios,
poços e pântanos,
Dias
negros - noites claras.
Conheceu
homens e homens
Em
funestas aflições,
Amou-os
fervorosamente
Desprezando
as condições
Do
sistema injusto e falho
Que
alimenta as ilusões.
Já
no siso das andanças
Viu
de perto as incertezas,
Domesticou-as
de pé sóbrio
Nas
aflições das fraquezas
Que
destroem ate os ossos
Diante
as falsas grandezas.
E
no palor dos instintos
Têm-se
algo, (gritem ò surdos!)
Para
contemplar o medo
Daqueles
pobres miúdos
Que
estarão sob o nariz
Fantasioso
dos mudos.
E
no tempo em que passou
Procurando-se
no mundo,
Orama
sentiu no seu íntimo
Algo
sublime e profundo
Até
poder encontrar-se
Com
o seu viver fecundo.
Voltando
ao mundo real
Da
razão vil combalida
Sob
a fé da tradição
Insensível,
carcomida,
Que
julga débil o novo
Numa
moral descabida.
Depara-se
com uma ágora
Imane,
porém, sozinha,
Presa
a antigo dilema,
Insolente,
vil, mesquinha,
Infame
profundamente
E
esdruxulamente zinha.
Bem
à frente a dor do mundo
Vê
no rosto o gesto pálido,
Imagem
transfigurada
Sob
um azorrague cálido:
Horrores,
gritos, gemidos,
Num
bruto painel esquálido.
Em
este espelho quebrado
Cisma
da humanidade!
Vencida
nas suas lutas
Falta-lhe
serenidade,
Contudo,
só há vitória,
Consoante
a dignidade.
Mas,
se mata por um beijo
Que
nutre falsa ilusão
À
tempestade da vida,
Que
motiva a solidão
Do
espírito que padece
Em
si mesmo vil ação.
E
com este pensamento
Chega
enfim ao limiar
Da
ágora velada, insana
Disposta
a continuar
As
brutas imposições
D’um
sistema secular.
E
ali em seu redor, o mundo
Luzia
desolação:
Cabisbaixo,
sem alento,
Olhar
posto à aflição
Da
ânsia viva do “eu”
Nutrida
de malversão.
Orama
atentava triste
Os
tipos em sua volta,
Vidas
cansadas, perdidas,
O
que lhe dava revolta
E
sem se conter explode:
Ò
gente de fé envolta!
E,
ali provocando a ágora,
Grita
a quem possa ouvir:
Pode,
enfim um rio inerte
Gerar
vidas, ter porvir?
Salvo
apenas peixes mortos
Que
grande nos faz pungir!
O
pavão decidiu as cores
Que
lhe deu sua beleza?
Os
ipês quem os ornou
E
lhes estimou grandeza?
Que
poder, portanto, foi
Senhor
de tal realeza?
As
matas quem as dotou
Com
seu verde singular?
Que
sábio as povoou
E
as tornou o vasto lar
Das
feras que nelas vivem
Sem,
portanto, as cultivar?
Assim,
esgueira-se o homem
Do
eu sobejo sem ter rumo
Pelas
campinas desérticas,
Arco
sem punho, sem prumo,
Gênio
infértil sem rédeas,
Um
samonga sem aprumo.
Orama
aflito pensava
Num
tempo que há de vir
Para
quem tem a verdade
E
entre feras resistir
Os
fiéis de fé cansada
Que
se negam refletir.
Viveu
a ágora chorando
Sob
descortês necedade
Dos
mortos que pensam mortos
Abraçados
a maldade
Dos
que traem a si mesmo
Arpados
da crueldade.
São
os rebentos do apanágio
Que
esperam sua porção:
Benesses,
sublimes dádivas,
Que
a infame tradição
Educou lhes para tê-las
Sem
trabalhar a razão.
Angustiado
sondava
No
que o homem se tornou,
Pai
do seu próprio inferno
Que
a soberba lhe talhou
E
o fez filho da torpeza
Sem
honra o escravizou.
E
nesse ‘stado de espírito
Orama
age em voz altiva:
O
Deus eterno que vive
Dedicou
a palavra viva
Aos
homens pelos profetas
E
por Ela o homem viva!
E
aonde ‘stiver a vida
A
lei estará sempre escrita
Na
terra, no mar, no Céu,
Em
palavra ou manuscrita,
Porque
se tivermos fé
A
nossa alma estará adscrita.
Busquei
sempre em vós a lei
Abram
vossos corações,
Domem
os vossos espíritos
Para
o bem das relações
Que
dentre vós aconteçam
Aparando
as más ações.
Daqueles
que o escutavam
Perguntou-lhe
um varão.
Devo
ler as Escrituras
Segui-la
sem objeção
Ou
lê-la pra me instruir
Ou
seguir o coração?!
A
Lei é a vida meu filho
E
não só nas escrituras
Que
a encontra por quê
O
Grande Rei das Alturas,
O
Deus dos vivos aos vivos
Ensinou
as palavras puras.
O
escrito se fará morto,
A
Lei é viva como a vida,
A
palavra viva é Lei
A
lei é a vida vivida
Assim
deve ‘star escrito
Onde
quer que haja vida.
Digo-vos
que as coisas vivas
Estão
mais perto de Deus,
Que
a escritura que ‘stá
Vazia
dos sopros seus
E
desprovida de vida
Sem
a essência de Deus.
Em
mim vereis a verdade,
Porque
o meu Pai, as suas Leis,
Não
vos passou por escritas
Mas
disse-vos quando oreis
Sede-vos
um servo justo,
Vinde
a mim e me escuteis.
Vede
então a gula, o desejo,
A
vida desenfreada,
A
luxúria, a riqueza,
A
mente contaminada
Nem
pouco nem muito o ódio
Contra
o outro a Deus agrada.
Porque
todas essas coisas
Estão
longe do senhor
E
dos seus servos, os anjos,
Fies
ao puríssimo amor
Servindo-o
e O adorando
O
Deus uno Salvador.
Essas
coisas todas vêm
Do
reino da escuridão
E
de satã pai dos males
Flagelador
do perdão
Infausto
perseguidor
Indesejável
dragão.
E,
portanto, cuidei bem
Para
que vós não leveis
Com
vós mesmos essas coisas
E
jamais as desejeis,
Tende
o vosso coração
Limpo
e não vos mais choreis.
A
palavra e o poder
Do
Deus não chegam a vós
Pois
em vosso ser e espírito
Habitam
males que a sós
Devoram-vos
com pecados
Que
execram a todos nós.
Desejei
que a sã palavra
E
o juízo do Deus vivo
Penetrem
dentro de vós
Sede
homem compassivo
Não
profaneis vosso corpo
Para
não sede cativo.
Porque
o corpo é o templo
Do
vosso santo senhor
O
espírito o santo templo
Do
Deus eterno de amor
Que
ama sem discriminar
Quantos
sem impor valor.
Mondei-vos,
portanto, o templo,
Para
que o vosso senhor
Do
templo habite nele
E
ocupe o lugar que for
Digno
de sua Grandeza
Realeza
e esplendor.
Retrai-vos
de sob a sombra
Do
céu de Deus verdadeiro,
As
vis tentações do corpo
As
quais veem do embusteiro
Sedutor
dos bons espíritos,
Um
maldito aventureiro!
Renovai-vos
vossa vida
Imolai-vos
ao perdão,
Pois,
em verdade vos digo
Que
pedir em oração
Fará
os males de satã
Enlodassem
pelo chão.
E
por vossa livre conta
Em
vós mesmos, solitário,
Sem
mostrar vosso sofrer
A
quanto é desnecessário,
Porque
Deus que tudo ver
Sede
vosso solidário.
Porque
o Deus vivo verá
Que
quão vosso galardão
Por
ter vosso sacrifício
Alcançado
a afeição
De
Deus o mestre da vida
Senhor
da libertação.
Sacrificai-vos
até
Que
o diabo e seus demônios
Abandonem-vos
pra sempre
E
que do Céu bons favônios
Tragam
anjos da mãe terra
A
aflar-vos divos precônios.
Pois
em verdade vos digo:
A
não ser que vos penei
Satã
buscará a vós
E
nunca vos livrarei
Das
vossas enfermidades
Caso
vós não o reneguei.
De
fato, isto se dará
Por
meio de sacrifício,
Tornei-vos
amendoeira
Para
que o vosso suplício
Agradei
o vosso pai
Para
o vosso benefício.
Sacrificai-vos
e orai
Ao
Pai fervorosamente,
Buscando
sempre o Deus Vivo
Para
que o senhor somente
Possa
agir em vossa cura
Por
ser Ele onipotente.
Na
medida em estiverdes
Vos
se penitenciando
Evitei
expor a todos
Que
estai, pois, se libertando
Dos
pecados cometidos
E
para Deus se voltando.
Vigiai
os filhos dos homens
Pra
que não vos Confutei,
Buscai
os anjos da Mãe terra
Se
vos credes acharei
Pois
quem procura achará
E
achando vós libertei.
Buscai
o ar fresco do bosque
E
dos campos, pois verei,
Que
acharei no meio deles
Alguém
que vos ajudei,
Então
orei ao Anjo do Ar
Para
que de vós cuidei.
Tirai,
pois, a vossa roupa
Também
o vosso calçado
A
fim de que o anjo do Ar
Abrace
o templo sagrado,
O
vosso corpo, o invólucro,
Pra
que seja renovado.
Respirai
profundamente
A
fim de que o anjo do ar
Aprofundei
na vossa alma
Para
então purificar
Vosso
corpo o Santo templo
Onde
o Senhor vai morar.
Entregai-vos
por inteiro
Ao
regaço do anjo irmão
E
como o ar que penetra
Em
vossa respiração
Deixai
que igualmente a água
Lave
corpo e coração.
Pois
em verdade eu vos digo
Que
o querubim d’água pura
Limpará
de vosso corpo
Toda
imundície impura
Que
vos macule por fora
E
por dentro a diva cura.
E
que toda coisa imunda,
Que
atormente vosso ser
Seja
expelida pela água
Para
que vos possa ter
Sossego
no vosso corpo
E
acalme o vosso viver.
Em
verdade então vos digo
Que
o quanto vos é sagrado
O
anjo d’água que redime
O
que está sujo, lodado,
E
concede às coisas sujas
Um
aroma apreciado.
Nenhum
(ser) a quem não deixe
Deixar
passar anjo d’água
Poderá
acudir a Face
De
Deus carregando mágoa,
Porque
o senhor da justiça
Lava
a sordidez e enxágua.
Em
verdade, eis que tudo
Deve
ressurgir de novo
Da
água pura, da verdade,
Pois
com o corpo renovo,
Terso
no rio da vida
Vosso
Deus o dará aprovo.
O
Rio da nossa vida
Limpa
a fuligem externa,
O
espírito que se banha
No
rio da vida eterna,
Terá
do senhor a dádiva
D’uma
justiça mais terna.
É
preferível meu filho
Que
o divo amor nos adestre,
Pois
recebei vosso sangue
Da
madre santa terrestre
E
da verdade divina
De
nosso Deus o bom mestre.
Porém,
não pensei que é
Logo
que Suficiente,
Que
o anjo d’água o abrace
Apenas
externamente
E
assim, limpei a sujeira
Que
vós hás internamente.
Em
verdade, pois vos digo,
Que
a imundície interna
É
maior e mais intensa
Do
que aquela externa
Porque
a limpeza conduz
À
felicidade eterna.
E
quem se limpa por fora
Não
ver o seu interior
Que
se permanece sujo
Em
seu mundo inferior
Sem
querer se libertar
Para
agradar ao Senhor.
Assim
as tumbas pintadas
Ferem
olhos perceptíveis,
Mas
atulhados por dentro
De
imundícies tangíveis
Como
guardados imundos
De
abominações horríveis.
Pois
em verdade vos digo,
Que
vos, portanto, deixei
Que
o Anjo d’Água vos sagre
Por
dentro e vos liberei
Dos
velhos vossos pecados
E
assim deles vos limpei.
E
para que dessa forma
Seja,
pois, inteiramente
Tão
puro como a espuma
Do
rio de água fremente,
Rindo
sob a luz do sol,
Salvo
da xila inclemente.
Então,
vos lavei por dentro
Com
a água acalentada
Do
flúmen à luz do sol
Que
a assim torna asseada
Livrando-a
de todo mal
Deixando-a
purificada.
Fazei-vos
como os antigos
E
atentei-vos como falo,
Buscai
uma grande cabaça
Que
tenho longo gargalo
Da
longitude d’um homem
Pra
vosso íntimo lavá-lo.
Extraia
seu interior
E
enchei com água do rio
Serenada
pelo sol
Na
plenitude do estio
Livrando
então vosso corpo
Do
repulsivo baldio.
Prendei
bem num ramo de árvore
E
sentai-vos sobre o solo
Na
presença do Anjo da Água
Procedendo
ao protocolo
Do
credo da vossa fé
E
não vos sede parolo.
Fazei-vos
com que o extremo
Do
junco desta cabaça
Penetre
naquela parte
Oculta
e assim o faça
Asseio
às vossas entranhas
Para
trazei-vos a graça.
Logo
após, descansai-vos
Sobre
o terreno deitando-se
E,
diante o Anjo da Água
Orai
com fé suplicando
Ao
Senhor Vivo o perdão
Pelos
erros implorando!
Necessitei
ao Anjo da Água
Com
devotado fervor
Pra
que livre vosso corpo
Da
imundície do horror
Do
mal das enfermidades
Obras
vis do tentador.
Deixai,
portanto, que a água
Saia
de vossas entranhas
Para
que delas se leve
As
coisas sujas estranhas,
Inclusive
os velhos males
E
as putrefações medonhas.
E
verei com vossos olhos,
Cheirei
com vossas narinas
Todas
as vossas anátemas
Que
a vos usei de sentinas
Dentro
de vossas entranhas
Como
infames inquilinas.
É
dessas coisas imundas
Que
das quais vos libertei,
Do
templo de vosso corpo,
E
agora compreendei
Que
livre das imundícies
Ao
Senhor vos entreguei.
Renovai
vosso batismo
Com
água todos os dias
Durante
vosso jejum
Tornando
sãs e sadias
Todas
as vossas estranhas
Sem
as sujeiras baldias.
Purifiquei
vosso corpo
Até
o dia em que vejai
Que
dos vossos intestinos
A
água que vos expulsai
É
pura como a espuma
Do
rio que vos banhai.
Então
causai vosso corpo
À
corrente sã do rio
E,
se uma vez entre os braços
Do
Anjo bom d’água, alvedrio
Daí
vos graças ao Deus vivo
Com
vosso corpo sadio.
E
esta limpeza sagrada
Pela
força d’Água viva
Representa
o renascer
Que
prospera e reaviva
O
espírito para Deus
E
Nele o ser sobreviva.
E
a partir deste momento
Os
vossos olhos verão,
Assim
são vossos ouvidos
Que
em preces escutarão
A
voz do Senhor das luzes
Quando
oreis com o coração.
Não
vos perverteis jamais
Depois
de vosso batismo,
Para
que o anjo útil d’água
Esteja
em vosso ascetismo
E
vos valha face a face
Em
sadio pragmatismo.
E
se um dia por ventura
Vossos
antigos pecados
E
imundícies voltarem
Devem
ser logo marcados
Ai
buscai ao Anjo do sol
Para
serem afastados.
Retirai
vossos calçados,
Vossas
vestes e deixai,
Que
o Anjo da Luz do sol
Proteja
e vos abraçai
Todo
vosso pobre corpo
Pra
que assim não mais sujai.
Respirai
profundamente
Pra
que o ser da luz do sol
Libertei-vos
e limpei
Vossas
entranhas em prol
D’um
corpo purificado
Desde
o surgir do arrebol.
E
o Anjo da luz do sol
Com
poder expulsará
Coisas
más do vosso corpo
E
sem mancha deixará
Terso
por dentro e por fora
Por
isso vos viverá.
E
assim sairão de vós
Os
morbos e todo mal
Que
como a escuridão
Da
noite foge abismal
Ante
a luz do sol nascente
Com
seu brilho triunfal.
Pois
em verdade vos digo
Que
o servo bom é sagrado,
Eis
o Anjo da Luz do Sol
Que
para Deus tem lutado
Limpando
toda imundície
Do
homem contaminado.
Por
isso hostil ao fétido
Um
odor bem agradável!
Possa
então vos acudir
Para
a face do insondável
O
Senhor único e vivo
Que
protege o miserável.
De
fato que tudo deve
Nascer
de novo do sol
E
da verdade suprema
Para
purgar-se ao crisol
Depois
brilhar sem pecado
Como
um enorme farol.
De
modo que vosso corpo
Banhado
na santa luz
Da
divina Mãe terrestre
Seja
o novo que reluz
A
glória do Deus vivo
Que
o nosso mundo conduz.
Então
viva o vosso espírito
Na
luz do sol da verdade
Do
bom Pai celestial
Terá
sempre a amizade
Do
Deus Senhor da justiça
Rico
de amor e bondade.
Os
anjos do ar e da água
E
da luz do sol estão
Juntos
ao filho do homem
Unidos
à conversão
Dos
pecadores do mundo
Acharem
a salvação.
Foram-lhes
entregues todos
Ao
Filho de Deus, o justo
Para
que lhe fossem servos
E
que lhe sejam onusto
Quando
o Senhor quisesse ir
D’um
lado a outro sem custo.
Sagrado
é da mesma forma,
O
seu abraço acolhedor,
Para
os que sofrem, padecem,
Encontrarem
o pendor
Para
a graça e ser feliz
Como
benção do Senhor.
São
filhos indivisíveis
Da
perfeita Mãe terrestre,
Assim
que não separeis
Aqueles
que pelo mestre
A
terra e o céu os uniram
E
a Paz do Senhor os estre.
João
Pessoa – PB, 2020
Mário
Bento de Morais