quinta-feira, 27 de outubro de 2011

VOCÊS SE LEMBRAM?

Aos três filhos da Fazenda Santa Fé:
Marluce, Chico e Marlene

Ás quatro da manhã de todos os dias a fazenda santa fé, no município de São Mamede – PB despertava com um aboio suave e solene do vaqueiro para iniciar a celebração do ritual da ordenha. De repente uma orquestra de chocalhos com acordes frementes e desafinados tilintava num musical ensurdecedor aos ouvidos refinados, mas angelical e sublime aos ouvidos rústicos, acostumados à dureza das quebradas do paraíso chamado sertão. Na porteira do curral a bezerrada agitada esbarrava-se num frenesi constante, a ansiedade a atormentava e a espera a tornava impaciente até o grito do vaqueiro: “estreliiinnnha” (era o nome da vaca que ia ser arreada à ordenha). Mãe e filhote simultaneamente respondiam num mugido como se algo sensorial as estimulasse e logo se aproximavam da porteira: a mãe para receber a cria e oferecer-lhe as tetas intumescidas de leite; a cria na intenção ingênua de banquetear-se com o manjar da vida, o leite sagrado! Num toque rápido o vaqueiro gira a cravelha da porteira, os gonzos ressequidos e oxidados pela ação do tempo, soltavam um ringido cansado acompanhado de um apelo sonoro quase sepulcral para anunciar o fim da tortura humilhante do chiqueiro! O filhote em alvoroço adentrava no curral e logo se deparava com a sua mãe e às pressas buscava as tetas. Faminto e atraído pelos eflúvios da fonte da vida o que lhe causava forte indício de aflição, o bezerrinho tentava ao máximo tirar proveito desse momento: abanava a calda, batia as patas contra o chão de estrume, mudava de lado e com movimento alucinado desferia cabeçadas contra a panela de úberes forçando o apojou. Ali ao lado e de pé, o vaqueiro pausadamente, começava a prender as pernas da vaca, ou seja, arriá-la: enquanto isso o lactente se esbaldava nas tetas. Todavia, a experiência do vaqueiro permitia-lhe cronometrar mentalmente o tempo exato para afastá-lo da mamada – o que logo acontece. Com o arreador nas mãos, o ordenhador exímio, passava-o em torno do pescoço do vitelo e o prendia ao corpo da mãe (na altura superior do braço direito) para proceder à ordenha. Em seguida se assentava sobre um banquinho tosco de madeira, e num bote certeiro alcançava a calda inquieta da protegida dos “vedas” e com a vassoura desta limpava as tetas e depois a prendia entre o arreador e a sua perna. Por último, com uma das mãos tomava o “vaso de leite” pela asa; colocava-o entre os joelhos curvados, acomodava-o a contento e com as duas mãos sugava as tetas túmidas do divino liquido. Aos poucos se aproximava o fim da ordenha daquele dia. O vaqueiro olhava constantemente em direção a uma casinha de sapê sobre o alto próximo ao curral. Lá estava a sua amada (Severina Lucena de Morais). A família havia aumentado desde a primavera de 1941, agora já eram três. Três belas crianças fortes, saudáveis e de uma beleza infinitamente sertaneja. O vaqueiro ainda pensava nessas coisas quando ouve: pai tem leite? Era Marluce, Chico e Marlene. Iam tomar leite no curral. Assim começava a primeira tarefa do dia do vaqueiro – Amaro Bento de Morais.