Um
povo que assassina um passado de glória para viver um presente de
submissão, certamente morrerá na eternidade.
Capítulo
I
São
Mamede e seu povo.
Oh!
Musa filha dos deuses
Vens
tocar meu pensamento,
Acendes
o fogo das rimas
E
despertas o meu talento,
Para
eu narrar nestes versos
De
um povo o sofrimento.
Vivia
esse povo feliz
Na
terra onde nasceu
Pobre,
porém conformado...
Com
o pouco que Deus lhe deu
Livre
como o passarinho
Que
tem por limite o céu.
A
paz reinava entre os lares;
A
honra tinha endereço;
A
jovem flor estimada,
A
mulher digna de apreço,
O
homem rei coroado,
O
menino príncipe de berço.
A
velhice era divina
Símbolo
de veneração
Conselheira
da juventude
Guia
da educação
Professora
do bom senso
E
mestra da tradição.
A
alegria dominava
Desse
povo o coração!
Tudo
era festejado
Na
mais completa união
Até
a paz tinha inveja
Dessa
Santa comunhão.
Inimigo
não havia
Questão
não tinha lugar,
O
ódio sem ter apoio
Não
podia se instalar
No
peito de quem tem Deus
Como
protetor do lar.
Amava
a natureza
Com
amizade e respeito
Conhecia,
seus limites...
Impostos
pelo direito,
Era
um sólido legalista
Um
espartano perfeito.
Trabalhava
a agricultura
Principalmente,
o algodão...
Ao
lado da pecuária
O
milho, o arroz, o feijão,
Batata
doce de vazante
Completava
a produção.
Porém,
logo o algodão...
Ganhou
espaço e mercado,
Matéria-prima
de tecido
Com
seu preço assegurado
Virou
fonte de riqueza
Para
o empresariado.
O
progresso desse povo
O
enchia de esplendor:
Uma
agricultura pujante,
Um
comércio empreendedor
Mão
de obra em abundância
De
surpreendente valor.
Com
essas características
Desse
povo cidadão
Aliada
ao trabalho
Coragem
e abnegação
Despertaram
os empresários
Da
cultura do algodão.
Capítulo
II
O
início do sonho
E
no ano de 37,
Deu-se
inicio a implantação
De
um complexo industrial
Para
beneficiar algodão
E
no ano de 38,
Veio
a inauguração.
Justiniano
Clemente Guedes
Descaroçamento
e Beneficiamento de Algodão
Era
o nome da empresa
Que
revolucionou o sertão,
Principalmente
em São Mamede
Onde
se deu a realização.
Extraordinário
ser humano
E
um grande empresário,
Dinâmico
empreendedor,
Solicito
visionário...
Realizador
de sonhos
E
transformador de cenário.
Depois
desse grande feito
De
cunho inovador,
O
povo reconheceu
O
extraordinário valor
Desse
homem destemido
E
nobre desbravador.
Com
esforço e muita luta
E
a participação do filho,
Conhecido
por Áureo Guedes,
Pôs
a empresa no trilho,
O
lucro veio logo cedo
Pondo
ao sonho novo brilho.
A
noticia do sucesso
Da
empresa foi geral,
Varreu
o Estado, o País...
Foi
manchete de jornal
No
eixo do centro-sul
E
até internacional.
O
filão foi descoberto
A
corrida começou,
O
ouro branco do sertão
Interesse
despertou,
Chegaram
outras empresas
E
a concorrência reinou.
Instalou-se
a Araújo Rique
Beneficiando
algodão,
Sanbra
, Clayton , Carioca
Compravam
na região
Dos
pequenos produtores
Toda
sua produção.
Com
o aumento dos negócios
Veio
a implementação
Da
indústria algodoeira
Daqui
do nosso sertão
Com
benesses para uns
E
para outros à exploração.
Justiniano
logo entendeu
Que
sozinho não enfrentaria
O
poderio econômico
E
a pressão que sofria,
Sem
apoio e dinheiro escasso
E
concorrência em demasia.
A
Sanbra ditava o preço
A
Araújo Rique se esforçava;
A
guerra da concorrência
Era
a regra que mandava
E
sem apoio do governo
Que
nada financiava.
Com
a guerra financeira
Justiniano
busca um parceiro,
Aparece
a C.C.P.A. ..
Com
experiência e dinheiro
E
o principio de uma sociedade
Foi
o pensamento primeiro.
Era
o inicio de 41
Quando
a sociedade nasceu
Numa
operação bem sucedida
Que
cada lado cedeu
Um
pouco nas posições
E
a coerência venceu
Assim
ficou distribuída
A
nova sociedade,
A
C.C.P.A com 90%
Teria
prioridade
De
colocar a gerência
Conforme
a sua vontade.
Os
10% de Justiniano
Não
lhe dava esse direito
De
reivindicar a gerência,
Porém,
o acordo e o conceito...
Fez
de Áureo Guedes, gerente...
Sóbrio
e de muito respeito.
De
41 a 50
A
sociedade durou,
Foram
nove anos de lutas
Esforço
que compensou
Porém,
os planos mudaram...
E
o sonho se acabou.
Capítulo
III
O
pesadelo
Chega
o ano de 51,
E
o fim da sociedade,
A
CARIOCA entra em cena
E
com dinheiro à vontade
Compra
a empresa C.C.P.A
Mudando
a mentalidade.
Os
10% de Justiniano
Entra
na venda legal,
O
empresário deixa São Mamede
Levando
o seu capital
Para
em seguida comprar
Uma
usina em Pombal.
Depois
da compra a CARIOCA
Rapidamente
se estabeleceu
Como
Companhia Carioca de Algodão
Foi
o nome que recebeu;
A
concorrência diminui
E
o negócio floresceu.
Com
os concorrentes, fora,
Tratou
logo de inovar,
Tirou
as máquinas de serra
E
pôs de rolo em seu lugar
Dando
qualidade a fibra
E
melhor beneficiar.
Logo,
logo monopolizou...
A
compra do algodão,
Incentivou
a agricultura
E
a economia do sertão,
Os
agricultores festejavam
O
desenvolvimento da região.
Fibra
longa, melhor preço,
Algodão
puro, mocó,
Sementes
selecionadas
Chamadas
de seridó,
A
empresa destacou-se
Com
um produto melhor.
Passou
a impor e dominar
O
comércio de algodão
Com
uma política arrojada
E
grande especulação
Sufocando
as empresas
Que
atuavam na região
As
empresas não suportaram
E
perderam a competição,
A
carioca ficou só
Como
dona do filão
Mas,
em vez de melhorar...
Piorou
a situação.
Elitizou-se
a empresa
O
povo foi relegado
Diretores
soberbos,
Agricultor
humilhado
Foi
a senha para a queda
De
um sonho desejado.
O
sonho vira pesadelo
De
ostentação e poder,
Orgulho,
imperialismo,
Escândalo,
mentira, lazer...
A
custa de um povo ingênuo
E
condenada a sofrer.
Sem
controle com os gastos,
Deslizes,
enganos, má gestão,
Benefícios
surrealistas
Pagamentos
sem razão
Orgia
com o dinheiro fácil
E
péssima administração.
Essa
festa perdurou
Até
a década de setenta
Quando
a saúde da empresa
Dá
sinal que não aquenta
È
o começo de uma crise
Para
o início de oitenta.
Os
anos oitenta trouxeram
A
crise do algodão;
O
continente africano
Entra
na competição
Barateando
os preços
Com
a sua produção.
Os
preços aqui despencaram
E
também a produção;
Agricultores
desiludidos
Não
preparam a plantação
Preferem
à capoeira
A
semear algodão.
O
governo brasileiro
Sem
política de proteção
Abandona
os agricultores
Em
meio à situação
De
uma crise perversa
Sem
um plano de ação.
Depois
de muita pressão
O
governo enfim cedeu
Formulou
política agrícola
E
preço estabeleceu
Até
a produção excedente
Comprar
se comprometeu.
Mas,
sem fôlego financeiro
A
carioca parou
São
Mamede assistiu o drama
Ninguém
se manifestou
O
povo saiu perdendo
Agricultura
chorou.
O
município empobreceu
O
desemprego aumentou
Crise,
fome, êxodo rural,
Migração,
seca, horror,
Viúvas
de maridos vivos
Foi
apenas o que restou.
Capítulo
IV
A
CORSAME
[
Porém,
num lance de sorte
O
governo do Estado
Sentiu
de perto a tragédia
E
quase desesperado
Recuperou
a empresa
Num
jogo meio arriscado.
Foi
num leilão em São Paulo
Que
o Estado arrematou,
A
secretaria da agricultura
Na
luta se empenhou
E
agora nas mãos do povo
A
carioca ficou.
Novo
plano se organizou
Com
a cooperativa local
Formou-se
uma parceria
Conseguiram
capital
Como
CORSAME voltou
Com
grande potencial.
Reativou
a agricultura
A
animação chegou,
O
entusiasmo do sertão
Num
instante se elevou
O
futuro era brilhante
Nos
planos do agricultor.
Até
um supermercado
Que
não tinha na cidade
Foi
aberto pela CORSAME
Com
serviço de qualidade
Bem
sortido e preço justo
Dentro
da realidade.
Nessa
época só a CORSAME
Tinha
um supermercado,
Abastecia
São Mamede,
O
lucro era assegurado
Sem
concorrente cresceu
Conforme
o planejado.
Tudo
estava dando certo
Com
a empresa e a produção
Mas,
do passado se esqueceram...
E
eis o “X” da questão:
Alguns
gênios de antigamente
Baixaram
na administração.
E
ainda trouxeram mais:
Insignes
administradores,
Especialistas
habilidosos,
Peritos
e empreendedores
Gente
do mais fino trato
Para
lidar com agricultores.
Essa
turma descobriu rápido
A
utilidade que tem a mão,
Junto
ao povo humilde,
Hospitaleiro,
franco irmão,
Crédulo,
boa fé, presa fácil...
Para
as mentes de plantão.
Organizada
e competente
A
atuante confraria
Altamente
qualificada
Que
de tudo entendia
“Menos
de algodão e de povo”,
Trabalho
e cidadania.
Com
o nome de cooperativa
Para
não chamar atenção,
Atendimento
aos sócios
Ou
produtores de algodão
E
a turma do bem-bom
Postada
na administração.
E
a farra veio à tona
Com
mentira e enganação,
Agricultor
desinformado
E
pouca participação,
Lesado
em seus direitos
Com
escárnio e humilhação.
A
cooperativa local
Pouco
podia fazer
Sem
forças para atuar
Junto
à cúpula da poder
Imposta
pelo Estado,
Via
tudo se perder.
Até
que a CORSAME quebrou
E
logo surgiu um culpado,
Foi
o besouro bicudo
Dizem
que foi importado
Lá
dos Estados Unidos
Mas
tudo está mal contado.
Outros
falam em bicudo gente
Que
São Mamede importou;
Ou
dizem que foi a profecia
Do
Frei que se realizou;
Até
cometam que foi praga
Que
um político jogou.
O
supermercado também quebrou
E
tudo sem explicação,
Quem
ganhou e quem perdeu
É
mera especulação
Mas,
falta quem dê a resposta...
Para
essa indagação.
A
massa falida ficou
Presa
nos grilhões da história,
Arrebatada
pela ganância
Sucumbiu
antes da glória
Lutou
e nunca venceu
E
morreu para a memória.
Capítulo
V
O
Golpe Fatal
Sem
projeto e sem empenho
Dos
políticos e da comunidade,
A
CORSAME ficou abandonada
Exposta
ao tempo, a temeridade
Dos
Vândalos amantes do descuido
Filhos
importantes da sociedade.
Como
não houve demanda
E
ninguém se manifestou
Pra
resolver o problema
Da
gigante que simbolizou
Tempo
de prosperidade e gloria,
Sonho,
esperança e esplendor.
Morrem
valores incalculáveis,
Heróis
omissos são importantes,
Chefe
alardeia-se timoneiro
De
uma nau sem tripulantes;
Povo
que se nega a indignar-se
Não
passa de “pobres arritirantes”.
Diante
do descaso, do desprezo...
Da
insensatez, da negligência...
Da
falta de respeito, de amor próprio...
De
dignidade, de consciência...
De
responsabilidade humana
De
hombridade e coerência.
Não
do governo somente
Mas,
de toda comunidade...
Que
se lhe mostrou incapaz
De
assumir-se de verdade,
Foi
conivente com o caos
E
lhe cabe culpabilidade.
A
CORSAME não é mais do povo
E
São Mamede, pobre esquecida!
Ainda
com filhos de braços
Nas
esquinas, desprotegida...
Esmolando
migalhas de sonhos
E
de alentos que lhe inspirem a vida.
Nas
mãos de estranhos jazes
Do
povo a santa esperança
Já
que de estranho se vive
O
rumo sem rumo que dança
A
sombra de melão de são Caetano
E
ali mesmo descansa.
Morre-se
de fome a gente
Que
pode, mas não quer se indignar;
Morre-se
a comunidade sem atitude
Que
vive de estranho penar;
Morre-se
um povo sem história
Incapaz
de ao menos pensar.
Oh!
Liberdade ensina ao povo
A
morrer pelo menos como canalha,
Do
que viver sem orgulho, sem sonhos,
Sem
brio, sem luta, sem batalha,
Sem
passado, que justifique o presente,
Sem
cicatriz na carne de fio de navalha.
Capítulo
VI
A
consequência.
Eu
vi São Mamede chorando!
Rosto fúnebre, acabrunhado, gestos
tensos.
A tristeza sem aquiescência e num ímpeto agressivo
Instalou-se no íntimo d'alma de um povo que ao nascer
Era irmão
gêmeo da alegria e ao crescer
Subjugou-se aos grilhões do
infortúnio.
Quem viu São Mamede no passado,
Alegre, viçosa... deslumbrante!
Com um vigor invejável... e sempre sorrindo...
Não compreende esse aspecto
Pesaroso estampado em sua belíssima face!
Era uma
guerreira,
Que sabia enfrentar os obstáculos
Com garra e obstinação!
Porém, agora, relegada ao desconforto da usura dos ímpios
Sobejam-lhe as lágrimas quentes
Como legado de quem um dia teve a felicidade como
serva.
Vendo-a assim tão triste,
Volto a um passado não muito distante
Para trazer
na lembrança, os seus dias de glória.
Glória bendita como todas as glórias:
Regada a suor e sangue dos filhos pequeninos.
Aqueles espartanos delirantes e escravos do brio,
Mas que, usurpados sorrateiramente por estranhos...
Niilistas pervertidos especialistas em vida fácil, estão expostos ao deserto escaldante da exploração dos tiranos!
Eu vi São
Mamede chorando!
Imersa num mar de lágrimas,
Sufocando o peito para
não implodir-se
E sem poder gritar para denunciar a dor
humilhante!
Chore São
Mamede, chore... mas não em silêncio!
Chore bem alto para que os
filhos, falsos ilustres,
Escutem os seus soluços incontidos e movam ao menos
O dedo mínimo,
já que se fizesse pequena
Para torná-los grandes!
Chore São
Mamede, chore aos brados, aos berros!
Grite novamente pelos filhos
pequeninos,
Com certeza, eles virão socorrê-la...
E não são como os
filhos "grandes",
que a odeiam e só fazem algo por você
Tirando-lhe alguma coisa em troca.
Chore São Mamede por sua aparência...
Irreconhecível e combalida;
Chore pela ociosidade subsidiada pelo
filho maior;
Chore por tudo que foi sonhado e nada realizado;
Chore pela
decadência cadenciada
Que as forças lhes impuseram;
Chore pelos
filhos menores, já que os maiores...
Esses não a amam!
Chore por você mesma,
Pela nudez das suas vestes mais linda;
Chore porque você errou
E
porque continua errando;
Chore por ser mãe de uma prole desajustada;
Chore pelo amor vertiginoso
Dos que dizem que a ama,
Pelo efêmero
esquecimento
Daqueles que prometeram
Trilhar a vereda dos justos
E
mancharam com atitudes e gestos
Indecorosos o caminho da verdade.
Espezinharam-lhe.
Exacerbaram a loucura dos fracos
Para proveito
próprio.
Mentiram-lhe.
Lá fora lhe nodoaram:
Eu vi São Mamede chorando!