quinta-feira, 25 de junho de 2020

CONVERSA SOBRE PINTO DO MONTEIRO


Severino Lourenço da Silva Pinto (pinto do Monteiro) ou o bardo do cariri, ou simplesmente o gênio da arte de improvisar. Poeta que começou a versejar aos 25 anos de idade, em 1919, século 20. Inquieto como todo sertanejo na busca por melhores dias, enxerga um lenitivo como guarda do serviço contra a malaria, foi para o Amazonas em 1940. Por volta de 1946, foi para o Ceará, ai nesse Estado passa um tempo bem curta, em seguida muda-se para a cidade de Caruaru, no Estado de Pernambuco em 1947. Na capital do forró, Caruaru, a demora foi pouca, o vento do destino o empurra para cidade de Sertânia, ainda no Estado de Pernambuco, para se encontrar em definitivo com a fama que o arrebatara e o perseguiu até a sua morte em 28 de outubro de 1990 aos 95 anos de idade.
A Fama de Pinto do Monteiro não lhe trouxera bens ou propriedades, mas respeito a ponto de Rogaciano Leite, poeta que alcançou a extremidade da gloria com “Eulália”, passar a chamá-lo de mestre, como um servo obediente.
Pinto do Monteiro era a mais legitima expressão da poesia popular viva. Presença de espírito e raciocínio rápida armas destruidoras nos embates do verso. Esse homem que seduziu a inspiração, filha dileta da deusa da poesia e com ela construiu, com a sua simplicidade, versos carregados de uma beleza impar que só um espírito livre tem o direito de produzir.

Esteja ou não eu em casa
Cheque, entre e arme a rede;
Coma se estiver com fome,
Beba se estiver com sede,
Se quiser se balançar
Empurre o pé na parede.

Certa vez, Pinto, enfrentava numa cantoria, outra fera indomável, “Louro do Pajeú”. Como era seu hábito nas cantorias, jogar casca de banana para os adversários com o propósito de causar-lhes constrangimento diante da sala, Pinto resolveu então, testar se o experiente “louro” caia na sua arapuca. E não deu outra. “Louro” caiu. Porém, não se pode diminuir o extraordinário valor do vate do Pajeú, não; mas a casca de banana ficou na memória dos amantes do verso de Pinto, até os dias de hoje. Vejam:

“Pinto”

Eu saí de Caicó
E fui até a Tabira,
De Tabira pra Penedo,
De penedo à Guarabira
Chegando lá eu comi
Um mocotó de traíra.

“Louro do Pajeú”

Eu já ouvi muita mentira
De Adão até a Lor
De Lor até a Isaac
De Isaac até Jacó,
Mas nunca ouve que visse
Traíra com mocotó.

“Pinto”

Pois, eu saí de Caicó
E fui até a Guarabira
Lá vi uma vaca velha
Com o nome de traíra
Comi o mocotó dela
Diga que é minha mentira.

Pinto do Monteiro desfilou com seu talento pelo mundo da poesia com elegância e desenvoltura de um predestinado. Conhecia os caminhos do verso. Fazia-o com prazer e lavava a alma quando ouvia os aplausos da sala. Sabia que era imbatível, que ninguém o importunava na urdidura do verso! Era um deus versejando para encantar o sertão sofredor, esquecido pelas autoridades e atormentado pela falta de chuvas. Vejam a excelência desta décima.

Em dezembro começa a trovoada
Em janeiro o inverno principia,
Dão início a pegar a vacaria:
Haja leite, haja queijo, haja coalhada!
Em setembro começa a vaquejada
É aboio, é carreira, é queda e grito!
Berra o bode, a cabra e o cabrito;
A galinha ciscando no quintal,
O vaqueiro aboiando no curral;
Nunca vi um cinema tão bonito!

Noutro verso memorável aludindo a aurora depois de uma noite festiva animada por um violeiro, Pinto, trata do amanhecer no sertão “Se apagam os pirilampos” e em seguida narra os afazeres do cotidiano e por fim “se despede o violeiro, dando adeus, até um dia!” vejam a estrofe:

Quando é de manhãzinha,
Apagam-se os pirilampos,
O homem vai para os campos,
A mulher vai pra cozinha;
Sacode milho à galinha,
Se por acaso ela cria!
Canta o galo, o pinto pia,
Salta o bode no terreiro,
Despede-se o violeiro,
Dando adeus, até um dia!

Num estado de saudade antecipada ou talvez já sentido o peso da idade, o poeta imaginando conversar com a sua esposa, que a chama de velhinha carinhosamente, na estrofe, até parece que sugere, nesse caso, partir para o andar de cima antes dela. E como quem estar olhando à velha viola, a companheira dos embates gloriosos, com a qual torpedeava os poetas com seus versos arrebatadores, faz a seguinte recomendação.

Velhinha, quando eu morrer
Conserve a minha viola,
Bote ela numa sacola
E deixe o rato roer,
Barata dentro viver,
Morcego morando nela,
O cupim comendo ela
E ela perdendo o valor,
Só não deixe cantador
Bater mais nas cordas dela.

Estes versos se diluíram pelo universo do sertão, levados pelos sertanejos embriagados pelo puro vinho da poesia, para serem declamados nas conversas de matutos nos alpendres das fazendas, nos terreiros dos casebres pobres fincados nos mais longínquos recôncavos da terra que Deus deu ao homem.  Versos que andaram de boca em boca nas bodegas dos vilarejos, das cidades pequenas, nos forrós dos pés de serra e no acender das fogueiras para iluminar a alma desaquecida do homem livre que a ganância o fez escravo.

Para Pinto o dom de cantar é sagrado. Não importa se ganha ou não ganha dinheiro para o sustento, mas se alegrar e alegrar ao povo, fazendo-o feliz para “esperar o futuro, distrair o presente”. Eis a belíssima sextilha do poeta:

Eu não vim ganhar dinheiro;
Vim só beber aguardente,
Dar expansão às idéias,
Satisfazer essa gente,
Esperar pelo futuro,
Distrair com o presente.

Enfrentar Pinto no verso improvisado na era tarefa fácil. Seu espírito arredio, sua força imaginativa o deixava alerta para responder com uma força desproporcional as provocações dos poetas nas cantorias. Um poeta desavisado finda sua sextilha de forma infeliz. “quando eu for pro outro mundo/ vou lhe promover a galo...” Pinto paga o verso do poeta com uma sátira destruidora:

Se eu gozar desse regalo
Concedendo a Providencia,
Quando eu for pro outro mundo,
Havendo essa transferência
Você vai como galinha
Para a minha residência.

As estrofes que se seguirão abaixo darão a exata dimensão à verve do Pinto, que ao ciscar o terreiro da poesia, extraiu versos que se eternizaram na enciclopédia do povo ou de forma oral (por pessoas que estiveram nas cantorias e decoraram uma ou mais estrofes e depois saíram por ai declamando-as nas conversas e encontros informais pelas ribeiras) ou em forma de folhetos de cordel, por poetas que estiveram presentes ou então os criaram conforme narrativas populares sobre aquelas memoráveis cantorias. Nestes versos, percebe-se pela variedade dos temas que são fragmentos de momentos que a memória popular teima não esquecer-los. 

No tempo da mocidade
Eu também já fui vaqueiro,
Não tinha jurema grossa,
Mororó nem marmeleiro,
Fui cabra de vista boa
Negro do corpo ligeiro.

Eu admiro muito o tatu
Com traços no espinhaço,
Que a natureza fez
Sem ter régua nem compasso
E eu com compasso e régua
Tenho tentado e não faço.

A cascavel se confia
No veneno que produz,
Quem por ela for picado
Pode rezar pra Jesus,
Encomendar quatro coisas
Caixão, cova, vela e cruz.

Quem quiser subir na vida
Faça como o foguetão,
Bote uma vara no fundo
E se enrole de cordão
E vá se estourar no inferno
Que é lugar de ladrão.

Eu sou como a cascavel
Que não escolhe ninguém,
Ao se enrosca na vereda
Morde quem vai e quem vem
E quando dá o bote errado
Morre da raiva que tem.

Essa palavra saudade
Eu ouço desde criança,
Saudade de amor ausente
Não é saudade e lembrança,
Saudade só é saudade
Quando se perde a esperança.

Saudade é tudo e nada,
Saudade é como o perfume!
Eu só comparo a saudade
Com o peso do ciúme
Que a gente carrega o fardo
Mas não conhece o volume.

Gostei muito de mulher
No meu tempo de rapaz,
Mas depois que fiquei velho
A trouxa dobrou pra trás
Sentou-se em cima dos ovos
E a ponta cheirando o ás. 

Eu sou do tempo que
Quase tudo era de graça,
Pano se media por vara
Terra se media por braça
E o cabelo do bigode
Era uma letra na praça.

Mulher, animal cruel
Que quando ri para a gente
Fica mostrando somente
As pressas de cascavel
Esse animal infiel
Sorriu para mim um dia
Traiu minha fantasia
Com suas presas fatais
Mordeu e correu atrás
Só pra ver onde eu caia.

Escrevi uma parte do que ouvi do povo sobre o extraordinário filho de Monteiro, Paraíba. Tudo foi recolhido da enciclopédia popular oral, mas alguns dos versos aqui demonstrados podem ser comprovados como verdadeiramente da lavra do poeta do cariri paraibano.






segunda-feira, 15 de junho de 2020

QUEM ERROU???


A lei sempre vem do povo,
Mas o parlamento a enfeita
Com melindres entre linhas
De forma queda, suspeita
E quando o povo descobre
A merda, enfim, está feita.

Nunca! Não entorte o direito!
Empregue-o com segurança,
Justiça, enfim, só é justiça
Se lhe houver confiança
Ou quando julgar um rico
Sem lhe pender a balança.

Não transforme o bom direito
Em um veneno mortal,
Nem estimule a justiça
A se tornar serviçal
Às cavilações do injusto
Levadas ao tribunal.

Faça justiça com todos,
Não promova divisão!
Quem divide não constrói
Quem constrói estende a mão
Quem dar a mão pede paz
Quem quer paz tem o perdão.

A lei, o direito, a justiça
Enastram, mas não são iguais,
Nem toda lei faz justiça
Nem protege os desiguais,
Nem a justiça é o direito
Nas relações factuais.

A igualdade sem justiça
E direito sem verdade
A lei espoliando o fraco
Roubando-lhe a dignidade
Negociando sentenças
vendendo a sociedade.


João Pessoa – PB, 15 de junho de 2020


Mário Bento de Morais
















quinta-feira, 11 de junho de 2020

UM DIA FUI 12 DE JUNHO


Pela idade foi vencida
E sem dengos dos amantes,
Lembra as noitadas picantes
Que se permitiu na vida.

Tinha curvas torturantes,
Que a fazia preferida
A deusa viva, esquecida,
Agora depois de um antes.

Essa mulher mal trajada
Já foi muito desejada
No auge de sua beleza.

Hoje, exclusiva do nada
Tem a face amargurada
Livro aberto da tristeza.


João Pessoa – PB, 11 de junho de 2020


Mário Bento de Morais

segunda-feira, 8 de junho de 2020

OS ESPECIALISTAS


O1 – Hoje, eu ouvi pelo Rádio e depois assisti pela televisão, aqui em João pessoa, dois “grandes” âncoras – segundo suas próprias análises carregadas dos impulsos de André Breton – arguirem expressivos zelos às suas autoestimas poderosas junto ao público ouvinte do rádio e por tabela os telespectadores. Nesse cenário orgulho narcisista, adverte a psicologia em seus estudos: a autoestima é uma apreciação particular acerca do eu próprio e está potencialmente relacionada ao progresso do ego. Aurélio escreve: a autoestima é uma qualidade de quem se valoriza, está satisfeito com seu ser, com sua forma de pensar ou com sua aparência física, expressando confiança em suas ações e opiniões.
02 – Pois bem, esses dois astros da comunicação paraibana, propuseram a volta ao “trabalho para que o povo não morra de fome”, ou seja, abolir o isolamento social – isso incitou as pessoas a não colaborarem com as recomendações das autoridades – no entanto, esses mestres do caos não indicaram uma solução para o enfrentamento à pandemia. Porém, aqui cabe uma pergunta: com qual autoridade ou em nome de quem se pode, criar protocolo ou tecer comentário a uma área rigorosamente científica, a respeito de como o povo deve se comportar diante do desconhecido? Esses gênios da raça sem nenhum mérito acadêmico na área de saúde pública ousaram desafiar com argumentos esdrúxulos e sem cognição semiológica as recomendações propostas pela Organização Mundial de Saúde OMS. Ambos não têm currículo doutrinal para tratarem de um assunto extremamente relevante como esse que sonda as vias tortuosas e complexas da medicina sobre a covid19.
03 – Essa frase (se não voltar ao trabalho o povo vai morrer de fome) soa muito apelativa e atinge o lenho do processo psicológico consciente do cidadão, que sem arrimo às suas antigas mazelas, não enxerga racionalidade no trato para um combate eficaz à transmissão vertiginosa desse vírus que evoluiu bastante aqui no Brasil. O tema em evidência embora pulsátil, interessante pela atualidade, ressalva-se qualquer reflexão ou orientação ao auspicioso conhecimento científico. E ninguém, nesse caso específico, tem singular direito de compor com o uso da imaginação raciocínio descolado do isolamento social que atende as recomendações protocolares dos maiores centros de estudos epidemiológicos do mundo.
04 – A mediocridade escandalosa há muito exibida aqui no Brasil adquiriu em escala mundial, exponencial notoriedade. Perdemos o brilho mágico da alegria, o protagonismo do belo e o senso de País. Um feito que a História marcará nos seus anais como “os anos vividos no País dos mortos”. Somos um povo sem rumo, sem destino. Vagamos no deserto da ignorância, do descaso, da incompetência. Pra onde vamos? O que desejamos deixar em fim como legado para os nossos iguais? Responda... se for homem!   

João Pessoa – PB, 08 de junho de 2020

Mário Bento de Morais









terça-feira, 2 de junho de 2020

NA ETERNIDADE


Sim, eu sou a constituinte.
Sigo o Brasil brasileiro,
Não tenho sangue estrangeiro,
Pra exibir como requinte!
Sou sensato sem acinte
A lei maior da Nação,
Respeito sem discussão
Os sonsos sem disciplina,
Mas tudo que a vida ensina
Deve servir de lição.

O passado nos condena,
Alemanha grande espelho!
A história um bom relho
Para nos bater sem pena.
O poder é uma hiena
Quase sempre solipsista,
D’um empirismo simplista,
Porém, soberbo imprudente,
Um infeliz delinquente
Que a delinquente conquista.

Esse poder delinquente
Cria mundos abissais
Quando age em seus currais
Como um deus onipresente
Ilimitado, exigente,
Nédio em céu de vesanos  
Inconsequentes, urbanos
Parvos de becos soturnos
De incoerentes diurnos
Que alimentam os tiranos.

Quando o egoísmo se  flama
Para um excêntrico eterno,
Vem um rigoroso inverno
Inunda a praça de lama.
Rir-se o fátuo do drama
Da Mãe da infâmia exposta,
Que em desespero aposta
Na morte por recompensa
Da vida pagando a crença
Da mentira sem resposta.

Vai o pascácio grassando
Autoimune sob aplausos
Evidenciando causos
Na carreira de desmando.
Os enredos registrando
Fatos à posteridade,
Negativos à verdade
Depois reclama da sorte
Sabendo que a pior morte
É morrer na eternidade.



João Pessoa – 01 de junho de 2020


Mário Bento de Morais