quarta-feira, 30 de novembro de 2011

EULÁLIA - Rogaciano Leite

Deixei-a solitária por uns dias

Enquanto melhorava do ciúme,

E sai pra evitar muitas porfias

Que entre nós já se davam de costume.


Neste tempo eu andava arruinado!

As brigas entre nós, freqüentemente

Transformaram a abelha do passado

Numa aranha de dor sempre presente!


Então o inseto que fazia, outrora,

Mel de caricias na feliz colméia,

Vinha fazendo entre nós, agora,

O fel da vida – numa horrível teia!


Corri mundos... Andei por terra estranha

Procurando renúncia, esquecimento...

Mas dia-a-dia se infiltrava a aranha

Na teia enorme do meu pensamento!


Mandava-lhe presentes de onde estava

Escrevia-lhe cartas carinhosas

Pedindo que esperasse que voltava

E novamente nasceriam rosas...


Mas, uma noite, (Triste noite, amigo!)

Eu entrei num cassino... (Que amargura!)

Ai! Não chores de ouvir o que te digo

Nem te rias da minha desventura!


A sala estava cheia de cinismo

Dos que, no vício, vão matar a sede...

Era um antro de fumo e alcoolismo

Com visões sensuais pela parede!


O perfume de bétulas e de sândalos

Rescendia da carne e sedas finas,

E a luz envergonhada dos escândalos

Parecia tremer... Sob as cortinas!


A dona do cassino, a abelha-mestra

Do cortiço infeliz, torpe e devasso,

Dava bebida aos maganões da orquestra

E mandava agitar sempre o compasso...


Enquanto os instrumentos gargalhavam

Na frivolência do pagode insano,

Eu distinguia as notas que choravam

Nas cordas ultrajadas de um piano!


Mas tarde, (Era o intervalo do pecado!)

Enquanto a orquestra demorava o ensaio,

A pianista curvando-se ao teclado,

Dedilhava a canção ROSA DE MAIO...


Era aquela canção – quando partimos –

A que eu, Eulália tocava todo mês...

Pois foi no mês de maio que vimos,

Eulália e eu – pela primeira vez!


Recordando... Saudade... Sofrimento...

Aproximei-me sem saber por quê...

Era Eulália que estava no instrumento!

Sim, Eulália... Vestida de “soirée”!


Quando me viu eu vi também seu vulto

Afogar-se nas brunas de um desmaio...

E até hoje em minh’alma um piano oculto

Vive sempre a tocar ROSA DE MAIO!...

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

FLÔ DE MARACUJÁ - Catulo da Paixão Cearense

Apois antonce

Eu lhes conto

A história que eu vi contá

A razão pruque masce roxa

A flô do maracujá


Maracujá já foi branco

Eu posso inté lhe jurá

Mais branco que a caridade

Mais branco do que o luar


Quando as flô brotava nele

Lá nos confim do sertão

Maracujá parecia

Um ninho de argodão


Mais, um dia...

Há muito tempo...

Num mês que inté nem me lembro

Se foi maio... se foi junho

Se foi janero ou dezembro

Nosso sinhor Jesus Cristo

Foi condenado a morrê

Numa cruz crucificado

Longe daqui como quê


E havia junto da cruz

Aos pés de nosso sinhor

Um pé de maracujá

Carregadinho de fulô


Pregaram Cristo a martelo

E ao ver tamanha crueza

A natureza inteirinha

Pôs a chorá de tristeza


Chorava os vento nos campo

Chorava as fôia e as ribeira

Sabiá tombem soluçava

Nos gáio da laranjeira

E o sangue de Jesus Cristo

Sangue pisado de dô

No pé do maracujá

Tingia todas as frô

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

AS COMUNIDADES

"A primeira comunidade, que nunca deixará de existir pelo simples motivo de ter surgido naturalmente, tem por base a associação entre o marido e a mulher, o senhor e o escravo". Com a família veio à aldeia, necessária devido à expansão da base - formação da prole. E, num estágio mais complexo, pela necessidade de organização, surgem as cidades. A partir dai, as relações se diversificam, formam-se novos grupos sociais que passam a se rivalizarem entre si; a ideia do privado se sobrepõe ao coletivo dos primeiros tempos: outras cidades nascem para moldarem a "Estado Perfeito".
Nesse estágio ainda prevalecia os costumes e as tradições que eram entendidas como direito familiar e aos poucos, ganhavam espaço para possibilitar em outro momento, o advento do direito interfamiliar, dando plena condição para o surgimento do direito público. Assim, a comunidade evoluía, as classes se organizavam, o estado de direito era necessário; Aristóteles, afirmara que o homem é um ser político, portanto, capaz de se adaptar naturalmente as mudanças comportamentais, sociais, e transformar o seu meio num ambiente menos hostil e adequar a realidade às suas necessidades.
Com essa capacidades cabível somente aos seres humanos, ressalta-se o aperfeiçoamento do homem que começa a interagir, para dai criar as condições favoráveis que possibilitem um efetivo crescimento social, econômico e cultural, visando alcançar a plenitude do viver bem. Mas para que tudo isso pudesse acontecer era necessário quebrar as amarras que davam sustentabilidade aos conceitos de natureza egoístas ou ridiculamente formulados por idiotas frustrados, como: superioridade étnica, bélica, cultural e tecnológica; desestimular através de raciocínio justo o preconceito que nodoara e ainda mancha a dignidade da imagem e semelhança de Deus, por causas dessas mentes inferiores.
Porém, os caminhos para as ciências eticamente corretas se abrem a passos largos. Já se pregam respeito pela terra, pelo meio ambiente. Sujamos menos limpamos mais. Preservar virou palavra de ordem nas escolas e na sociedade; vivemos a era da relação estável com nós mesmos. Num ato de insanidade brutal disse Luis XIV: o Estado sou eu. Nos nossos dias fazendo trocadilho, dizemos: Nós somos o Estado! Estado e sociedade se completam formando um só corpo, tatuando na própria carne uma só alma.
Assim, edificaremos um futuro humanamente correto, socialmente justo, prazerosamente feliz, moralmente sensato, eticamente transparente. Onde passam viver os diferentes, mas igualmente humanos e filhos da mesma mãe, a terra; que segundo Gláuber Rocha, não é de Deus nem do diabo, a terra é dos homem.

"A CESAR O QUE É DE CESAR"

Os tributos foram criados na realidade com o propósito de cumprir, inteiramente, sem rodeios diversos, o bem-estar social. Os idealizadores desse fator entendiam de complexidade, eram visionários, pois trataram de recolher para organizar e de devolver para progredir, assim nasceu o principio dos impostos. A ideia naturalmente, foi de boa índole e se posta em pratica com a natureza dos argumentos principais, temos toda certeza, que tanto o mundo antigo como o atual, o religioso como o profano, não teria se afogado na cobiça que atormenta nem se alimentado da ganância que exclui e condena milhões de seres humanos a viverem na miséria.É justo cobrar impostos? "A Cesar o que é de Cesar". O sentido pode não ser o mesmo da parábola, mas a ideia nos remete a uma afirmação positiva, é justo sim! Só que há uma ressalva a se fazer, o paradigma dos impostos no Brasil pune severamente os mais pobres, isto porque, no nosso caso, os impostos são indiretos e regressivos. Aqueles malditos e famigerados que humilham, corroem o poder aquisitivo dos assalariados e por isso mesmo, precisa ser urgentemente banido do nosso meio. Pagar imposto de acordo com o potencial econômico do individuo é justo, mas potencializá-lo com igualdade entre ricos e pobres é crime. Seria a mesma mentira quando se diz: todos são iguai$ aos olhos da lei; ou ainda, num seminário sobre economia,  os banqueiros do País querem justiça social e distribuição de renda - só se for para aumentar seus lucros, claro.O sistema tributário nacional precisa ser justo, principalmente, com os desfavorecidos, espere! Desfavorecidos? Que nada, surrupiados, assim fica de bom tamanho. Esses vivem sob o jugo das forças reacionárias que dominam este País. É necessário que se revise aquilo que impede o crescimento, que massacram muitos para a bonança de poucos, que alimentam poucos para a fome de muitos. Vamos colocar o cidadão brasileiro em pé de igualdade com os demais cidadãos do mundo; diminuamos a carga tributária das costas da nossa gente, vamos construir um País justo, estamos à espera de uma revolução tributária inteligente.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A PÉROLA DOS POVOS

A educação nunca deixou de ser um instrumento revolucionador e transformador de realidades adversas. Sempre esteve ao dispor daqueles que nela enxergam a mola propulsora do desenvolvimento social, cultural e econômico. Com começo meio e..., em sua aplicação, esse perfume dos deuses, tem colocado nações e povos atrasados na vanguarda do mundo moderno.
Entorpecidas, "pessoas" ainda imprimem os mais bestiais conceitos quanto os milagres da santa educação. Outras mais ranzinzas colocam feições puramente religiosas, que só existem na religiosidade delas - inclusive autoridades - para nodoarem com necedades nefastas, a loucura do sábio, o fermento do espírito, o maná da liberdade, o sal das almas.
A educação alimenta faminto, modela cidadão, nivela classe, destrói império, sepulta ignorância. É um complexo de diferentes ações que tem por objeto o espírito humano, as quais talham homens e mulheres às delícias luminosa da instrução; um patrimônio que "o ladrão não rouba nem as traças roem".
No Brasil, formulam-se as mais deslavadas teses em relação à aplicação dos recursos na educação. Estamos a anos luz da educação desejada. E não venham com alegações medíocres, esfarrapadas, inverdades mal elaboradas tentando nos convencer da falta de vergonha dos nossos governantes.
O que mais impressiona a gente, aqui no Brasil, é o descompasso entre os governos e os cidadãos. Difícil é encontrar um (filho do povo) que não seja consciente das suas obrigações, dos seus deveres; agora, governos com essas grandezas pense numa dificuldade para encontrá-los. Isso porque, geralmente são incompetentes, priorizam as carreiras políticas, as veniagas de bastidores, a uma gestão obreira que atendam os anseios da população.
Para desenharmos um quadro bem mais esplêndido, vejamos: no governo de um sublime presidente da nossa republica - de cada real liberado pelo ministério da educação - vibrem, apenas vinte centavos chegavam à ponta, ou seja, no aluno. Isso já demonstra claramente, a necessidade de uma revolução urgente que atinja o núcleo da célula da educação cidadã, e seja mais rigorosa quando invadir o âmago das administrações e impiedosa com a consciência dos gestores.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

A CASA DO ÉBRIO

JOÃO BATISTA DE SIQUEIRA - CACÃO, deixou uma vasta produção literária. Cantou as sete grandezas, segundo seus admiradores (a natureza, a Virgem Maria, o amor, a pobreza, a caridade, a verdade e a justiça). Conhecedor das dores do povo, das fraquezas, das angustias, dos distúrbios comportamentais do individuo na sociedade e das agruras. Era realmente um deus ensinando aos seus servos a compreender o mundo em que vive. Vejam o poema.
Era um casebre tristonho
De cujas paredes tortas
Vinha um rangido enfadonho
Dos gonzos de duas portas
As telhas já nodoadas
Duas roletas deitadas
Numa camarinha escura
O vento, quando passava
Parecia que falava
Nas frinchas das fechaduras.

Na parede do nascente
Um banco desmantelado
Um garrafão de aguardente
Que ainda havia sobrado
Junto ao quarto de dormida
Cera que foi derretida
Do resto de algumas velas
No chão, marcas de escarros
Cacos de vidros, cigarros
Rolavam por cima delas.

Uma rede remendada,
Outra parte descosida
Em um torno pendurada
Pela fumaça tingida
De um lado havia um cambito
Onde um couro de um cabrito
Sobre um arame pendia
Mais adiante, um jirau
Junto à travessa de um pau
Onde um morcego vivia.

Uma corda, uma rodilha
Bem acima de um caixão
Um pote, numa forquilha
Vazava junto ao fogão
Um gato cego e doente
Deitado sobre um batente
Por certo sentia sono
De fora, um jumento olhava
O seu olhar revelava
A malvadez do seu dono.

Uma vara de ferrão
A banda de uma tigela
Meio quilo de sabão
Embrulhado dentro dela
A banda de um cobertor
Atada em um armador
Onde havia um candeeiro
Uma camisa de saco
Mostrava por um buraco
A tampa dum tabaqueiro.

Uma cadeira quebrada
As pernas de um tamborete
Uma foice enferrujada
Encabada num cacete
Ao lado de uma cangalha
Havia um chapéu de palha
Com um remendo de pano
Um tronco de mandioca
Um anzol numa taboca
Pra pesca do fim de ano.

Havia armado um quixô
Encostado a um baú
Costurado com cipó
Todo feito a couro cru
Num recanto separado
Conservava-se embrulhado
O braço de uma viola
Zelava por tradição
Que seu pai foi campeão
De cantar pedindo esmola.

Uma calça de azulão
Perto da porta do meio
A bainha de um facão
Balançava em um esteio
Numa mesinha na sala
Havia cascas de bala
Um bisaco e uma garrucha,
A manga de um paletó
E um galho de mororó
Guardado pra tirar bucha.

Cinco ovos de galinha,
Um punhado de limão
Uma cuia com farinha
Sobre a boca de um pilão
Uma rolinha pelada
Numa gaiola quebrada
Junto à porta dormia
Em frente, um cão cochilava
Com certeza decorava
Sua cruel profecia.

Um pedaço de perneira
Um serrote e uma enxó
Tudo dentro duma esteira
Amarrada em um cipó
Um candeeiro sem asa
E num recanto da casa
Quatro cartas de baralho
Em um barbante, num prego
Atada por um nó cego
Estava preso um chocalho

A canela de um veado
Uma ponta de carneiro
Em um gibão amarrado
Um facho de marmeleiro
Em frente havia um baú
Bem apoiado no chão
Sobre sua tampa aberta
Mostrava uma prova certa
Donde guardava o carvão.

Abaixo de um travesseiro
Um pouco de sola em dobra
Dada por um curandeiro
Pra mordedura de cobra
Ais um cachimbo de barro
Que o mau cheiro de sarro
Chegava até o cozinho
Em um recanto, num banco
Um sapato preto e branco
Que recebeu de um padrinho.

Muitas formigas pequenas
Umas vinhas, outras iam
E assim muitas centenas
Entre os torrões se escondiam
Duas varas emendadas
Numa parede pregadas
Quase na forma de uma “vê”
Se o vento balançava, vinha
Do terreiro ou da cozinha
Um cheiro não sei de quê.

Uma criança chorava
Juntinho da mãe doente
Que com esforço lhe olhava
Mas já com ar diferente
O rosto banhado em pranto,
Deitado sobre um recanto
Numa parece encostada
A face triste e sóbria
Que durante aquele dia
Não tinha comida nada.

Depois, um homem barbado
Entrava cambaleando
Num andar lento e pesado
Exasperado falando
Um ferimento num braço
Se ia aumentar o passo
Botava a mão na parede
Sorria e depois chorava
Pelos seus traços mostrava
Sinais de quem tinha sede.

domingo, 6 de novembro de 2011

JOÃO BATISTA DE SIQUEIRA - CANCÃO


João Batista de Siqueira – deus da literatura popular, o imortal Cancão. Nasceu no dia 12 do mês da “Virgem Maria”, do ano de 1912, no sítio Queimadas município de em São José do Egito, solo pernambucano. Ali passou toda sua existência. Em 1950 deixa de cantar e passa a viver recluso no seu reino encantado. Faleceu no dia 5 de julho de 1982, em seu lindo berço. No ano de sua morte houve em Patos – PB, um festival de violeiros. As maiores duplas do Brasil vieram participar do belíssimo evento. Uma dupla em particular despertou o entusiasmo do público após o anuncio do mote para sete sílabas. Morrei um cancão sem penas/deixando pena pra nós”, foi uma apoteose! E para coroar o mote o poeta Severino Ferreira (in memória) teve a felicidade de improvisar esta maravilha.

“A morte tomou chegada

E dele calou a voz,

Antigamente ele era

Um dos grandes rouxinóis

Pra ele rezei novenas

Morreu um cancão sem penas

Deixando pena pra “nós”. (fragmento)

CANCÃO é autor do hino SONHO DE SABIÁ. O poema conta a tristeza de um sabiá após cair em uma armadilha, um alçapão. Preso em uma gaiola o passarinho entristece e um dia sonha com a liberdade. O poeta usa todo seu potencial de matuto amante da natureza para denunciar as atrocidades do homem ao “cantor da mata. Vejam fragmento da ultima estrofe. “Assim o cantor da mata/ferido da sorte ingrata/ no outro dia morreu” Agora vamos ao poema.

Um sabiá diligente

Voou pela vastidão

Mas por inexperiente

Caiu em um alçapão

Depois de aprisionado

Ficou mais martirizado

Pensando no seu filhinho

Implume, sem alimento

Exposto à chuva e ao vento

Sem poder sair do ninho.


Deram-lhe por seu abrigo

Uma pequena gaiola

No casebre de um mendigo

Que só comia de esmola

Só vivia cochilando

Com certeza imaginando

Sua liberdade santa

Ia cantar, não podia

Que sua voz se perdia

Logo ao sair da garganta.


Tornou-se a pena cinzenta

Em seu profundo castigo

Na Salete fumarenta

Da casa do tal mendigo

Sempre triste arrepiado

Nesse viver desolado

Ia um mês, vinha outro mês

Assim completou um ano

Sentindo seu desengano

Nunca cantou uma vez.


Depois, uma tarde inteira

O pobre do passarinho

Sonhou que ia a palmeira

Onde tinha feito o ninho

Olhava, em frente, as campinas

Via por trás das colinas

A natureza sorrindo

Ao sentir a liberdade

Pensou ser realidade

Sem saber contou dormindo.


Depois, sonhou que voltava

À terra dos braunais

Por onde sempre cantava

Ais outros sabiás

Voava nas ribanceiras,

Pousava nas laranjeiras

Olhando o clarão do dia

Voava através do monte,

Voltava a beber na fonte

Que todas manhãs bebia.


No sonho via as favelas

Criadas nos carrascais

Voou, baixou, pousou nelas

Cantou os seus madrigais

Voltou, colheu os orvalhos

Que gotejavam dos galhos

Dos frondosos jiquiris

Contente abria a plumagem

Pra receber a bafagem

Das manhãs do seu país.


Foi à terra dos palmares

Atravessou toda flora

Voou por todos lugares

Que tinha cantado outrora

Passou pelos mangueirais

Entre os outros sabiás

Cantou sonora canção

O seu som melodioso

Estava mais pesaroso

Devido a sua emoção.


Viu a vinda do inverno

Nos quadrantes da paisagem

Ouviu o sussurro terno

Do bulício da folhagem

Cantou todo arrebol,

O brilho morno do sol

Morrendo nos altos cumes

Sentia, quando cantava

Que seu coração chorava

Com mais tristeza e queixumes.


Sonhou catando sementes

Num campo vasto e risonho

Sentia-se tão contente

Que sonhou que fosse um sonho

Olhava pra vastidão

Tocava em seu coração

Um regozijo profundo

Toda delicia sentia

Às vezes lhe parecia

Vivendo fora do mundo.


Voou por entre os verdores

Atravessou as searas,

Cantou pelos resplendores

Das manhãs frescas e claras

Passou pelo campo vago,

Bebeu das águas do lago,

Pousou sobre um arvoredo,

Penetrou num bosque escuro,

Ai sonhou um futuro

Tão triste que teve medo.


Depois, sonhou que estava

Trancado em uma gaiola

Ouvindo alguém que cantava

Na porta, pedindo esmola

Ao despertar de momento

Reparou seu aposento,

Ouviu falar o mendigo

Fechou os olhos pensando

Sentiu seu íntimo chorando

No rigor do seu castigo.


Ainda em vão procurava

Sair daquela prisão

Seu olhar denunciava

Piedade e compaixão

Ao pensar na liberdade

A mais pungente saudade

Devorava o peito seu

Assim, o cantou da mata

Ferido da sorte ingrata

No outro dia morreu.