quinta-feira, 10 de julho de 2014

A PRAÇA JOSÉ PAULO SOUTO - SÃO MAMEDE


Será que há algo na vida d’uma cidade, seja ela qualquer, independente do seu tamanho, mais característico, essencial, agradável e livre, do que uma praça? Eu suponha que não. O poeta dos escravos, aquele que gritou nos ouvidos mudos do mundo, inflamado com a truculência da soberba dominante, por cometer sem compaixão, uma das maiores barbárie contra os filhos da África, elevou-se acima dos homens e publicou com letras de ouro: a praça é do povo como o céu é do condor! Assertiva antes confirmada pelos Gregos há algumas centenas de anos.
A praça, segundo Sócrates: a qualquer hora do dia, é o lugar de encontros, onde se passeia ao ar livre, onde se fica sabendo das novidades, onde se discute política, onde se formam as opiniões. De fato, a praça – Ágora para os Gregos – era o nome que se davam ás praças públicas da Antiga Grécia. Nelas ocorriam reuniões onde se discutiam assuntos importantes à vida cotidiana da cidade (em Grego Polis), notadamente os atenienses. Essas reuniões (assembleias) aconteciam na ágora e os Gregos podiam opinar sobre temas pertinentes á justiça, obras públicas, leis, cultura; mas tudo era decidido pelo voto direto do cidadão, o que satisfazia, por assim dizer, “ao conjunto do povo”, que embora, “não exercesse qualquer direito político”, mas era soberano para “dispor de todos eles”, principalmente, na “assembleia plenária”; com uma enorme diferença: não havia regimento interno; muito menos aliados, partidários ou governo a ser defendido.
De modo que a praça (Ágora) era também um espaço público muito valorizado, indispensável ao cidadão e caro ao espírito do povo Grego, com finalidades diversas que envolvia: as cerimônias religiosas, eventos, negociações comerciais e acordos econômicos. 
Nesse ambiente de uso comum e formidável também se expunham em telas vivas às feridas sociais abertas pelo abissal econômico entre emprego, renda e cidadania, logo chamadas de espectros humanos pela injustiça dos homens e alcunhadas de escórias preguiçosas por aquela sociedade. Eram cidadãos exilados da pátria no solo pátrio com seus rostos trágicos e suas mentes pálidas. Infames convidados por descuido da loteria biológica que teimam em nascer para galeria natural da miséria, chagas vivas chamadas de pobres que constrangem a humanidade dos ricos! 
Na ágora, por vezes, santuário da racionalidade onde se ressuscitam os direitos mortos sem a anuência da justiça omissa; nela dessilencia a defesa do fraco, afronta sistema, diminui governo e sepulta político. É muito maior do que o mundo e infinitamente menor do que o povo, de modo, que esse equipamento público é uma excepcional caixa acústica com um grande potencial de ressonância: um grito pode em segundos alcançar distancia imensurável!
Esses aspectos tão inerentes às praças (Ágoras) daquele tempo, ainda hoje estão em voga, indenes, por uma força que insiste eternizar-se chamada de desigualdade social; outras adquiriram novos contornos e formas versáteis, mas no geral, nada mudou!
No início do século XX, ai por volta de 1906, o escritor e jornalista, Coriolano de Medeiros, esteve em São Mamede, 3 anos após a fundação do povoado e tempos depois, novamente passou por aquele rincão e viu acentuadas transformações, as quais resolveu deixá-las registradas num livro para posteridade. (...). Fiquei admirado com o progresso do lugar e, mentalmente, o recordei, transportando-me ao ano de 1906, quando ali estive pele primeira vez. Nesse tempo, São Mamede se compunha de duas ou três casas de taipa e telhas e de uma grande latada de ramos de oiticica, bem a margem da estrada que comunica Santa Luzia a cidade de Patos. Sob a latada e no leito da futura via pública, se realizava, semanalmente, uma feira. Esta se incrementou tanto que, em pouco tempo, se acomodava dentro de uma verdadeira povoação (...).
São Mamede é hoje uma linda cidade, é a ninfa encantada do Sabugy! Cresceu formosa e próspera em volta da capelinha existente e da grande latada de ramos de oiticica dos tempos idos. A capelinha amparada pelo esforço e religiosidade do seu povo, tornou-se uma belíssima igreja com traços arquitetônicos do barroco moderno; a grande latada aonde se realizava semanalmente a feira livre, tornou-se a Praça Coronel José Paulo Souto, diga-se verdadeiramente uma justíssima homenagem ao homem que impulsionou o desenvolvimento local.

Falar dessa primeira praça, erguida na gestão do interventor Misael Augusto de oliveira Filho, primeiro prefeito, remete-me a um passado de sonhos. Eram sonhos simples demais, sonho de adolescente, mas que valiam muito apena, embora “Pessoa” tenha dito, que tudo vale apena quando a alma é pequena. Ingenuidade? Pode até ser, mas o sonho é sempre um tanto maior do que pode o sonhador realizar. Na praça, as moças cinderelas lindas e feiticeiras, que carregavam a magia de um quê de diferente, que maltratavam que machucavam a gente, no entanto, faziam um bem danado ao coração. Com suas puras, leves e ingênuas insinuações dominavam o ambiente com graça, com beleza, gerando uma salutar expectativa; quem não torceu a favor dos ventos? Desculpe-me confessar o pecado, mas se for possível, “atire a primeira pedra”! Os vestidos eram abaixo dos joelhos dificultando muito um lance um pouco acima deles e isso quando acontecia era um alvoroço da rapaziada que se deliciava com o lance e um constrangimento para moça, que ás vezes, voltava mais cedo para casa chorando e envergonhada. Eram outros tempos!    

Em dezembro se realizava a festa de Nossa Senhora da Conceição, a Praça Coronel José Paulo, ficava tomada pelo povo, a banda de musica do município animava a noite festiva, eram retretas inesquecíveis! A arquitetura da praça que tinha um mezanino elevado servia para que a banda ali se apresentasse, propiciando aos músicos uma visão bastante panorâmica e ao público um cenário mágico.
Imperava nesse tempo, o respeito e prevalecia a dignidade. Namorar podia-se dizer que era o ápice para que se realizasse a emancipação da mulher e um prenúncio informal de casamento. De forma, que os valores no passado não passavam ao largo da família, porque a família os legitimava e os tornava o seu porto seguro. Eram os valores sim, a pedra fundamento e base sólida para a construção de uma família que muitas vezes, começava na praça.
Deus, ao findar sua obra, no sétimo dia, descansou. Estendeu sua rede á sombra de um frondoso juazeiro á beira do rio Sabugy, e ali adormeceu.  O diabo se aproveitando da inatividade temporária do Ser Supremo para agir, criou os porões do poder. E foi ai que vingou no homem o egoísmo, a quimera onisciente que gerou o poder (prazer) de desconstruir a identidade do povo sem se aconselhar – o Eu absoluto.  E assim, sem parecer e sem aviso prévio, numa decisão unilateral o gestor da época se achou único e só - um deus sertanejo - e assim trouxe abaixo a nossa primeira praça, deixando a ultima que morre nos invadir com uma torrente de esgarçadas lembranças nos painéis da memória e nos álbuns de fotografias. Eis a Praça Coronel José Paulo Souto em São Mamede.