terça-feira, 24 de julho de 2012

SOLILÓQUIO


A aflição do pobre é causa de alegria
Na casa do rei! E posta sobre a mesa
Serve-se a vinho da safra portuguesa
Entre gargalhadas a mísera iguaria.
        
E vós, nobre dama da rica empresa
Que sacieis a flor de infame tirania!
Farteis vós de guloseimas vil minoria 
Que debita a Deus a indigência presa.

Aforismo laico! Teologia em chama
(eu vivo assim porque Deus quer!) um drama
Sob a ordem burra da lei superior.

Um dia a força pura virá como a morte
E em silêncio erguerá um reino forte,
Para sempre, sem gente inferior.



 





              




sexta-feira, 6 de julho de 2012

OS SENHORES DA PÁTRIA


A fome não é culpa apenas da ganância
Dos homens generosos, samaritanos
Que ama o povo de quatro em quatro anos
Numa vã relação de íntima distância.

A fome é a mãe generosa dos tiranos
E Filha bondosa da santa ignorância
Do povo ignóbil de fria relutância
Em ser servo desses gênios de vis planos.

A fome é pão para garantir poder
Aos náufragos da honra nos rios da vida
E, nele a tabua firme, salvadora.

Ah! A fome é sabia e velha sedutora
Do humilde que cuida a custo vencer
Embora a mente presa e desprotegida.





FOI UM DESCUIDO DE DEUS


Senhor, teu descuido gerou insondável
Desamparo nos lares dos deserdados,
Pobres famintos sem justiça jogados
No lixo por ordem do rei formidável.

Perdoe-me Deus dos ilustres desgraçados,
É que a dor da injustiça é-me indomável!
Descuidaste num instante miserável
Para os que são felizmente enganados!

Privar ofício é crime de forte agressão,
É o azorrague como arma de opressão
Esgarçando o homem já desesperado,
 
E, se há um Gênio capaz de impedir
Fatal horror e não o fez, vou presumir
Que Ele descuidou-se no dia errado.




quinta-feira, 5 de julho de 2012

ORAMA, O FILÓSOFO POPULAR


Hoje à tarde, voltei a me encontrar com Orama para levarmos novamente um bom papo. Orama é um desses filósofos populares, dono de uma perspicácia incomum e tiradas de encher os olhos. Ele estava sentado num banco da praça da igreja, de modo que parecia meditar. Fiz questão de me aproximar dele de forma não convencional, mas escondendo-me por trás dos outros bancos para lhe tomar de surpresa. O meu plano estratégico não deu em nada, e para meu espanto ouvi: “hei, não sou de Cuba, mas estou lhe cubando”! Significa que a pratica do meu plano falhou muito, eu estava sendo acompanhado pelo olhar discreto de quem eu buscava surpreender. Descoberto, resolvi me aproximar de forma carinhosa, então lhe disse: com a devida vênia, gostaria de fazer companhia ao grande filosofo solitário. Ele respirou fundo e chicoteou-me sem piedade com o seguinte arremate: eu não estou solitário, mas um de mim se aproxima! Fiquei sem entender nada e pra não piorar as coisas não quis questioná-lo. Entre ele e eu, fez-se um silêncio abissal!  Fiquei sem jeito com a resposta, logo eu que o amo tanto?! Orama foi perverso demais comigo, pensei.  Mas de repente, ele rasga o gelo e perguntou o que eu não alcanço responder: que busqueis na urbe estagnada, senão cegos de olhos sadios, rudes versados e indigentes que se alimentam de ilusões? Silêncio... Conheço lendas vivas fragilizadas como caniço ao vento, o que me causam aflições indigestas. Silêncio... Quantos encarcerados seguem livres às avenidas do mundo, por não se indignarem? Silêncio... Os colmilhos do povo devem estar sempre amostra para os insidiosos da liberdade. Silêncio... Meus olhos não brilham mais com os ruídos dos tambores, insuportáveis sons as traças emitem! Silêncio... Continuei sem nada entender. Mas, após as reflexões, Orama levantou-se em silencio e sem se despedir vi-o se perder entre as arvores e os bancos da praça. Sozinho, passei a pensar em cada palavra da palavra do filosofo popular. Era tudo muito profundo para mim, mas muito claro para o momento.