quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O CALVÁRIO DA VERDADE

Venham camenas brasileiras
Encham-me de inspiração 
Deixe-me narrar nestes versos 
A história de um vilão 
Perverso, ganancioso, 
Idealizador da ambição. 

Só Deus é Uno, é Eterno, 
Senhor do céu e do mar, 
Nada se move no mundo 
Sem o Mestre autorizar, 
Ninguém faz sem receber 
E nem recebe sem dar. 

Deus é a chave de tudo: 
É o balsamo do sofredor; 
O juiz do prepotente; 
A esperança do sonhador; 
O alento do infeliz; 
O Elo de um grande amor. 

No País do povo esquecido, 
Encravado em meio à solidão 
A Atlântida dos nobres plebeus 
Construída no seio do sertão 
Vivem os pais de Marralla, 
Cultivando a linhagem, a tradição.
 
Dom Estevão de Quilmar era casado 
Com dona Etína de Aman Quilmar, 
Nobres, falidos, mas cheios de pouses, 
Viviam de um passado sem passar, 
Herdaram muitas léguas de terras, 
Mas nunca as pode explorar. 

Seu pai, um senhor feudal, 
Que viveu em plena opulência; 
Ao perder o poder político, 
Regalia e influência, 
Morreu louco, condenando o mundo, 
Quando entrou em decadência. 

Apenas terras e mais terras 
Dom Estevão possuía, 
Porém, dinheiro, prestígio, 
Há tempo não os conseguia 
Devido a sua ambição 
E ganância em demasia. 

Tomava as terras dos pobres 
Anexando-as ao seu império, 
Não respeitava o direito, 
A justiça era um refrigério 
Para as suas más intenções 
E sem levar as leis a sério. 

Sem cobres, mas ricos de orgulho... 
Soberbos, e acima da razão; 
Monstruosos diante da pobreza 
Usurpadores cruéis sem compaixão, 
Não mediam esforços nem prepotência 
Para espalharem os males da humilhação. 

Eles se apresentavam no meio social 
Como filhos escolhidos do poder, 
Zombavam do fadário dos pobres, 
Esnobando-se diziam merecer... 
As benesses dos deuses e dos homens 
Pelo sangue que herdaram ao nascer. 

Pisavam os humildes com arrogância, 
Empregados eram meros serviçais 
Pobres seres sem valores e estúpidos 
Tratados como indignos animais 
Sofriam na carne as truculências 
Desses feros demônios infernais. 

Desse casal de carrascos “nasceu” 
Uma criança linda e muito bela, 
Um antigo oráculo foi consultado 
E estava de forma bem singela 
Escrito com letras douradas 
Que Marralla seria o nome dela. 

Levada a pia batismal 
A pequena esse nome recebeu, 
A tradição do meio familiar 
Foi o dogma que mais prevaleceu 
Nome de rico – dizia o pai, 
Fica registrado no céu. 

Filha única cresceu aprendendo 
A arrogância e a loucura dos seus “pais”, 
Feria a muitos por prazer 
E com atitudes fúteis, banais... 
Humilhava com alegria 
E gestos cômicos, teatrais. 

Tornou-se moça bonita 
Com traços e curvas sensuais, 
Dengo e perfeição no andar 
Olhar das deusas siderais, 
Mas, sua índole perversa... 
Herdou dos seus “ancestrais”. 

Aos vinte e um anos de idade, 
Era a beleza encarnada, 
Só sendo filha dos deuses 
Em pessoa transformada, 
Era um anjo que aqui chegou 
De uma terra encantada. 

Mesmo com tanta petulância 
Não impediam os admiradores, 
Varões ricos e potentados 
Até pobres sonhadores 
Desejam a linda jovem 
Com mil juras de amores. 

Ela rejeitava a todos 
Com escárnio e humilhação, 
Desdenhava os jovens na cara 
E tripudiava na situação, 
Daqueles que a cercavam 
Para excitarem a sua atenção.
  
Assim, Marralla seguia... 
Indomada nas suas ações 
Praticando o que entendia 
Destruindo corações, 
Indolente com os pobres 
E infame nas emoções. 

Aqui vou deixar Marralla, 
Insensível em potencial, 
Para tratar de um jovem, 
Brioso, puro, especial, 
Da mesma idade da fera, 
Distinto, simples e leal.

***
Rilman era filho “único”, 
De origem humilde, recatado, 
Honesto, justo, prudente, 
Belo, distinto, afeiçoado, 
Gozava de reputação 
Por todos era adorado. 

Seus pais temiam a Deus 
Não cobiçavam riqueza, 
Criaram Rilman com estilo 
E sensata delicadeza, 
Decidido, firme e franco: 
Um cidadão de grandeza. 

Tinha o corpo bem talhado 
Ágil, intrépido, vigoroso, 
Inteligente, destemido, 
Calmo e consciencioso, 
Era um filho da verdade, 
Um tesouro extremoso.
 
Morava na casa dos seus pais: 
Seu Audálio Silva e Dona Adelaide, 
Amava-os com fervor 
E cheio de felicidade 
Dizia: são duas pérolas 
Que me dão tranquilidade. 

Administrava sozinho 
Os bens da família silva: 
Um pequeno pedaço de terra, 
Quase uma horta, mas ativa, 
Que produzia de tudo, 
De forma competitiva. 

Leite de cinco vaquinhas 
Era vendido na cidade, 
Tomate, coentro, pimentão, 
Inhame de boa qualidade, 
Batata doce, manga, banana, 
Graviola em quantidade. 

Batatinha, cenoura, beterraba, 
Melancia, pinha, melão, 
Goiaba, cajá, pitomba, 
Seriguela, caju, mamão, 
Umbu, macaxeira, berinjela, 
Jerimum, milho verde e feijão. 

Certo dia Dom Estevão, 
Numa viagem a região 
Passou nas terras dos silvas, 
E despertou-lhe a atenção, 
Tudo verde e bem cuidado 
E com farta produção.

Perguntou a um senhor 
Que passava na estrada 
Se ele conhecia o dono 
Daquela terra bem cuidada, 
O ancião disse que sim 
E ensinou a entrada. 

Dom Estevão saiu dali 
Em direção ao local, 
Indicado pelo senhor 
E foi-se ter afinal 
No sitio da família silva, 
Um paraíso colossal. 

Rilman o acolheu e perguntou: 
- o que deseja cidadão? 
Quero adquirir essas terras 
E não quero discussão! - 
Rilman lhe disse – não está à venda, 
Sinto muito, é a decisão. 

Mas que decisão que nada! 
Eu sou Estevão de Quilmar, 
Dono de léguas de terras 
Respeitado em todo lugar, 
Sou de uma família rica 
De tradição milenar. 

Amanhã logo cedinho 
Vá à cidade me esperar, 
No cartório de imóveis 
Para você assinar 
O termo de compra e venda 
E a escritura passar. 

Deu as costas e foi saindo 
Sem ao menos se despedir, 
Rilman que nada entendeu 
Foi impelido a sorrir, 
Da atitude do estranho 
Que falava sem refletir.
 
No outro dia Rilman 
Do fato nem se lembrou,
Sua rotina de trabalho 
Logo cedo iniciou, 
Sem pensar nas artimanhas 
Do estranho que o visitou.
 
Trabalhou a manhã inteira 
E quando veio almoçar, 
Encontrou na casa do sitio 
Um homem a lhe esperar, 
Que se identificou dizendo: 
Eu sou Palhares Pontuar. 

Disse Palhares Pontuar: 
- Seu Rilman, por favor? 
- Sim. Sou eu – respondeu Rilman, 
Posso ajudar no que for - 
Disse Palhares – são documentos
Endereçados ao senhor. 
 
É sobre a venda do sitio 
Para o senhor confirmar, 
Se ela concretizou-se 
Para eu poder registrar
A operação em cartório 
E a escritura passar. 

Disse Rilman – senhor Palhares, 
Eu nada posso fazer, 
Sobre a venda deste sítio 
Só papai vai responder 
E pelo o que ele me disse 
Não lhe interessa vender. 

Meus antepassados nasceram aqui 
Viveram e morreram neste lugar, 
Papai também nasceu neste sítio 
Casou-se e aqui veio morar, 
Eu nasci aqui e aqui trabalho 
E não penso em me mudar.
 
Hoje, meus pais são aposentados, 
Porque não podem trabalhar, 
Vivem a força na cidade, 
Levam a vida a lamentar, 
Porque não podem vir ao sítio 
Muitas vezes os vi chorar.

Portanto, senhor Palhares, 
Eu não sei quem o mandou 
Aqui me fazer proposta 
E nem interessado estou 
De receber tal proposta 
Perdoe-me – já almoçou? 

Não. Obrigado pelo convite 
 – Disse – Palhares Pontuar, 
Estou realmente a mandado 
De Dom Estevão de Quilmar, 
Aquele homem que aqui esteve 
Querendo o sítio comprar. 

Não senhor – disse – Rilman 
Ele nada quis comprar, 
Simplesmente esteve aqui, 
Achando que pode mandar 
Em tudo que está em sua volta 
E isto aqui não vai vingar. 

Eu não o conhecia pessoalmente, 
Apenas de nome e fama: 
Ganancioso, insolente, 
Ignóbil, nobre em lama, 
Já ouvi as suas histórias 
A respeito do seu drama. 

Seu Palhares, diga a esse senhor, 
Que eu não tenho tempo a perder, 
Diga-lhe também que o sítio 
Não o tenho para vender, 
Desculpe-me estou de saída, 
O senhor pode me compreender?

Sim. Eu também vou embora, 
Não posso mais me demorar, 
Dom Estevão é impaciente 
Não gosta de esperar, 
É um homem muito rico, 
Tem outros negócios a tratar. 

Muito bem – disse – Rilman 
Nossa conversa aqui se encerra. 
- Palhares disse – seu Rilman, 
Prepara-se então para guerra, 
Dom Estevão só vai sossegar 
Quando tomar a sua terra. 

 Obrigado pelo aviso 
- Disse Rilman, sem temer; 
Farei o que for preciso 
Para o sítio proteger; 
Só Deus me tira daqui 
Ou quando um dia eu morrer! 

Palhares disse – até logo. 
- Disse Rilman – até nunca mais. 
- Palhares o olhou com desdém 
E gesticulou em sinais 
Talvez querendo insinuar: 
Desistir sem logro, jamais. 

 *** 
No caminho de volta a cidade 
Palhares, mil planos elaborou, 
Para justificar o seu insucesso 
E porque tanto tempo demorou, 
Sabia que ia ser sabatinado 
Para se explicar como fracassou.
 
Mal chegou já foi sendo questionado 
- o senhor me deve uma explicação. 
Quero saber o porquê dessa demora 
E por que essa cara de preocupação? 
Viu fantasma ou de lá saiu correndo 
Ou qual é do rapaz a posição?
  
Palhares quase sem fala – disse: 
 Senhor lá não existe posição, 
A terra não estar à venda 
Esta é do rapaz a decisão, 
Fui bem tratado e não sai correndo, 
O moço lá é um fino cidadão.
 
Dom Estevão, ouvindo esse comentário, 
Disse – Palhares, eu lhe dei uma missão, 
Que deveria ser cumprida à risca, 
Mas você fracassou, é um bonachão, 
Infame, sem miolos, incompetente, 
Que perde a luta e elogia o campeão. 

Seu comentário me ofendeu muito 
Até porque nunca vi um pobre fino, 
Sempre lhe dei tratamento rude 
Por ser gente grosseira e sem tino; 
Saiba Palhares que o pobre é tolo 
E fácil de enganar que nem menino.

Mas enfim, diga-me seu Franciscano, 
Recolheu pelo menos uma informação? 
Sim, Dom Estevão, uma importante, 
Que merece do senhor toda atenção, 
Os pais do rapaz moram aqui pertinho, 
Sozinhos e sem nenhuma proteção. 

O quê você quer dizer sem proteção, 
Meu caro Palhares Pontuar? 
Não sou mais o mesmo de antigamente, 
Aqueles métodos – já os deixei de praticar; 
Vamos descobrir outro meio, 
Não podemos mais nos arriscar. 

Palhares retrucou – Dom Estevão 
Não há nada do que temer, 
Eles são pobres, o senhor é rico, 
Além do mais, o quê lhe pode acontecer? 
Até a justiça “acredita” no senhor, 
Quem mais poderá lhe aborrecer? 

Vamos lá apenas como visitas 
Assim ninguém vai desconfiar, 
Também não vai ter violência 
Vamos unicamente perguntar 
Se o sitio deles estar à venda 
Porque desejamos comprar. 

Levamos papeis em branco, 
Pois somos da previdência; 
Eles precisam ser recadastrados 
Com o máximo de urgência; 
Deles colhendo as assinaturas 
São as provas da anuência.

Os papeis estando assinados 
Passaremos a lhes perguntar 
Se eles conhecem alguém 
Que possa nos orientar 
Sobre sítios que estão à venda
Ali naquele lugar.

Porque somos da capital 
E gostamos da região, 
Ficamos impressionados 
Com a beleza desse sertão; 
As terras parecem férteis 
E boa para a plantação. 

Dom Estevão aprovou 
O plano de Pontuar 
Dali foram à casa dos Silvas, 
Mas não puderam se aproximar 
Porque viram Rilman na calçada 
Com os pais a conversar.
 
Rilman estava de costas para a rua 
E nada que se passou percebeu, 
Apenas viu a sua mãe gritar Pon... 
E cair com o desmaio que sofreu; 
Seu Audálio também não viu nada 
Nem explica o que aconteceu. 

Rilman socorreu a sua mãe 
Interrogando – o que foi que aconteceu? 
Mamãe estava bem de saúde, alegre. 
E de ontem para cá nada sofreu, 
Será meu Deus que o coração dela 
Enfartou e a pobrezinha morreu? 

Mamãe, mamãe gritava Rilman. 
Não deixe a gente, por favor, 
Papai precisa muito da senhora, 
Eu não sei viver sem o seu amor... 
Desperte mamãe! Eu a quero viva 
Como estrela de imenso esplendor. 

Seu Audálio sem conter a emoção 
Exclamou – meu Deus Pai de bondade! 
Sois o alento dos infelizes; 
Sois o verbo do amor, da caridade; 
O arrimo dos fracos e oprimidos 
Que vivem neste mundo de maldade.

Não deixeis ò meu Deus que Adelaide 
Morra sem conhecer a sua flor 
Que há tempo foi levada embora 
Pelas mãos de um bandido sem amor, 
Oh! Deus Vossa obra só será completa 
Se em vida permitirdes esse favor. 

Esposo e filho choravam de um lado, 
Os vizinhos lamentavam entristecidos, 
Mas aos poucos dona Adelaide 
Foi recobrando os sentidos, 
Pai e filho exultavam de alegria 
Agradecendo a Deus e comovidos. 

Depois de recuperada do susto 
E deitada sobre a sua cama, 
Dona Adelaide abre os olhos lentamente
E de cara ver os entes que tanto ama,
Sorrir feliz vendo o esposo e o filho 
Não se queixa de nada e nem reclama. 

Apenas disse – foi um mal estar passageiro, 
Mas fiquem tranquilos já passou, 
Estou viva para continuar nossa luta! 
O meu Deus com certeza me poupou 
A vida para uma grande alegria 
Para isso, meu filho, aqui estou. 

Rilman disse – mamãe nos diga 
Por que a senhora desmaiou? 
Se estiver doente não esconda, 
Exponha-nos o que acarretou
Esse mal tão grave e repentino 
Que muito nos preocupou. 

A senhora antes de cair balbuciou 
Algo como Pon... A palavra não concluiu. 
Há algo mamãe que eu não conheço 
Ou foi alguma coisa que a senhora viu? 
Dona Adelaide – disse meu filho 
– Não pense o que nunca existiu. 

Apenas balbuciei meu filho, nada mais... 
Olhe não fique assim preocupado. 
Estou bem com a minha saúde 
O desmaio já é coisa do passado, 
Repito, foi um mal estar passageiro, 
Nada grave fique sossegado... 

Vou deixar os Silvas, por um instante. 
Para falar dos arquitetos do mal 
Dom Estevão e Palhares Pontuar, 
Símbolos da maldade universal 
Sem perceberem, foram reconhecidos,
Por dona Adelaide de forma casual.
  
***
 
Deixaram o local acreditando
Que não foram vistos por ninguém 
E com as identidades preservadas 
Graças ao desmaio, saíram-se bem. 
O tumultuo dos Silvas os ajudou 
Indiretamente como lhes convém. 

Os facínoras imunes se recolheram 
Ao QG confiando na impunidade 
E dispostos a forjarem novos planos, 
Os dois gênios da infernalidade 
Cuidaram voltar a casa dos Silvas, 
Num gesto infame de irracionalidade. 

Palhares a cabeça criadora do crime, 
Monstro nas ações farta crueldade. 
Dom Estevão, o cabeça da ganância, 
Império do horror da humanidade, 
Loucura imortal dos homens insóbrios, 
Opressores tenazes da moralidade.
 
Após um mês de falsa tranquilidade 
Os lidadores do mal queriam ação, 
Buscavam um momento, uma brecha, 
Para enfim, darem cabo à missão; 
Dom Estevão queria aquelas terras 
Sem que elas lhe custassem um só tostão. 

Palhares arguiu com detalhes um novo plano, 
- Dom Estevão em nada mais pensou, 
Seduzido pela ambição, pela ganância, 
Para casa dos Silvas se encaminhou, 
Interessava-lhe apenas o pequeno sítio 
Da família que ele um dia aterrorizou. 

Disfarçados de empresários bem sucedidos 
Os delinquentes cheios de ansiedade 
Acudiram à casa da família Silva, 
Alimentando a soberba, a vaidade, 
Venenos incompatíveis com o bem, 
Que matam o espírito e a dignidade. 

Os falsários bateram a porta dos Silvas, 
Seu Audálio gentilmente os atendeu 
Com um sorriso largo e gestos afáveis 
As honras da casa aos estranhos ofereceu, 
- entrem, os senhores são bem vindos: 
Hospitaleiramente os acolheu. 

Depois de acolhidos e bem acomodados, 
Palhares sarcasticamente comentou: 
O senhor deve ser um homem muito rico! 
- Seu Audálio em seguida retrucou 
- Não. Sou apenas um velho aposentado 
Que nesta vida muito trabalhou! 

E como se chama o senhor? 
- perguntou Dom Estevão de Quilmar.
Eu sou Audálio Silva, seu criado, 
Diga-me em que posso lhes ajudar. 
Não olhe a casa, a minha esposa saiu, 
Mas prometeu não se demorar. 

Disse Dom Estevão, caro Audálio, 
Eu preciso de uma informação 
- Respondeu seu Audálio – Se eu souber, 
Servi-lo-ei com imensa satisfação 
Desde que eu tenha conhecimento 
Do referido fato em questão. 

Dom Estevão, disse: bom Audálio, 
Eu preciso que você me compreenda. 
Estou querendo aqui me instalar, 
Mas antes quero comprar uma fazenda, 
Que tenha terras boas e produtivas 
E que esteja no mercado para venda. 

Disse seu Audálio – nobre cidadão, 
Por favor, diga-me a sua graça. 
Todo mundo tem um nome e merece, 
Independente, da condição, credo e raça, 
Ser chamado pelo nome de batismo 
Mesmo que ele represente uma desgraça! 

Eu me chamo Estevão de Quilmar, 
Posso dizer ainda, “Estevão seu criado”. 
- neste instante Palhares transfigurou-se 
Porque esta frase era a senha do passado 
Que agora voltava a ser pronunciada, 
Num momento difícil e delicado. 

A frase representava uma sentença 
De morte para quem se atrevia 
Cruzar o caminho de Dom Estevão, 
Atiçando a sua mente em agonia, 
Escrava da cobiça e da ganância 
Alimentos de sua esquizofrenia. 

Ao pronunciar “Estevão seu criado” 
Olhou Palhares e em seguida se levantou, 
Ordenou-lhe, levante-se vamos embora, 
A minha paciência aqui já se esgotou, 
Este sujo velho maldito me ofendeu, 
Com palavras venenosas me atacou. 

Seu Audálio ao ouvir essa agressão 
Em fração de segundo se pós de pé, 
Fitou nos olhos de Dom Estevão 
E disparou: eu não sei quem você é, 
Talvez, quem sabe um velho vulgacho, 
Desses que a ninguém leva fé.

Dom Estevão gritou velho canalha 
Vou lhe mostrar quem é Estevão de Quilmar, 
Sacou de um punhal e irado investiu 
Contra seu Audálio para a vida lhe tirar, 
Porém, foi contido por Palhares, 
Que o impediu de mais um crime praticar. 

Seu Audálio estava desarmado, 
Mas não temeu a fúria do arrogante, 
Que com o punhal na mão ameaçava 
Matá-lo e estrangulá-lo consoante 
Os antigos métodos do passado 
De modo cruel e degradante. 

Estavam em meio à troca de farpas, 
Ameaças graves, agressões verbais, 
Desrespeito, abuso, truculência, 
Soberba lânguida, atitudes radicais, 
Sadismo moral de baixo nível, 
Egocentrismo com gestos teatrais.

De repente, Palhares eleva a voz aos berros, 
Tenham calma, vamos conversar! 
Vocês nunca se viram antes 
Como podem tais atitudes tomar? 
- disse seu Audálio, eu os conheço, 
Desde o sequestro da minha filha Rilmar! 

Nesse momento Dona Adelaide e Rilman, 
Entraram em casa apressadamente, 
Ainda puderam ouvir o fim da frase, 
Dita por seu Audálio solenemente, 
Rilman empalideceu e quase sem fala, 
Olhou os visitantes, apático, indiferente. 

E continuou seu Audálio dizendo: 
Monstros desalmados, vis, infernais, 
Há vinte e um anos venho buscando 
Provas para os seus crimes cruciais. 
Hoje encontrei as provas desses crimes 
E pretendo leva-los aos tribunais. 

E olhou para Rilman e disse: 
Meu filho, estes dois bandidos, 
Há vinte e um anos cometeram 
Um dos crimes mais doloridos, 
Sequestrando a sua irmã gêmea 
Deixando sua mãe e eu estarrecidos. 

Sua mãe quase enlouquece, 
Eu perdi o gosto pela vida, 
Chorei noites sem parar 
Sem achar uma saída, 
Sofremos muito sozinhos 
Numa existência entristecida. 

No dia em que vocês dois nasceram, 
Éramos os pais mais felizes do mundo, 
Tivemos um casal gêmeo, dois anjos, 
Dádivas do supremo Deus fecundo 
Que nos concedeu essa graça 
Mas é um mistério profundo. 

Porque a sua mãe engravidou 
Sendo estéril para a ciência 
Que nos disse severamente 
Que não teríamos descendência 
Porém, nosso Deus supremo, 
Foi Justo em sua anuência. 

Depois que vocês nasceram, 
A sua mãe nunca mais engravidou, 
Exames e análises foram realizados,
Mas em nenhum a ciência explicou, 
As causas da esterilidade precoce 
E nem como a gravidez se formou. 

Dona Adelaide tomou a palavra 
E disse: filho, essa é uma dura verdade, 
Dois dias após um parto muito feliz 
Estes dois monstros sem dó nem piedade, 
Invadiram a nossa casa e levaram Rilmar, 
Nunca meu filho, vi tamanha perversidade. 
 
E no lugar de sua irmã deixaram 
A filha de Estevão que não sobreviveu, 
Um parto de alto risco e complicado 
E que uma decisão difícil envolveu 
Entre salvar a filha ou a mãe que padecia, 
Sacrificou-se a filha e a mãe quase morreu.
 
Mas desse parto ficaram graves sequelas, 
Que fragilizaram a saúde da gestante, 
As quais geraram uma forte depressão 
Causando-lhe adinamia importante 
Condenando-a uma cama invalida, 
Quem tivera uma vida abundante! 

E, com a morte da filha, este monstro, 
- Apontou para Dom Estevão de Quilmar, 
Desesperado voltou-se contra Deus, 
Sem querer seus desígnios aceitar, 
Esnobava e dizia-se tão influente 
Capaz de o próprio Deus subjugar. 

Sob o impacto de tais revelações,
Tentava o jovem Rilman compreender, 
O porquê de tanta infâmia, necedade, 
Dislate insondável, loucura ou prazer, 
Enfim meu Deus, que entes são estes?! 
Indagava Rilman, sem nada entender. 

Enlevado em suas reflexões, 
Sobre os fatos que acabara de ouvir. 
Fitou os delinquentes enrustidos, 
Sem se quer palavras lhes proferir. 
Depois, disse-lhes – são crimes hediondos, 
Cabe a justiça o direito de lhes arguir. 

Ainda sob as inquietações do espírito 
Que lhe cismava no íntimo do coração, 
Rilman talhava no lajedo do pensamento 
Espectro indômito de amor, de perdão; 
Enquanto, o maldito sicário Palhares, 
Espreitava um descuido, uma desatenção. 

 *** 

 E, foi numa impressão de desleixo, 
Ou irreflexão digna de fera acossada, 
Que Palhares julgou ser o momento, 
De fugir daquela situação inusitada, 
Tentar atacar Rilman pelas costas 
Seria uma saída, porém saiu frustrada. 

Porque Rilman cuidava atentamente, 
Os movimentos de Palhares Pontuar, 
Que num instante de uma inflexão 
Tentara o seu terçado alcançar 
Que usava preso à perna direita 
Para de situação difícil escapar. 

Mas antes de atingir o seu intento 
Fora advertido da loucura que fazia; 
Palhares reconheceu que o jovem Rilman 
Era “osso duro de roer” em demasia, 
Portanto, pensou: eu saio dessa, 
Embora exponha toda minha covardia! 

E num ato impensado ajoelhou-se 
Aos pés de Rilman rogando indulgência. 
Acusava Dom Estevão como autor 
Intelectual dos crimes e da insolência 
Praticada contra as vitimas inocentes 
Sem apiedar-se dos rogos de clemência. 

Palhares sentindo-se perdido 
Procurou inculpar seu antigo senhor. 
Dizia: este homem é um sádico criminoso, 
Que domava o meu ego de estranho alor. 
Não sou culpado fui um instrumento 
Nas mãos deste gênio de distinção inferior. 

Enquanto Palhares fazia a sua defesa, 
À Dom Estevão todo pecado evidenciava. 
Os brios, os valores dos monges do crime, 
No sangue novo da verdade se humilhava. 
A arrogância delinquida aos pés da razão 
Combalida como fumo definhava. 

E Dom Estevão ali posto, lânguido, 
Desmascarado, entregou-se debilmente. 
Cabisbaixo, vencido pela ganância, 
Tez suada, orgulho laxo, decadente. 
Quem fora antes o berço da truculência, 
Acuado expõe o seu imo indolente. 

Mesmo assim, disse: entulho humano, 
Acusa-me dos crimes a intelectualidade, 
Mas não nos é útil o teu modesto ardil 
Que destila peçonha de letal propriedade; 
A cria é tão culpada quão o criador, 
Principio moral da racionalidade. 

Sou culpado, bem sabes escravo cobarde! 
Mas credite à justiça a injustiça cometida,
Exigia-me o dízimo leal e leal a mim a lei; 
Bem vês, o escambo sangrava a carcomida, 
Deusa que se faz cega para não se enxergar 
E deleita-se do premio, em festa presumida. 

O antigo senhor, ora inútil face à verdade, 
Assume a culpa, mas invoca a companhia
Do serviçal ardoroso, que rude o renega, 
Sob um grave olhar que de justiça se ardia 
Numa densa chama que colore e santifica 
A alma esgarçada em meio à agonia. 

E, da casa dos Silvas, correram os fatos 
A boca larga consumindo a cidade; 
A vizinhança sempre solícita e gentil, 
Cuida receosa a inábil e temeridade, 
Dos sequiosos atreitos as veniagas 
Que nodoam a deusa, saciam a criminalidade. 

Inunda uma multidão curiosa e incrédula 
À informação que nutria a boca popular; 
Nas mentes a justiça ascende ávida, nua, 
De ilicitude iníqua que humilha e faz calar 
A populaça entorpecida da virtude esplêndida
Clamava em transe: esperança faz-nos sonhar! 

A turba evoca para si a palavra extrema 
Como prêmio justo à dor do passado 
E, blasona a mundos vitima fito ínfero, 
Da flor que desde longínquo findado 
Impõe severamente o misero jugo 
À massa desprezível de fado judiado. 

A nata pávida teme do povo juízo ousado, 
E pusilânime recua arrimo aos tiranos, 
Que curvados ante o aço da face pura, 
Sondam-lhes olhos nobres espartanos, 
Zelosos ao olhar rogado dos penitentes, 
Que cuidaram alimentar-se de vis planos. 

Enfada-se a ralé ante a hesitação da lei 
Que afeita ao coluio tarda em responder 
Com zelo a sanha incivil, cruel e fria, 
Oferecida à gente indefensa, sem poder, 
Pelos favoritos obreiros da nobre deusa 
Vencida pela pecúnia que a faz esmaecer. 

 *** 
 Após vários apelos dos Silvas, eis o poder: 
Juiz, promotor, advogados – sangrando! 
Dirigiu-se seu Audálio, ao M.M. Juiz: 
Excelência as vossas mãos, estou entregando, 
Estes dois homens que os acuso de crime 
Que minha casa há muito vem reclamando! 

Há vinte e um anos, Doutor Juiz, 
Numa noite feliz e jamais esquecida, 
A minha esposa enfeitara a nossa casa 
Com uma dádiva santa, muita querida, 
Que fora arrebatado do seio materno
Numa atitude extrema e desmedida.

Seu Audálio, ainda, orava ao juiz, 
Quando alguém gritou: a moça não! 
Um Calafrio arrebatara o velho Silva, 
Que tão logo lhe sugeriu uma reação 
De acudir a porta para ver os reais fatos 
Que se davam em meio à multidão.
 
Abriu a porta e a sua alma olvida-se... 
Num silêncio profundo, quase mortal! 
Um grito desafiou a fúria da cópia, 
Que se domou ante a sobrenatural 
Energia do brado: ela é minha filha! 
A massa em êxtase cessa a ira fatal. 

De repente, o velho Silva, caminha, 
Teso e determinado rumo à multidão, 
Que ostentava como troféu macabro 
A jovem Marralla, filha da ambição, 
Singular de um ser misero e incapaz 
De viver povo em santa comunhão. 

Seu Audálio aproximara-se da massa 
Que tinha a filha da dor em seu poder; 
Sem enxergar risco nalgum enfrenta-a, 
E dela arrebata a jovem preste a sofrer 
Na carne a zanga dos que tiveram a alma 
Cominada por um severo padecer. 

Após o feito contempla a multidão 
De olhar ateu, queda e gesto tolhido; 
Sem discurso lídimo volve-lhe as costas 
E consigo a jovem refém de rosto lívido, 
Segue-o sem alcançar os fatos ao redor 
Nem absorve a ação do ancião destemido. 

 A cabeça pronta a expluírem neurônios, 
Talavam-lhe a mente insólitas questões: 
Fora arrancado a muque de sua casa 
E conduzida ali a gritos e empurrões,
Até ser salva por um anjo... Um pai... 
Que lhe atenuou as agruras, as aflições. 

Para trás ficara multidão indiferente, 
Cenho franzido ante a ação inopinada 
Que culminara em perversa frustração 
E que inibira a ira justa, acalentada, 
No seio torturado de uma razão incivil 
Cria ilógica da indecência estratificada. 

Findada a obra o semideus formidável 
Enleva-se: alma panda, rosto remoçado; 
A vida agora tinha sentido e nome, 
Osso e carne, quimera e rumo traçado, 
Com o nariz apontado para o além mar; 
Filha e pai ter-se-iam em casa lado a lado. 

No berço origem dos fatos demandados, 
A fera atormentada e o herói imenso 
Arriaram as dores da alma delinquida, 
Sob o olhar multiforme, fingido e denso, 
Ali aos pés da iníqua feiura humana 
Surrealismo fatal de brilho intenso. 

Exausta, queda-se. O flagelo da ira justo 
Gastara seu ânimo com esgares de dor: 
Exaurira o alento, o domínio do estro, 
O equilíbrio da palavra, o imo do interior; 
Até experimentara a cicuta que há no ódio 
E a truculência que embriagara o rancor. 

Sem suportar o calvário psíquico e moral 
Imposto pela cólera da ralé injustiçada, 
A jovem também vítima de outra vítima 
Da justiça que não é justa, mas viciada, 
A pratica de hasta privada de sentença 
Labéu que a torna desmoralizada. 

A carga emocional fragilizara suas forças, 
O próprio corpo lhe tornara um rude fardo, 
Os músculos perderam os movimentos, 
A visão turva, indefinida, tino ilhado, 
Esgotamento físico, espasmo... Desmaio: 
Até o preço da morte fora-lhe cobrado. 

Com o desmaio da jovem o velho Silva, 
Eleva a voz – Adelaide é nossa Rilmar! 
Venha ajude-a ela apenas se sentiu mal, 
E precisa muito de você para se alentar: 
Venha Adelaide é a nossa flor, a nossa filha, 
A encontramos veja-a, venha lhe amparar! 

A matriarca dos Silvas diligente e atenta 
Acolhera no colo a flor dos sonhos, dos ais; 
A prenda dos céus que lhe obrara alegria 
Felicidade suprema, emoções siderais; 
Dádiva nascida do atormentado humano 
Que bebera a dor nos seus velhos cristais. 

Aos cuidados extremosos do seio materno 
A presa lanhada da agressão emocional 
Tomada ainda das perturbações psíquicas 
Recobra alento no regaço cálido maternal, 
Sob o olhar zeloso da doçura e do amor 
Estatutos de mãe em seu ninho natural. 

 * * * 

 E, ainda sob a emoção que doira a alma, 
O velho Silva, disse: doutos da virtude, 
Há muito, os esperava meus rudes sonhos... 
Na vossa justiça a formidável solicitude, 
Cabe, portanto, filhos da deusa Ártemis, 
O selo justo que ardia na vossa juventude. 

Como dizia antes doutores, estes homens, 
Levaram à minha casa um grande mal; 
Sofri vinte e um anos penei duas décadas, 
Com repulsa irônica e escárnio moral, 
Desprezo, desdém, direito sem sustância, 
E fadiga da lei a minha condição social. 

Assim lutei, enfrentando a elite e a justiça, 
Irmãs siamesas afeiçoadas à perversão; 
Derrotei-as na derrota, venci-as na paz; 
Agora estamos na busca plena da razão, 
Acusados e vítimas aos pés do tribunal 
Esperando o veredicto da questão. 

O juiz disse: senhor Audálio tenha calma 
Desse modo a justiça não pode funcionar, 
A sua casa não é fórum nem tribunal, 
Um júri aqui não tem como se realizar, 
Além do mais falta o pessoal de apoio 
Para que possa as oitivas registrar. 

E também, os autos com a queixa crime, 
Peça elaborada pela polícia judiciária: 
Qualificação, declaração, a nota de culpa... 
E o relatório parte importante e necessária 
Com as principais informações no seu teor 
De forma sucinta, cronológica e ordinária. 

É necessária a presença das testemunhas 
Para que se dê credibilidade ao feito, 
Sem elas não se pode ter audiências 
É a doutrina que impõe esse conceito, 
A justiça sozinha é uma nau sem rumo
Que não ancora no porto do direito.

Outro fato que inibe a não realização 
De modo formal um julgamento popular, 
É a ausência do jurado, cidadão do povo, 
Sorteado como juiz de fato para atuar 
No conselho de sentença que terá o mérito 
E competência exclusiva para julgar. 

E, ainda convém lembrar aos senhores, 
Que um cidadão qualquer para ser julgado 
Deve contra ele existir uma forte acusação 
E indício claro do crime que fora praticado 
Só assim o ministério público terá condição 
De denunciá-lo, sobretudo fundamentado. 

Neste comenos, Dom Estevão interveio, 
Senhor juiz, eu posso me pronunciar? 
Como não – Respondeu o magistrado, 
O senhor pode e até deve se explicar: 
O justo é a abastança nobre do direito 
Que a justiça se obriga a lhe guardar! 

Obrigado excelência pelas palavras, 
As quais me deleitam, mas não as mereço. 
Antes me sedavam como canções de ninar 
E o meu eu servil refugiava lhes o endereço, 
Quantos colendos se prosternaram ante mim 
Oferecendo-me praça da justiça a seu preço? 

E no palco de “Ártemis” esses “chicanistas” 
Togados intocáveis, gênios doutrinadores: 
Homens-deuses imortais, filhos dos céus, 
Ilibados mestres, especialistas julgadores, 
Que oravam à lei, mas não rezavam à filha, 
Cega com as infâmias dos exímios doutores. 

Corrompidos de índoles saciei-lhes a gana 
Que nutriam desde sempre pelo vil metal; 
Ornei-lhes de sonhos, de gozos e luxúrias, 
Atiçando-lhes os prazeres, a vaidade pessoal, 
Tornando-os vândalos da ética, do costume, 
E iconoclastas perversos da conduta social. 

Quanto ao crime que me acusam, não nego: 
Cometi-o em sã consciência, sou culpado! 
Fiquei possesso com os desígnios de Deus 
Em trazer-me natimorto o amor cuidado 
E, o pior ainda, vê-lo inerte, sem brilho, 
Um deus sem céu, sem palácio, derrotado! 

Senti-me impotente, desolado e incapaz, 
Em reagir ao fato que me ardia em aflições; 
Todas as energias negativas do submundo 
Moveram partículas ígneas em turbilhões 
Atingindo a filha do sol e neta da lua, 
Patrimônio genético das minhas emoções. 

E sob a ira experimentada, eu gritei: Deus, 
Vós tirastes de mim a pérola mais preciosa! 
Abundastes em dobro a dor a minha casa; 
Destruístes a quimera paterna mais frondosa; 
Negastes a terra a minha progênie infausta, 
De forma rude, e cruelmente impiedosa. 

Exaltava-me de esplêndido sonho ser pai, 
Mas a estéril dama negava-me a felicidade! 
Curandeiros acudiam a minha ânsia em vão 
Até que um dia real fez-se a maternidade, 
Regozijos, festas, o lume intenso da nobreza, 
Ali palpável, numa pura e cristalina realidade. 
 
Todavia, dissera-me a ciência: em vão à luta. 
Na aridez nada germina, cria-se só vaidade! 
Justifica-se a filha fantasiosa o ufano prazer 
Dos incautos ávidos dos brios da paternidade? 
Quiçá, outros tolos creiam na ira dos deuses, 
E outros néscios, no desânimo da virilidade. 

A inexplicável concepção soara como frótola 
Na velha Itália, a quatro vozes: melodiosas! 
Doída como o lamento do infeliz “marrueiro”, 
Quando do amor sofreu, “chifradas poderosas” 
Assim, fora à nova, prodígio das insistências, 
Do eu desejo, nas cópulas áridas, infrutuosas. 

Hoje, sou apenas os ossos de um sonho vão, 
Que pereceu na arquitetura sem a arte do ser! 
Enganar-se- não é senão o oficio do tolo 
Que sonha o seu próprio mundo acontecer 
E morre em meio ao nada fugindo do obvio 
Sem alcançá-lo na tebaida larga do querer? 

 * * * 
Assim, Dom Estevão findara o seu discurso, 
Eloquente, incisivo, inflamado, arrebatador. 
Culpando os [guias dos olhos de Ártemis, 
Pela concupiscência que sujara o esplendor 
Da diva dos sonhos do semideus baiano, 
Águia de Haia, colendo de verve superior.
 
Marralla despertara em meio à preleção, 
Que fizera seu “pai” antes olhos inquisidores; 
Sentira apiedar-se pela primeira vez na vida 
Movida por sensações custosas nos horrores 
Da via-crúcis em que bebera a ira e o amor 
No calvário extremo das próprias dores.
 
Aproximara-se do infeliz com olhos de santa, 
Já que os de humano, talvez, fizessem-no cão. 
E quase imperceptível balbuciara: eu o perdoo! 
Agora vá que [os Meus] também lhe perdoarão, 
E livre-se da “justiça” com a mesma faculdade 
Que adquirira na seleta irmandade da podridão. 

Depois se voltara para os venais postos na sala, 
Fita-os... Um a um... Por fim, sentencia: acabou! 
O velho Audálio não contesta a decisão da filha 
Em remir o anjo infernal que tanto lhe aviltou 
E, com um olhar terno e meigo consulta Rilman, 
Que com ademanes singelos o ato referendou. 

Bem senhores: como disse minha filha, acabou. 
Podem ir. Vão em paz é o desejo da nossa parte, 
Seu Audálio mais diplomático agora filosofa: 
O meu fim propõe um começo, como na arte, 
Que começa pelo fim a obra e ai nasce à vida 
Que se eterniza, em oposição à filha de marte. 

Os crentes da maldade deixaram a casa/tribunal 
Como se os seus crimes já estivessem relevados; 
Os Silvas se recolheram em si para louvação 
E navegaram nos sonhos nunca navegados, 
Abraçaram-se num abraço de carne e sangue, 
Ante as vontades prazerosas dos afortunados. 

Com ares de vencedores, os náufragos da vida, 
Largaram os Silvas da fé aos motejos do poder. 
Lá fora a massa rouca só respirava ar e justiça, 
Os opostos se contraem e se achegam para ver 
Os olhos de Atêmis abertos nos olhos do povo 
E, incrédulos veem a ira da choldra renascer. 

E, posta ainda ali, sedenta estava à multidão, 
Consubstanciada no principio da igualdade 
Não conteve a ira santa ante o quadro cruel 
Banquete dantesco da mais tirana insanidade 
Em tela, ao vivo, réus e justiça fidus Achates, 
Aos olhos do povo que se ardiam em verdade. 

Os súcios inflados dos bafejos fidos do poder 
Ousaram peitar a ralé atrozmente inspirada, 
Logo foram julgados, condenados e trucidados, 
Seus corpos atassalhados até a ira extremada 
Do homem que o próprio homem escravizara, 
Em sua ânsia de potência, feroz e indomada. 

A fúria da turba ganhara ânimo irrefreável 
A violência espalhara-se acima da razão: 
A vida estava a um sopro da intolerância, 
A morte a um passo rude da crua danação 
Infligida com excesso de uma vaidade fria 
Fertilizada n’alma sem chances de perdão. 

O conflito atingira a robustez de Atlântida, 
A animalidade emergira em oposição à mente 
Que assumira grandeza de feição colossal 
Matando o sistema que inspirara insolente 
Leis que segregaram o humano pelo humano 
E feriram a humanidade judiciosa da gente. 

Atlântida tornara-se um campo de batalha, 
Julgava-se a intolerância com intolerância; 
A ideia em desuso não cuidara erguer a paz 
Indigente derrotada aos pés da rutilância 
Do ódio veneno letal da mente e do corpo 
Que o meio produz desde a tenra infância. 

Em ruínas por insaciabilidade da cobiça 
E destroçada por um ideal de cruel vigor, 
AZTRAN sob os escombros da nobreza 
Afligira-se em torrente lamuria o cruor, 
Que exibira com loucura a ira justa 
Na inculta razão da incivilidade do rigor. 

Confrangida ao extremo e sem lampejo 
De quimera que iluminasse a face morta, 
Declinara a vergonha sobre peito inflame 
Lamentoso como os quícios de uma porta, 
Que sofreram oxidação por entre os tempos 
Assim como a dor que ninguém suporta. 

A fereza da ralé ostentara nova linguagem 
Por mente em eras antes nunca alcançada 
Tamanha bruteza só em visão apocalíptica 
Que o siso humano jamais vira expressada 
Em nenhuma biografia dos piores tiranos 
Assinalada violência ficara registrada. 

Há! A choldra. A choldra velha, às vezes nova, 
Ás vezes, apenas a choldra omissa sem causa, 
Sem rumo; ás vezes redentora, às vezes morta! 
É... A choldra, ás vezes, revolucionária em casa, 
Ás vezes pelega nas ruas, às vezes sem e nem, 
Ás vezes das vezes sem vez, sem ar, sem asa! 

Os horrores em Atlântida orçaram o inferno, 
Consumara-se o oráculo do Frei profeta: 
Esta terra nadará em “sangue”, e se cobrirá, 
De uma sombra verde, e ficará “deserta”, 
Por longínquos tempos, viverá sem “destino”, 
Até a vinda de um povo de índole modesta. 

E, ainda hoje, há um miasma em AZTRAN, 
Oriundo da gordura sociável da perversão 
Que saciaram vorazes anelídeos do povo, 
Espectros de santo nos aras da abjecção 
Assassinos da ordem que definharam almas, 
Filhos do diabo, anhos fiéis da corrupção. 
 
AZTRAN, AZTRAN dos idos novos vícios, 
Ainda vive errante nas “quebradas do sertão”, 
Descansa das andanças no vale de igubas 
Cumprindo-se o pressagio de admonição 
Proferido pelo visionário prior germano 
Á rebelde libertina da divina razão. 

Movida de esperança vive um fatal desprezo
Opróbrio afeito às nulidades de seus varões 
Rambles justos dados às ronhas e sofismas,
 Artes cultuadas dentre as antigas tradições 
Insólitas àqueles que veem há anos luz 
Suave refrigério às futuras gerações.

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