A POESIA POPULAR


 A poesia popular é uma manifestação artística cultural que dimana da sensibilidade criativa e intelectual do povo. Suponho que foi observando a sonoridade idêntica que existem entre certas palavras, que surgiu a idéia de ordenar-las em uma, duas ou mais linhas originando dai à poética. De posse desse excepcional fenômeno, o povo pôde através de seus vates, encontrar enfim uma forma de manifestar-se, passando a narrar em versos os fatos históricos importantes, os grandes amores, as paixões siderais, o heroísmo dos valentes, as lendas, os mitos, as guerras e as festas religiosas.  
Fala-se muito sobre a origem possível da poesia popular, fato que demandará esforço físico e mental e disponibilidade de tempo, de muito tempo para se chegar a bom termo. Temos algumas informações que nos remetem ao século XII, d.C, dando conta de que as primeiras manifestações da literatura popular ou literatura “oral” ou literatura de cordel ou literatura do povo, ocorreram no ocidente com os peregrinos que se encontravam no sul da França, em direção à Palestina; no norte da Itália, para chegar a Roma; e ainda na Galícia, no santuário de Santiago de Compostela.
Outras, no entanto, nos levam a Portugal, aonde a poesia popular circulava com o nome de folhas volantes ou folhas soltas e, sua chegada a esse império se deu por volta do século XVI e/ou XVII; e nesse contexto histórico, segundo Teófilo Braga, a venda e a divulgação dessas “folhas” se tornaram prerrogativas de cegos.    
 Sabe-se também que esse mesmo tipo de literatura era denominado de “Pliegos sueltos” na Espanha, fato recorrente também em muitos países da America latina; exceto Nicarágua, México, peru e argentina que a nomearam de “Hojas” e/ou “Corridos.
Na França surgiu sob a designação de “litterature de colportage” ou de literatura ambulante, tinha seu foco principal voltado, sobretudo para as pulsações da lida do meio rural através de “occasionneis”, sendo que nas cidades predominavam os “canard”.
Na Inglaterra, folhetos iguais aos da nossa literatura de cordel, eram correntes e designados de “Cocks” ou “catchpennies”, eram romances e histórias do imaginaria; e “broadsides” estes folhas volantes sobre fatos históricos e circunstanciais diversos.
Possivelmente, o ano de 1830 marca historicamente o início da poesia popular no nordeste brasileiro, estão entre os representantes principais os poetas mal-assombrados, Ugolino Nunes da Costa e seu irmão Nicandro Nunes da Costa, filhos do famoso poeta Agostinho Nunes da Costa, natural de São João do Sabugi – RN. Estes bardos cantadores da poesia pé de parede se utilizavam de alguns instrumentos para acompanhá-los nas cantorias, tais como: a viola, o pandeiro, a rabeca e ou o ganzá.
Na última década do século XIX, sugerem algumas leituras, que poetas populares Paraibanos, migraram para o Estado de Pernambuco, fugindo de dificuldades econômicas, climáticas ou a procura de espaços para divulgarem a literatura de cordel, a grande maioria radicalizou-se na capital. No Recife, esses poetas encontraram um terreno infinitamente fértil para disseminar o vírus cultural dessa literatura: além das condições econômicas favoráveis às realizações, ainda receberam influencias do movimento intelectual poético crítico, filosófico, sociológico, folclórico e jurídico de 1860 e 1880, conhecido como a “Escola do Recife”, que alargou horizontes importantes, sob influxo de Tobias Barreto, Joaquim Nabuco e o sideral Castro Alves. A década fora promissora, dizem as leituras, porque ainda brilhavam os raios luminosos do saber; persistiam as discussões acirradas que aqueciam as mentes e os espíritos belicosos e, as prodigiosas polêmicas excitavam a sociedade que respondia com elevado entusiasmo e empolgação.
Dentre os poetas paraibanos que experimentaram um “pouco” desse legado extraordinário que foi o imensurável colosso da “Escola do Recife”, estão: Leandro Gomes de Barros nasceu no sitio “melancia” município de Pombal - PB, em 19 de novembro de 1865 e faleceu no Recife - PE, em quatro de março de1918; Silvino Pirauá de Lima nasceu no município de Patos – PB, no ano de 1848, em 1898 migrou para o Recife onde fixou residência, faleceu em 1913 na cidade de Bezerros – PE; João Martins de Ataíde nasceu em cachoeira de Cebolas, povoado de Ingá de Bacamarte – PB, em 23 de junho de 1880, na seca de 1898 migrou para Pernambuco, radicalizando-se no Recife, faleceu na cidade de Limoeiro – PE, em 1959; Francisco das Chagas Batista nasceu na vila do Teixeira - PB, em cinco de maio de1882, faleceu em João Pessoa - PB, em 26 de janeiro de 1930. Em 1900, vendia água e lenha e estudava em Campina Grande – PB, e em 1902 escreveu seu primeiro folheto, “saudades do sertão”. Em 1905 vendeu folhetos no Recife, e em Olinda esteve no seminário, mas passou pouco tempo por lá.
Mas, em fim o que é poesia popular? Suponho ser o modo puro e direto de animar e consolar os espíritos fadigados através da arte de fazer versos. Cantar os sentimentos do povo cuidando-lhe dos sonhos, ironizando as dificuldades, exibindo o fantástico e construindo cenas do dia-a-dia numa linguagem simples, sem mistificar a realidade, mas apresentando sempre o mundo literalmente real. O poeta Patativa do Assaré, faz uma comparação do poeta popular com o poeta clássico (cantor de rua) quando diz no início do seu poema “Cante lá que eu conto cá” – poeta, cantô de rua/ Que na cidade nasceu/ Cante a cidade que é sua/ Que eu conto o sertão que é meu – nas estrofes 11, 12 e 13; fica demonstrado, portanto, nesse aspecto, o quanto a poesia clássica se distancia da realidade para viver o mundo mágico das ilusões. Veja o que disse Patativa:     

Seu verso é uma mistura,
É um tá sarapaté,
Que quem pouca leitura,
Lê, mais não sabe o que é.
Tem tanta coisa incantada,
Tanta deusa, tanta fada,
Tanto mistéro e condão
E ôtros negoço impossive,
Eu canto as coisa visive
Do meu querido sertão.

Canto as fulô e os abróio
Com todas coisa daqui:
Pra todo canto que eu óio
Vejo um verso se bulí.
Se as vez andando no vale
Atrás de curar meus male
Quero repará pra serra,
Assim que óio pra cima
Vejo um diluve de rima
Caindo inriba da terra.

Mas tudo é rima rastêra
Da fruita de jotobá,
De fôia de gamelêra
E fulô de trapiá,
De canto de passarinho
E da poêra do caminho
Quando a ventania vem,
Pois você já tá ciente:
Nossa vida é diferente
E nosso verso também.

À distância a que nos referimos acima, fica evidente na técnica refinada, na elaboração das imagens e no tom eloqüente dos versos marca registrada dos poetas clássicos. Outro aspecto importante é a migração de poetas populares para o meio clássico, às vezes, chegam até a ignorar as suas origens. Essa migração sempre se dá por três motivos possíveis: ascensão cultural, social ou econômica, fato inerente também as pessoas. A verdade é que quando se verifica certo nível de melhoria nas condições de vida, as pessoas tendem aprimorar as necessidades e refinar-se desprezando suas raízes, isso ocorre porque, dizem os novos clássicos, as concepções mudam e se aprofundam em direção ao esplêndido, o olhar simples passa a ser critico e exigente, despertam as regras que movem o “bom gosto” que sugere o belo e como conseqüência às artes clássicas.
Também, se pode afirma que a poesia não se originou em um único lugar, região ou País, a poesia tem sua origem na palavra, e esta criada apenas para “conferir designações às coisas”, encantou o homem e perpetuo-se como a primeira das artes. Estudiosos levantam questões as mais diversas para apontar a origem ou determinar o lugar de onde veio à poesia, mas creio ser esforço inútil. Relata a história que Homero foi o maior poeta Grego de todos os tempos, autor das obras Ilíadas e odisséias que tratam da civilização desse povo maravilhoso e que viveu entre os séculos 9 e 8 a.C, e acredita-se que sua vida vai até 700 a.C. Suponho ainda, que antes desse fabuloso poeta Grego, tenha existido outros tão fabulosos quanto ele: em impérios, reinos, colônias, estados e/ou cidades estados. Só que as obras desses poetas não chegaram os nossos dias, ao contrario das de Homero, isto por razões obvias, tais como: invasões, guerras, tirania e perseguições.
Todavia, países invasores do passado como: Inglaterra, Espanha, Holanda, França e Portugal, além de cometerem inominável violência aos países invadidos, ainda pilhavam suas riquezas e destruíam a identidade cultural do povo. Diferentemente do império Romano (não que esse império tenha sido bonzinho, isso não); mas procurava preservar a identidade do povo dominado para evitar problemas, segundo o poeta latino Horácio. Portanto, considerando a chegada desastrada dos espanhóis às Américas, poderíamos chamá-los de iconoclastas perversos e não colonizadores, que o diga os povos “Incas e Maias”, que habitaram às Américas.
Pouco ou quase nada restou da cultura exuberante desses povos. Certamente nessas sociedades havia poetas, escritores, pintores, músicos enfim, artistas. Quem eram eles? Como viviam? Onde estão as suas obras? Quem as guardou ou quem as escondeu? Ora, esses povos tinham uma cultura de um nível muito elevado para os padrões da época, algumas relíquias ainda existentes provam isto, mas são apenas retalhos dessas sociedades grandiosas e nada mais. Outros povos povoaram o mundo e legou suas culturas a posteridade, mas em que mundo elas estão?
As dúvidas pairam sobre uma nevoa densa de um passado longínquo e nebuloso, as explicações não convencem, sobram perguntas sem respostas. Assim, suponho que a poesia sempre esteve presente na vida dos povos; popular ou clássica não importa de onde veio e nem pouco ou muito me interessa. Apenas encho-me de alegria em saber que a primeira verso foi obra de Deus, “Que exista a luz”! E a luz começou a existir.