domingo, 1 de maio de 2022

HOMENAGEM PÓSTIMA


AO MEU IRMÃO – SEBASTIÃO LUCENA DE MORAIS.

(BASTO DE SEVERINA DE AMARO BENTO)

Mário Bento de Morais

As homenagens, às vezes, soluçam para confortar os vivos, porquanto, se de fato existe um conforto para os que aqui ficaram tiranizados pela dor da morte do ente querido certamente, tais homenagens deverão se tornar sempre vivas, celebradas como hinos enaltecedores.

O instante extremo – volta ao regaço maternal – enseja a prole um singulto asfixiante, aos amigos um mutismo flagelador; ao povo que o admirava numa explosão de lamentos ensurdecidos, libertados em sussurros estridentes que lhe vem do íntimo do coração: “Deus lhe dê um bom lugar”!

Até creio não ser preciso desejar que a terra lhe seja leve, porque na terra onde se nasce nada sobre o corpo pesa, a julgar pelo ardor que dela carregamos por toda vida dentro do peito. De modo que o pardal bronzeado pelo sol da ninfa do sabugy fez o último voo com os remígios das asas extenuados, porém, mesmo assim, ganhara alturas para alcançar solenemente os sublimes alcantis do paraíso!

De fato, o pardal de têmpora ríspida para aqueles que tinham por consciência o desprezo pela verdade, não os inspirava, mas o tratavam como incivilizado descortês; enquanto para muitos que saboreavam o seu estilo único, incisivo, lidimo, era um balsamo porque lhes traziam à tona a essência da dignidade!    

Com efeito, às vezes, não raro, o guapo se expressava conduzido pela alma espirituosa de sertanejo lhano, embora acostumado às agruras lhe ofertadas pela onzena desenfreada de homens ladinos, por isso lhe fugia à compreensão do sentido traquejado dos sagazes, que impunham para muitos a humilhante sujeição como paga ao dedicado servilismo e, por isso, com rasgado ânimo cuidara levar descômodos a coercivos disfarçados de deuses. Deveras, pois, quem na vida, embora movido por um estado de brio justificado à convicção individualmente pétrea, numa ação que lhe move o espírito irrequieto não tenha causado contra censo à lógica dos melindres “incomuns”? Convencionalmente considero, que ninguém!

Vivo esvoaçou imponente pela Boa Vista. Sondou o passado das nativas manifestações. Buscou o estro nas histórias dos antigos mestres do fole: Bical, Felinto, Severino Bezerra, Zequinha de Equador, Antônio Limoeiro, Daniel Rocha, Manoel Cazuza, Jurandir, Cícero e outros que não lembro o nome no momento. Viajou nas asas de Gonzaga. Liderou uma juventude ávida pela memória cultural dos ancestrais. Empreendeu a criação da “Quadrilha Matutos do Morumbi”. Fato memorável que marcou e produziu consciência cultural à cidade, embora, sendo limitado intelectualmente, era zeloso pela cultura do matuto sertanejo, tornando-se um extraordinário animador cultural no período junino. Ao seu lado brilhava como coadjuvante na empreitada do resgate as manifestações do povo uma esplêndida estrela, que fora durante anos a santa protetora nas adversidades e atropelos da vida, a sua dedicada esposa Maria da Conceição Bezerra de Morais, que gostava da antonomásia “Maria de Basto”.   

Desse homem, tantas vezes casmurro aflorava outras vezes solicito afável, polido, cordial. Esse varão de origem humilde trazia nas feições e na pele os legítimos traços da etnia cabocla, relíquia hereditária dos seus antepassados. Veio conhecer a terra no fim do inverno, no dia 14 de março de 1952. Na pia batismal recebera o nome de Sebastião Lucena de Morais, mas logo, ainda na adolescência ganhou a alcunha de “Basto de Severina de Amaro Bento” numa referencia aos seus pais, Amaro Bento de Morais e Severina Lucena de Morais, costume autêntico do sertanejo e, desde então lhe vibrava na genética os dizeres dos sábios que lhe soavam como músicas de ninar desde a mais tenra infância, que orava: “a prudência excessiva é a parenta mais próxima de todas as formas de acomodações que desmoralizam os homens fracos, sem falar na timidez congênita que tem sido a perdição de tantos valores humanos”.

Esse lidador implacável no cumprimento do dever era um monge austero para consigo mesmo, quando operava as maquinas pesadas, nas quais se profissionalizou com refinado desvelo. Tornou-se por mérito um exímio encarregado de obras em terraplenagem e asfaltamento. Provou a capacidade como encarregado quando assumiu a execução da PB251, que liga São Mamede na Paraíba, sua terra natal, à cidade de Ipueira no Rio Grande do Norte, recebendo pelo trabalho realizado honrosos elogios e convites para executar outras obras Brasil a fora.    

Porém, “Disse um filósofo que Deus, antes de tudo, fez o medo. E, dizemos nós, como um Deus descansado é um Deus pródigo, coube a muitos o defeito. E o medo avassalou o mundo, deprimindo espíritos, esmagando consciências. Medo da vida, medo da morte, medo de tudo. Esse infeliz sentimento generalizado formou e cevou no ventre fecundo monstros de audácia e iniquidade, vândalos da cobiça e da espoliação, frios estranguladores da liberdade; alimentaram tiranias afrontosas, imposturas hediondas, nefastos balcões de enganos a preço do sangue. Tudo se escravizou, em nome do medo, por causa do medo, à custa do medo. Continuando Sua obra, depois de fazer o Universo uma vastidão de sóis, Deus fez do humano coração um universo de sombras. Mas, criou a fé – escudo das almas; criou a esperança – tesoureira dos sonhos; criou a caridade – Santo Viático das moradas eternas. Ao fim de tantos prodígios, cansou. E um Deus cansado é um Deus somítico. Na lassidão da divina estafa, ao cabo de tudo, Deus fez a coragem. E coube a poucos a virtude. Mas esses poucos, por desígnio da Providência, tornaram-se arnês, elmo a lança da humanidade, os Davids do gênero humano, cavaleiros andantes da justiça social, da ordem, da paz, do entendimento entre os povos, da defesa da dignidade da pessoa humana, da comunhão universal”.

Todavia, o medo nunca lhe fora páreo! Venceu-o sempre. Era uma magnífica fortaleza humana! Mas, diz a sabedoria popular, os fortes não morrem, galgam os degraus do infinito para encontrar a paz almejada. Se pudéssemos lhe perguntar, por que o partiu? A resposta seria: eu venci a melhor batalha para está ao lado dos meus ancestrais. Arei no estio para colher no inverno os frutos da nossa tradição. Não deixem morrer com os que morrem o que é regozijo dos vivos, a alegria da “Quadrilha Matutos do Morumbi” em nossa memória! Basto de Amaro e Maria de Basto.

 

São Mamede, 01 de maio de 2022

 

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