AO MEU IRMÃO – SEBASTIÃO LUCENA DE MORAIS.
(BASTO DE SEVERINA DE AMARO BENTO)
Mário Bento de Morais
As homenagens, às vezes, soluçam para confortar
os vivos, porquanto, se de fato existe um conforto para os que aqui ficaram tiranizados
pela dor da morte do ente querido certamente, tais homenagens deverão se tornar
sempre vivas, celebradas como hinos enaltecedores.
O instante extremo – volta ao regaço maternal –
enseja a prole um singulto asfixiante, aos amigos um mutismo flagelador; ao
povo que o admirava numa explosão de lamentos ensurdecidos, libertados em sussurros
estridentes que lhe vem do íntimo do coração: “Deus lhe dê um bom lugar”!
Até creio não ser preciso desejar que a terra
lhe seja leve, porque na terra onde se nasce nada sobre o corpo pesa, a julgar
pelo ardor que dela carregamos por toda vida dentro do peito. De modo que o
pardal bronzeado pelo sol da ninfa do sabugy fez o último voo com os remígios das
asas extenuados, porém, mesmo assim, ganhara alturas para alcançar solenemente os
sublimes alcantis do paraíso!
De fato, o pardal de têmpora ríspida para aqueles
que tinham por consciência o desprezo pela verdade, não os inspirava, mas o tratavam como incivilizado descortês; enquanto para muitos que saboreavam o seu estilo
único, incisivo, lidimo, era um balsamo porque lhes traziam à tona a essência da
dignidade!
Com efeito, às vezes, não raro, o guapo se
expressava conduzido pela alma espirituosa de sertanejo lhano, embora
acostumado às agruras lhe ofertadas pela onzena desenfreada de homens ladinos,
por isso lhe fugia à compreensão do sentido traquejado dos sagazes, que impunham
para muitos a humilhante sujeição como paga ao dedicado servilismo e, por isso,
com rasgado ânimo cuidara levar descômodos a coercivos disfarçados de deuses.
Deveras, pois, quem na vida, embora movido por um estado de brio justificado à
convicção individualmente pétrea, numa ação que lhe move o espírito irrequieto
não tenha causado contra censo à lógica dos melindres “incomuns”? Convencionalmente
considero, que ninguém!
Vivo esvoaçou imponente pela Boa Vista. Sondou
o passado das nativas manifestações. Buscou o estro nas histórias dos antigos mestres
do fole: Bical, Felinto, Severino Bezerra, Zequinha de Equador, Antônio
Limoeiro, Daniel Rocha, Manoel Cazuza, Jurandir, Cícero e outros que não lembro
o nome no momento. Viajou nas asas de Gonzaga. Liderou uma juventude ávida pela
memória cultural dos ancestrais. Empreendeu a criação da “Quadrilha Matutos do
Morumbi”. Fato memorável que marcou e produziu consciência cultural à cidade,
embora, sendo limitado intelectualmente, era zeloso pela cultura do matuto
sertanejo, tornando-se um extraordinário animador cultural no período junino.
Ao seu lado brilhava como coadjuvante na empreitada do resgate as manifestações
do povo uma esplêndida estrela, que fora durante anos a santa protetora nas
adversidades e atropelos da vida, a sua dedicada esposa Maria da Conceição
Bezerra de Morais, que gostava da antonomásia “Maria de Basto”.
Desse homem, tantas vezes casmurro aflorava
outras vezes solicito afável, polido, cordial. Esse varão de origem humilde
trazia nas feições e na pele os legítimos traços da etnia cabocla, relíquia
hereditária dos seus antepassados. Veio conhecer a terra no fim do inverno, no
dia 14 de março de 1952. Na pia batismal recebera o nome de Sebastião Lucena de
Morais, mas logo, ainda na adolescência ganhou a alcunha de “Basto de Severina
de Amaro Bento” numa referencia aos seus pais, Amaro Bento de Morais e Severina
Lucena de Morais, costume autêntico do sertanejo e, desde então lhe vibrava na
genética os dizeres dos sábios que lhe soavam como músicas de ninar desde a
mais tenra infância, que orava: “a prudência excessiva é a parenta mais próxima
de todas as formas de acomodações que desmoralizam os homens fracos, sem falar
na timidez congênita que tem sido a perdição de tantos valores humanos”.
Esse lidador implacável no cumprimento do dever
era um monge austero para consigo mesmo, quando operava as maquinas pesadas,
nas quais se profissionalizou com refinado desvelo. Tornou-se por mérito um
exímio encarregado de obras em terraplenagem e asfaltamento. Provou a
capacidade como encarregado quando assumiu a execução da PB251, que liga São
Mamede na Paraíba, sua terra natal, à cidade de Ipueira no Rio Grande do Norte,
recebendo pelo trabalho realizado honrosos elogios e convites para executar
outras obras Brasil a fora.
Porém, “Disse um filósofo que Deus, antes de
tudo, fez o medo. E, dizemos nós, como um Deus descansado é um Deus pródigo,
coube a muitos o defeito. E o medo avassalou o mundo, deprimindo espíritos,
esmagando consciências. Medo da vida, medo da morte, medo de tudo. Esse infeliz
sentimento generalizado formou e cevou no ventre fecundo monstros de audácia e
iniquidade, vândalos da cobiça e da espoliação, frios estranguladores da
liberdade; alimentaram tiranias afrontosas, imposturas hediondas, nefastos
balcões de enganos a preço do sangue. Tudo se escravizou, em nome do medo, por
causa do medo, à custa do medo. Continuando Sua obra, depois de fazer o
Universo uma vastidão de sóis, Deus fez do humano coração um universo de
sombras. Mas, criou a fé – escudo das almas; criou a esperança – tesoureira dos
sonhos; criou a caridade – Santo Viático das moradas eternas. Ao fim de tantos
prodígios, cansou. E um Deus cansado é um Deus somítico. Na lassidão da divina
estafa, ao cabo de tudo, Deus fez a coragem. E coube a poucos a virtude. Mas
esses poucos, por desígnio da Providência, tornaram-se arnês, elmo a lança da
humanidade, os Davids do gênero humano, cavaleiros andantes da justiça social,
da ordem, da paz, do entendimento entre os povos, da defesa da dignidade da
pessoa humana, da comunhão universal”.
Todavia, o medo nunca lhe fora páreo! Venceu-o
sempre. Era uma magnífica fortaleza humana! Mas, diz a sabedoria popular, os
fortes não morrem, galgam os degraus do infinito para encontrar a paz almejada.
Se pudéssemos lhe perguntar, por que o partiu? A resposta seria: eu venci a
melhor batalha para está ao lado dos meus ancestrais. Arei no estio para colher
no inverno os frutos da nossa tradição. Não deixem morrer com os que morrem o
que é regozijo dos vivos, a alegria da “Quadrilha Matutos do Morumbi” em nossa
memória! Basto de Amaro e Maria de Basto.
São Mamede, 01 de maio de 2022
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