domingo, 23 de agosto de 2020

A EXCELÊNCIA O VALE DO SABUGY


Oh! Deusa do primoroso siso,

Dai-me a força motriz que eu preciso

Pra que eu cante triste o estertor

Das almas mortas de peles nuas

Expostas nas calçadas das ruas

Esmolando sobejos de amor.

 

Enfim, quem são essas miseras almas?

São as herdeiras íntimas das palmas,

Que medraram a malta à fartura...

Com as mãos sem almas, mas em palmas,

Fantasmas frágeis, vidas em traumas

Sob surdos aplausos da loucura.

 

Dos céus o Divino assiste o drama

Desses espectros postos à lama

Por ordem da limpeza vital,

Da valha casta vil brasileira,

Lume que destruirá a videira

Colosso da impureza real.

 

Oh, Meu Deus supremo de olhos justos!

Olheis como Verbo entre os arbustos

Espinhosos, tão grande horror!

Desfilando festo além da praça

Humilhação perversa que esgarça

As almas que padecem de dor.

 

Dessas almas segregam-se os sonhos

Bichos feios de olharem medonhos,

Dispersos entre as palmas das almas!

Que entre olhos cegos vivem o breu

Do gueto que mutila o plebeu

Em meio a sonhos tolos e traumas.

 

As almas vivem os sonhos morrem,

As palmas soam, os gritos correm

Sem almas, lerdos, buscando um norte...

As palmas mortas de dores vivas

As almas vivas em mãos cativas

Solenemente aplaudindo a morte.

 

Deixem-nas que vivam essas pobres

Almas de míseros sonhos nobres,

Que penam dores em vidas mortas!

Se mortas deem-lhes graças vivas

Se vivas libertem-nas altivas

Para que durmam entre idiotas!

 

Já os néscios a sombra das luzes,

Choram a caridade entre as cruzes

Dos insepultos vultos em vida;

Almas nutridas de calma e morte

Alegam a Deus em sangue a sorte

Severamente desprotegida.

 

E as palmas raras das almas calmas

Ferem a calma santa das almas,

Que sonham o sonho irreal

Das almas que flutuam aladas

Entre aquelas almas já penadas,

Que purgam no universo moral.

 

Ah! Se o Justo contemplasse as almas,

Que padecem em penadas palmas

Sob o olho do monstro capital!

Talvez, sentisse a pena da pena

Moral vil de tediosa cena

Símbolo do mundo desleal.

 

E tu deste mundo, ò almas ronhas,

Sobrestem as sensações medonhas,

Que crestam os ânimos da gente

E nutrem a verdade inflexível,

Graça humana do bem visível,

Que alimenta a bondade da mente.

 

Porém, a esmo toda rudez mental

Fere o cognitivo social

Da frágil condição de viver,

Anônimo que sorrir sem arte

No submundo vive e depois parte

Na morte que nunca quis morrer.

 

Urdir sonhos cria sensações

As quais alimentam as paixões

Da ordem morta do interesse mudo

Que não escuta a forte voz fraterna

E cala na garganta moderna

Do grito inorgânico do surdo.

 

E, no lajedo íngreme in extenso

Burilou-se o fado em talho denso

Nas almas que ferem a vã estética,

Tese feia que aflige e extasia

O olho que só sente fantasia

Sob crivo fantasioso da ética.

 

E a verdade se extenua aos poucos

Na intelectual cela dos loucos,

Niilistas do luxo fatal!

Que cuidam dos sofismas caídos

Construídos nos mundos falidos

Causando o sistema natural.

 

Na teia vil da íntima existência

Das almas frágeis de escassa essência

Arrancam-lhes ainda as virtudes,

Destroçam-nas cônscios jocosos

Manietam berços valiosos

Sob o olho de vãs solicitudes.

 

E, se querem almas velhos sonhos,

Teçam-nos em apriscos medonhos

Como fez Luiz ao chegar á glória;

Pesem com brilho justo os mitos

Legenda, ás vezes, nos faz contritos

Muito antes de nascer á história.

 

Galgar o mundo é prazer que induz

Os homens que só miram a luz

Do eu senhor em meio à tempestade

Das almas que fitam a justiça

Lady cega que cede a cobiça,

Megera que zomba da igualdade.

 

Já os donos de nós flamam-se aflitos

Com a mulher dos seios benditos,

Plenos, cheios que lhes dão vigor,

E, se ás vezes, causam seu poder,

Por estirpe podem exercer,

O jugo a nação inferior.

 

Esses donos feros de obra e nomes

Leem jugos ás almas infames

De berço em razão de sua glória;

Vencem almas à cadeia escrava

Do santo que age na classe brava

A sorte no solo da história.

 

Exortam a paz de face crua,

Farsa épica que se perpetua

Nas cavernas dos alcoviteiros,

Súcias divas irmãos do crime

Inquices vãs que a ninguém redime

Guias torpes dos falsos obreiros.

 

E as almas honradas de mãos postas

Oram lassas as cargas das costas

Sob o riso cruel da moral

Que o justo explora na escuridão

Das almas torturadas em vão

Debaixo da santa lei venal.

 

Eia! A idade viçosa do mundo,

Que testilha as almas lá no fundo

Da humana ilhota atormentada:

Com dons a tecer felicidade

Nos fossos da insensibilidade

Da elite que pena enfatuada.

 

Essa gente tonta busca a esmo

Nos restos sandios de si mesmo,

O complexo do ser sem a essência,

Sem âmago o ser é alegoria

Espectro, fábula, teoria

Urdida n’alma da decadência.

 

Erguer almas tem-se instituições

Sólidas, faustas sem mandões,

Nem gênios acima do sol,

Apenas a vida em plena rua

Sem a lei que grife a pela nua

Das almas que fitam o arrebol.

 

Nas palmas aos céus a redenção,

Até Picote aponta à amplidão

Em louvação a serra da cozinha,

Já viram beleza igual no mundo?

Ali Cristo pregou e orou profundo

Pela liberdade sua e minha.

 

Depois chorou o pecado covarde,

Que usa a força na fragilidade

Do outro fraco anulando-o em vida,

Cultura hostil que aflige almas

Nas ruas feias das urbes calmas

Quando até a palavra é proibida.

 

Mário Bento de Morais

 

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