domingo, 6 de novembro de 2011

JOÃO BATISTA DE SIQUEIRA - CANCÃO


João Batista de Siqueira – deus da literatura popular, o imortal Cancão. Nasceu no dia 12 do mês da “Virgem Maria”, do ano de 1912, no sítio Queimadas município de em São José do Egito, solo pernambucano. Ali passou toda sua existência. Em 1950 deixa de cantar e passa a viver recluso no seu reino encantado. Faleceu no dia 5 de julho de 1982, em seu lindo berço. No ano de sua morte houve em Patos – PB, um festival de violeiros. As maiores duplas do Brasil vieram participar do belíssimo evento. Uma dupla em particular despertou o entusiasmo do público após o anuncio do mote para sete sílabas. Morrei um cancão sem penas/deixando pena pra nós”, foi uma apoteose! E para coroar o mote o poeta Severino Ferreira (in memória) teve a felicidade de improvisar esta maravilha.

“A morte tomou chegada

E dele calou a voz,

Antigamente ele era

Um dos grandes rouxinóis

Pra ele rezei novenas

Morreu um cancão sem penas

Deixando pena pra “nós”. (fragmento)

CANCÃO é autor do hino SONHO DE SABIÁ. O poema conta a tristeza de um sabiá após cair em uma armadilha, um alçapão. Preso em uma gaiola o passarinho entristece e um dia sonha com a liberdade. O poeta usa todo seu potencial de matuto amante da natureza para denunciar as atrocidades do homem ao “cantor da mata. Vejam fragmento da ultima estrofe. “Assim o cantor da mata/ferido da sorte ingrata/ no outro dia morreu” Agora vamos ao poema.

Um sabiá diligente

Voou pela vastidão

Mas por inexperiente

Caiu em um alçapão

Depois de aprisionado

Ficou mais martirizado

Pensando no seu filhinho

Implume, sem alimento

Exposto à chuva e ao vento

Sem poder sair do ninho.


Deram-lhe por seu abrigo

Uma pequena gaiola

No casebre de um mendigo

Que só comia de esmola

Só vivia cochilando

Com certeza imaginando

Sua liberdade santa

Ia cantar, não podia

Que sua voz se perdia

Logo ao sair da garganta.


Tornou-se a pena cinzenta

Em seu profundo castigo

Na Salete fumarenta

Da casa do tal mendigo

Sempre triste arrepiado

Nesse viver desolado

Ia um mês, vinha outro mês

Assim completou um ano

Sentindo seu desengano

Nunca cantou uma vez.


Depois, uma tarde inteira

O pobre do passarinho

Sonhou que ia a palmeira

Onde tinha feito o ninho

Olhava, em frente, as campinas

Via por trás das colinas

A natureza sorrindo

Ao sentir a liberdade

Pensou ser realidade

Sem saber contou dormindo.


Depois, sonhou que voltava

À terra dos braunais

Por onde sempre cantava

Ais outros sabiás

Voava nas ribanceiras,

Pousava nas laranjeiras

Olhando o clarão do dia

Voava através do monte,

Voltava a beber na fonte

Que todas manhãs bebia.


No sonho via as favelas

Criadas nos carrascais

Voou, baixou, pousou nelas

Cantou os seus madrigais

Voltou, colheu os orvalhos

Que gotejavam dos galhos

Dos frondosos jiquiris

Contente abria a plumagem

Pra receber a bafagem

Das manhãs do seu país.


Foi à terra dos palmares

Atravessou toda flora

Voou por todos lugares

Que tinha cantado outrora

Passou pelos mangueirais

Entre os outros sabiás

Cantou sonora canção

O seu som melodioso

Estava mais pesaroso

Devido a sua emoção.


Viu a vinda do inverno

Nos quadrantes da paisagem

Ouviu o sussurro terno

Do bulício da folhagem

Cantou todo arrebol,

O brilho morno do sol

Morrendo nos altos cumes

Sentia, quando cantava

Que seu coração chorava

Com mais tristeza e queixumes.


Sonhou catando sementes

Num campo vasto e risonho

Sentia-se tão contente

Que sonhou que fosse um sonho

Olhava pra vastidão

Tocava em seu coração

Um regozijo profundo

Toda delicia sentia

Às vezes lhe parecia

Vivendo fora do mundo.


Voou por entre os verdores

Atravessou as searas,

Cantou pelos resplendores

Das manhãs frescas e claras

Passou pelo campo vago,

Bebeu das águas do lago,

Pousou sobre um arvoredo,

Penetrou num bosque escuro,

Ai sonhou um futuro

Tão triste que teve medo.


Depois, sonhou que estava

Trancado em uma gaiola

Ouvindo alguém que cantava

Na porta, pedindo esmola

Ao despertar de momento

Reparou seu aposento,

Ouviu falar o mendigo

Fechou os olhos pensando

Sentiu seu íntimo chorando

No rigor do seu castigo.


Ainda em vão procurava

Sair daquela prisão

Seu olhar denunciava

Piedade e compaixão

Ao pensar na liberdade

A mais pungente saudade

Devorava o peito seu

Assim, o cantou da mata

Ferido da sorte ingrata

No outro dia morreu.

Um comentário: