João Batista de Siqueira – deus da literatura popular, o imortal Cancão. Nasceu no dia 12 do mês da “Virgem Maria”, do ano de 1912, no sítio Queimadas município de em São José do Egito, solo pernambucano. Ali passou toda sua existência. Em 1950 deixa de cantar e passa a viver recluso no seu reino encantado. Faleceu no dia 5 de julho de 1982, em seu lindo berço. No ano de sua morte houve em Patos – PB, um festival de violeiros. As maiores duplas do Brasil vieram participar do belíssimo evento. Uma dupla em particular despertou o entusiasmo do público após o anuncio do mote para sete sílabas. Morrei um cancão sem penas/deixando pena pra nós”, foi uma apoteose! E para coroar o mote o poeta Severino Ferreira (in memória) teve a felicidade de improvisar esta maravilha.
“A morte tomou chegada
E dele calou a voz,
Antigamente ele era
Um dos grandes rouxinóis
Pra ele rezei novenas
Morreu um cancão sem penas
Deixando pena pra “nós”. (fragmento)
CANCÃO é autor do hino SONHO DE SABIÁ. O poema conta a tristeza de um sabiá após cair em uma armadilha, um alçapão. Preso em uma gaiola o passarinho entristece e um dia sonha com a liberdade. O poeta usa todo seu potencial de matuto amante da natureza para denunciar as atrocidades do homem ao “cantor da mata. Vejam fragmento da ultima estrofe. “Assim o cantor da mata/ferido da sorte ingrata/ no outro dia morreu” Agora vamos ao poema.
Um sabiá diligente
Voou pela vastidão
Mas por inexperiente
Caiu em um alçapão
Depois de aprisionado
Ficou mais martirizado
Pensando no seu filhinho
Implume, sem alimento
Exposto à chuva e ao vento
Sem poder sair do ninho.
Deram-lhe por seu abrigo
Uma pequena gaiola
No casebre de um mendigo
Que só comia de esmola
Só vivia cochilando
Com certeza imaginando
Sua liberdade santa
Ia cantar, não podia
Que sua voz se perdia
Logo ao sair da garganta.
Tornou-se a pena cinzenta
Em seu profundo castigo
Na Salete fumarenta
Da casa do tal mendigo
Sempre triste arrepiado
Nesse viver desolado
Ia um mês, vinha outro mês
Assim completou um ano
Sentindo seu desengano
Nunca cantou uma vez.
Depois, uma tarde inteira
O pobre do passarinho
Sonhou que ia a palmeira
Onde tinha feito o ninho
Olhava, em frente, as campinas
Via por trás das colinas
A natureza sorrindo
Ao sentir a liberdade
Pensou ser realidade
Sem saber contou dormindo.
Depois, sonhou que voltava
À terra dos braunais
Por onde sempre cantava
Ais outros sabiás
Voava nas ribanceiras,
Pousava nas laranjeiras
Olhando o clarão do dia
Voava através do monte,
Voltava a beber na fonte
Que todas manhãs bebia.
No sonho via as favelas
Criadas nos carrascais
Voou, baixou, pousou nelas
Cantou os seus madrigais
Voltou, colheu os orvalhos
Que gotejavam dos galhos
Dos frondosos jiquiris
Contente abria a plumagem
Pra receber a bafagem
Das manhãs do seu país.
Foi à terra dos palmares
Atravessou toda flora
Voou por todos lugares
Que tinha cantado outrora
Passou pelos mangueirais
Entre os outros sabiás
Cantou sonora canção
O seu som melodioso
Estava mais pesaroso
Devido a sua emoção.
Viu a vinda do inverno
Nos quadrantes da paisagem
Ouviu o sussurro terno
Do bulício da folhagem
Cantou todo arrebol,
O brilho morno do sol
Morrendo nos altos cumes
Sentia, quando cantava
Que seu coração chorava
Com mais tristeza e queixumes.
Sonhou catando sementes
Num campo vasto e risonho
Sentia-se tão contente
Que sonhou que fosse um sonho
Olhava pra vastidão
Tocava em seu coração
Um regozijo profundo
Toda delicia sentia
Às vezes lhe parecia
Vivendo fora do mundo.
Voou por entre os verdores
Atravessou as searas,
Cantou pelos resplendores
Das manhãs frescas e claras
Passou pelo campo vago,
Bebeu das águas do lago,
Pousou sobre um arvoredo,
Penetrou num bosque escuro,
Ai sonhou um futuro
Tão triste que teve medo.
Depois, sonhou que estava
Trancado em uma gaiola
Ouvindo alguém que cantava
Na porta, pedindo esmola
Ao despertar de momento
Reparou seu aposento,
Ouviu falar o mendigo
Fechou os olhos pensando
Sentiu seu íntimo chorando
No rigor do seu castigo.
Ainda em vão procurava
Sair daquela prisão
Seu olhar denunciava
Piedade e compaixão
Ao pensar na liberdade
A mais pungente saudade
Devorava o peito seu
Assim, o cantou da mata
Ferido da sorte ingrata
No outro dia morreu.
Obra de arte. Fenomenal!
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