Será que há algo na vida
d’uma cidade, seja ela qualquer, independente do seu tamanho, mais
característico, essencial, agradável e livre, do que uma praça? Eu suponha que
não. O poeta dos escravos, aquele que gritou nos ouvidos mudos do mundo,
inflamado com a truculência da soberba dominante, por cometer sem compaixão,
uma das maiores barbárie contra os filhos da África, elevou-se acima dos homens
e publicou com letras de ouro: a praça é do povo como o céu é do condor!
Assertiva antes confirmada pelos Gregos há algumas centenas de anos.
A praça, segundo
Sócrates: a qualquer hora do dia, é o lugar de encontros, onde se passeia ao ar
livre, onde se fica sabendo das novidades, onde se discute política, onde se formam
as opiniões. De fato, a praça – Ágora para os Gregos – era o nome que se davam ás praças públicas da Antiga Grécia. Nelas ocorriam reuniões onde se discutiam
assuntos importantes à vida cotidiana da cidade (em Grego Polis), notadamente
os atenienses. Essas reuniões (assembleias) aconteciam na ágora e os Gregos
podiam opinar sobre temas pertinentes á justiça, obras públicas, leis, cultura;
mas tudo era decidido pelo voto direto do cidadão, o que satisfazia, por assim
dizer, “ao conjunto do povo”, que embora, “não exercesse qualquer direito
político”, mas era soberano para “dispor de todos eles”, principalmente, na
“assembleia plenária”; com uma enorme diferença: não havia regimento interno;
muito menos aliados, partidários ou governo a ser defendido.
De modo que a praça
(Ágora) era também um espaço público muito valorizado, indispensável ao cidadão
e caro ao espírito do povo Grego, com finalidades diversas que envolvia: as
cerimônias religiosas, eventos, negociações comerciais e acordos econômicos.
Nesse ambiente de uso
comum e formidável também se expunham em telas vivas às feridas sociais abertas
pelo abissal econômico entre emprego, renda e cidadania, logo chamadas de espectros humanos pela injustiça dos homens e alcunhadas de
escórias preguiçosas por aquela sociedade. Eram cidadãos exilados da pátria no solo pátrio
com seus rostos trágicos e suas mentes pálidas. Infames convidados por descuido da loteria biológica que teimam em nascer para galeria natural da miséria, chagas vivas chamadas de pobres que constrangem a humanidade dos ricos!
Na ágora, por vezes, santuário da racionalidade onde se ressuscitam os direitos mortos sem a anuência da justiça
omissa; nela dessilencia a defesa do fraco, afronta sistema, diminui governo e
sepulta político. É muito maior do que o mundo e infinitamente menor do que o
povo, de modo, que esse equipamento público é uma excepcional caixa acústica
com um grande potencial de ressonância: um grito pode em segundos alcançar
distancia imensurável!
Esses aspectos tão
inerentes às praças (Ágoras) daquele tempo, ainda hoje estão em voga, indenes,
por uma força que insiste eternizar-se chamada de desigualdade social; outras
adquiriram novos contornos e formas versáteis, mas no geral, nada mudou!
No início do século XX,
ai por volta de 1906, o escritor e jornalista, Coriolano de Medeiros, esteve em
São Mamede, 3 anos após a fundação do povoado e tempos depois, novamente passou
por aquele rincão e viu acentuadas transformações, as quais resolveu deixá-las
registradas num livro para posteridade. (...). Fiquei admirado com o progresso do lugar e, mentalmente, o
recordei, transportando-me ao ano de 1906, quando ali estive pele primeira vez.
Nesse tempo, São Mamede se compunha de duas ou três casas de taipa e telhas e
de uma grande latada de ramos de oiticica, bem a margem da estrada que comunica
Santa Luzia a cidade de Patos. Sob a latada
e no leito da futura via pública, se realizava, semanalmente, uma feira. Esta
se incrementou tanto que, em pouco tempo, se acomodava dentro de uma verdadeira
povoação (...).
São Mamede é hoje uma linda cidade, é a
ninfa encantada do Sabugy! Cresceu formosa e próspera em volta da capelinha
existente e da grande latada de ramos de oiticica dos tempos idos. A capelinha
amparada pelo esforço e religiosidade do seu povo, tornou-se uma belíssima
igreja com traços arquitetônicos do barroco moderno; a grande latada aonde se
realizava semanalmente a feira livre, tornou-se a Praça Coronel José Paulo
Souto, diga-se verdadeiramente uma justíssima homenagem ao homem que
impulsionou o desenvolvimento local.
Falar dessa primeira praça, erguida na gestão do interventor Misael Augusto de oliveira Filho, primeiro prefeito, remete-me a um passado de sonhos. Eram sonhos simples demais, sonho de adolescente, mas que valiam muito apena, embora “Pessoa” tenha dito, que tudo vale apena quando a alma é pequena. Ingenuidade? Pode até ser, mas o sonho é sempre um tanto maior do que pode o sonhador realizar. Na praça, as moças cinderelas lindas e feiticeiras, que carregavam a magia de um quê de diferente, que maltratavam que machucavam a gente, no entanto, faziam um bem danado ao coração. Com suas puras, leves e ingênuas insinuações dominavam o ambiente com graça, com beleza, gerando uma salutar expectativa; quem não torceu a favor dos ventos? Desculpe-me confessar o pecado, mas se for possível, “atire a primeira pedra”! Os vestidos eram abaixo dos joelhos dificultando muito um lance um pouco acima deles e isso quando acontecia era um alvoroço da rapaziada que se deliciava com o lance e um constrangimento para moça, que ás vezes, voltava mais cedo para casa chorando e envergonhada. Eram outros tempos!
Em dezembro se realizava a festa de Nossa
Senhora da Conceição, a Praça Coronel José Paulo, ficava tomada pelo povo, a
banda de musica do município animava a noite festiva, eram retretas
inesquecíveis! A arquitetura da praça que tinha um mezanino elevado servia para
que a banda ali se apresentasse, propiciando aos músicos uma visão bastante
panorâmica e ao público um cenário mágico.
Imperava nesse tempo, o respeito e
prevalecia a dignidade. Namorar podia-se dizer que era o ápice para que se
realizasse a emancipação da mulher e um prenúncio informal de casamento. De forma, que os valores no passado não
passavam ao largo da família, porque a família os legitimava e os tornava o seu
porto seguro. Eram os valores sim, a pedra fundamento e base sólida para a
construção de uma família que muitas vezes, começava na praça.
Deus, ao findar sua obra, no sétimo dia,
descansou. Estendeu sua rede á sombra de um frondoso juazeiro á beira do rio
Sabugy, e ali adormeceu. O
diabo se aproveitando da inatividade temporária do Ser Supremo para agir, criou
os porões do poder. E foi ai que vingou no homem o egoísmo, a quimera
onisciente que gerou o poder (prazer) de desconstruir a identidade do povo sem se aconselhar – o Eu absoluto. E
assim, sem parecer e sem aviso prévio, numa decisão unilateral o gestor da época se achou único e só - um deus sertanejo - e assim trouxe abaixo a nossa primeira praça,
deixando a ultima que morre nos invadir com uma torrente de esgarçadas
lembranças nos painéis da memória e nos álbuns de fotografias.
Eis a Praça Coronel José Paulo Souto em São Mamede.
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