UM POVO DE FÉ.
Fontes:
A Bíblia Sagrada, Evangelhos Apócrifos
Conhecemos muito pouco
De quem nos ver a aparência
Quem são seus antepassados,
Donde vem sua existência,
Em que mundo foi criado,
De que tempo é sua essência?
Esse Ser que rege as coisas
E de quem temos a graça,
Suscitou as normas dos corpos
E deu forma a cada raça
Deste sistema de mundo,
Sem soberba nem chalaça.
Deu-nos a livre arbitragem
Ao tomarmos decisões
E fez-nos seres tementes
Ante as realizações,
Impôs-nos regras limites
Frente as nossas sensações.
E disse-nos: eis a terra
Fecunda e cheia de vida;
Crescei-vos não cobiçai
Pois não vos dei dividida,
Conservai sublime dádiva
Tornando-a vossa guarida.
Para todos há uma parte
Que Proverá vossa mesa:
Se segardes com cuidado,
Terdes vós fértil empresa
Por dias todos infindos
Sem a vós estardes presa!
Se não houverdes discórdia
Entre vós e a sã verdade,
Se não despertardes o ópio
Que nutri vossa vaidade;
Terdes vós a vosso bem
A minha eterna bondade.
Porém, vieram feridas
Em meio às vãs sensações
D’uma servidão indevida,
Forjadas nas transgressões,
Da lei inatual dos corpos
E na ira das ilusões.
E no ser brota um desejo
De mal servil sem pudor
Na estrutura cognitiva
Como se algo inferior
Regesse todo sistema
Como se fosse o mentor.
Esse juízo é do cerne
Da débil humanidade,
Mãe do individualismo
Que tange a sociedade
A dividir-se em estirpes
Tiranizando a igualdade.
Com essa divisão em curso
A iniquidade a ganância,
Ganharam mentes, espíritos,
Em sua rude abundância:
Negando o bem a partilha,
Impondo infame distância.
Ricos, pobres, miseráveis,
O mundo real ganhou;
A verdade a igualdade
O ter as despedaçou,
E toda segregação
Foi à herança que ficou.
Os ricos campam seus bens
Fátuos de si e de poder
Orgasmos que gera fama,
Crédito, esnobe e prazer,
Mito de que pode tudo
E o tudo que pode o ter.
Assim, os ricos passaram
Para o cosmo do “esplendor”:
Regalias privilégios,
Veniagas a favor
Dos sonsos apaniguados
Vis do lar superior.
Para os pobres miseráveis
Resta o resto do repasto
Injusto para anjos justos,
Mas para os maus o bem vasto
Da sombra lauta frondosa
Que lhes dar um mundo basto.
De modo que há uma rixa,
Em meio a dois interesses:
Um tenta sobreviver
O outro só quer as benesses,
Que nutrem egos polutos
Na origem de suas messes.
As classes dissimuladas
Esgarçam ideais vivas,
Sepultam sonhos gentis,
Destroçam expectativas,
Negam os valores válidos
Nas suas falas cativas.
No meio dessa desordem,
Planam três ideias moucas:
A rica de vezo escuso,
A pobre de razões roucas,
Os míseros sem destino
E gestos de porras-loucas.
E, dentre as classes, às vezes,
Vem um às desafiar
Os preceitos hierárquicos
A Lei a forma de pensar
Dos grupos: castas “espúrias”,
(Que não se deixam mudar).
Na classe dos miseráveis,
Privados de fé e de sorte!
Prefulgara um desses gênios
Para dar um rumo norte
Ao fado dos infelizes
Que só enxergavam a morte.
Foi naquela velha terra
Pobre mas divo rincão,
Que no tempo da verdade
Nascera ilustre varão
As margens do sabugy,
Bem no ventre do sertão.
Esse ser que veio ao mundo
De modo bem singular,
Sem pompas nem aparato,
Um magistral exemplar
Da tradição sertaneja,
Um bom caipira invulgar.
E num casebre humilde
Esse broto despertou
Envolto por sua mãe,
Que comovida chorou
Cerrando-o contra seu seio
E em lágrimas exclamou.
Meu filho vai ser do bem,
Um fruto do criador
Fértil, honesto, gentil,
De luminoso valor,
O mundo vai conhecer
Esse excelente mentor!
Terá o título de Orama,
Que o propõe contemplação,
Algo que se ver – o belo
Ou vasta meditação,
Um Homem iluminado
(E espírito de perdão)!
Assim, a mater de Orama,
Declarara que o menino
Fará sua trajetória
Traçada pelo destino,
Um guia, mestre de luz,
Instrumento do divino.
Em êxtase a preceptora
Por fim murmurou-lhe, Orama,
Hoje mesmo o deixarei
Exposto sobre ‘sta cama
Vou para aldeia dos vivos
O Divo eterno me Chama.
A vida filho é eterna
E, vive nela somente,
Uma definida fase
Em dimensão diferente;
Vivemos e não morremos
Nem nascemos realmente.
E, como se fosse mágica,
Sua vida se expirou,
O que era forma humana
Num espectro se tornou
Noutra real dimensão
Nova etapa começou.
Já o predestinado Orama,
Órfão de pais e de amor,
Com efeito, morreria,
Se não gozasse o favor
Do supremo Ente Divino,
O Santo superior.
Havia nato há pouco
E já era um abandonado,
Como então sobreviver
Naquele real estado
O escolhido do Senhor,
(Mas agora desprezado)?
Mas, por ato do sagrado,
Que protege os desvalidos,
Uma humilde velhinha
Luz vésper dos excluídos
Encontrou sobre o grabato
A joia dos esquecidos.
E, recolhendo-o do catre,
Sussurrou: quanta maldade,
Dessa mãe desnaturada,
Carente de caridade!
Oh, meu Mestre, ‘ste seu mundo,
Carece de piedade!
E, pegando alguns andrajos
Espalhados pelo chão,
Para acolher a criança
Que ficou a exposição
Aos perigos do pós-parto
Sem a real proteção.
Após tomar as cautelas
Privadas ao recém-nado,
A velhinha conduzira
Com desvelo aquele achado,
Solfejando venturosa
As cantigas do passado.
Porém, com o acervo raro
E já muito ultrapassado,
Ás vezes desafinava
As notas e sem cuidado
Cantava árias confusas
Sem rigor no trauteado.
Oxalá, volta ao caminho,
Que a tornaria à morada,
Fugindo dos transeuntes
Largos passos apressada,
Evitando olhos de moita
(No curso da caminhada).
Chegando a mísera choça
D’enxameeis varas tortas,
Fasquias, barro amassado,
Sem ter janelas nem portas:
Um quadro de vidas vivas
Exibindo imagens mortas.
Num canto ali do engradado
De taipa em meio à pobreza,
Dentro d’uma rede suja
Que vangloria a riqueza,
Orama fora tratado
Com a afeição de nobreza.
Contudo, não adormecera,
A fome tolhe-lhe o sono;
A barriga famulenta
Sente o real abandono
Acusando a golpe baixo
O frágil viver humano.
Por dentro grita o estômago
Por fora a boca reclama,
O País à fome rir
Da desventura de Orama,
Que faminto se tortura
Eternizando seu drama.
Porém, a mãe natureza
Do nada reparti o pão,
Quando a míngua se agigante
Ante a opulência vão
A madre doma a penúria
Humilhando a servidão.
E, aquela pobre velhinha,
Dividiu a sua ração:
Uma porção de farinha,
Alguns pedaços de pão
Molhados servem a Orama
(Na primeira refeição).
Após ser alimentado
Leve sono o abateu,
Liberto o corpo dormia
Solta a alma via o céu
Além do avistar humano
Pela cortina de um véu.
Dormindo o “nume” gozava
Uma aurécia singular,
Alcançando-o mansamente,
Como canção de ninar
Que soa no imo do ser
Fazendo-se acalentar.
E sobre a barga brilhava
Arco de luz lumioso,
Frágil e sem resplendor
Como se um divo zeloso
Cuidasse como se fosse
Um tesouro precioso.
E naquela rede suja
Aonde Orama dormia,
Exalava-se um perfume
Suave que se aspergia
Pelo humilde casebre
Transbordando-o de alegria.
Fluíam ares de montanha
Um fino aroma floral
Inebriando o tugúrio
De perfume divinal,
Como se fizesse parte
D’um reino celestial.
Assim Orama viveu
Um “dia” do seu destino,
Cumpriu-se a premonição
A respeito do menino
Agora era só esperar
(Os desígnios do divino).
Assim o varão crescia
Nesse mundo de pobreza,
Sob o cuidar da indigência
Em sua enorme tristeza,
Mas sua psykhé brilhava
Numa infinita grandeza.
Revelavam-se seus traços
Candidez, paz, esplendor
Numa doçura desértica
Consagrada pelo alor
Gentil de suas entranhas
Em forma real de amor.
Seu riso era brisa mansa
Despertando o girassol;
Arroio límpido, casto
Entre dois vales ao sol
Luzindo rumo à planície
Ao despontar o arrebol.
Tinha um olhar poderoso,
Claro e inquietador;
Sede d’amor de justiça,
Quimera d’um sonhador;
Inflamado de paixão
Um sábio conquistador.
Saia do seu coração,
Belos pássaros cantores
Voavam ledos ao horto
Do céu – de suaves cores
Sublimes a olhos humanos
As formosas, lindas flores.
Interpretava as canções
Das virgens embriagadas
E, falava-as com carinho
Das paixões atormentadas
Que fragilizam o amor
(Em suas formas sagradas).
Sorria como se os lábios
Estivessem sempre em festa;
Os seus gestos eram livres
Como homens da floresta;
Que vivem a solidão
Se o caos se manifesta.
Era um belíssimo estranho
Que veio para nos sondar
Gerado da sã bondade
Numa aridez secular
Das tempestades humanas
Em transvios a vagar.
Medrava em corpo e espírito
A fé lho fortalecia
Diverso doutros rapazes
Para quem o conhecia;
Era plural, mas difícil
Assim Orama crescia.
E o anjo que o acolheu,
Quantas o repreendia:
Por seu gênio inquieto
E como se conduzia
Diante o sistema imposto
Ao povo que o carecia.
Ria das nossas revoltas,
E dos mitos surreais;
Voava além das serpentes
E dos lacaios banais,
Profetas rudes e acesos
Com os dons celestiais!
Não suportava o hipócrita,
O falso justo infiel,
Que como o abutre assiste
Sobre o rochedo o painel
Macabro de suas presas
Num quadro vil e cruel.
Essas bestas – os hipócritas,
Deuses do abismo moral –
Predadores da bondade
Em sua força real:
Verdugo insano dos fracos
De forma servil, brutal!
Já com o néscio era dócil
E áspero com o arrogante,
Afável com o humilde,
Sensível com o ignorante,
Compassivo com o fraco,
Severo com o pedante.
Compreendia a fraqueza
Desde o talhe bestial
Dos varões tolos devassos
Entes de fama infernal
Que exibem a hipocrisia
Sobre a razão natural.
Dizia aos ouvidos mudos:
O Corpo é um instrumento
Da lida que traz a dor
E esta traz o sofrimento,
Causa importante daquela
Sensação de quão tormento.
A alma sente a dor real,
E se contorce ao efeito,
Que a faz penosa lembrar
Angustia insana ao peito
Morto pelo dogma fútil
E moralmente imperfeito.
Porém, convém o viver
Absurdo como as paixões;
De modo que sã verdade
Peja-se de sensações
Fundadas em metafísicas
Que suscitam emoções.
O mundo real precisa
De viver o bem-estar
Findo no tempo sem tempo
Da cegueira milenar
Forjada n’alma ultrajada
D’um reino espetacular.
Neste reino “pudendum”
Vivem os mestres venais,
Leiloando seus saberes
Às praticas vãs banais
E suas mentes perdidas
Sob os entulhos carnais.
E, vede o princípio certo:
Apenas e só verdade
“Individuum”, forçoso
No ego da realidade,
Sem os meios asquerosos
Que sustentam a vaidade.
Vês, então o ódio, o amor,
Cárcere de proporção
Simétrica a vivência
Arada no coração
Do ser homem na medida
Que despreza o perdão.
Orama falava aos ventos,
O ar puro o compreendia;
A aurora rindo o amava
Saudando-o com alegria;
As aves do céu o louvavam
Numa diva harmonia.
Os seus até lho fugiam
Os varões o desprezavam,
Os doutores em sigilo
De sua ascese zombavam
Os anciões insidiosos,
Às escondidas tramavam.
Diziam eles: é um jovem
Que tem escassa instrução,
Falta-lhe uma verve fértil,
Lógica e densa intuição,
Empenho em suas palavras
E prática de arguição.
Vamos então procurá-lo
E assim podemos sentir
Quais são suas intenções
Ou de que modo vai agir;
Temos que ficar atentos
Senão vamos sucumbir.
O novo sempre desperta,
Mas o tolo é sonhador;
O douto lança no estio
E entre pedras colhe flor;
Quem confia vê a vitória
E, quem faz é vencedor.
Portanto, faz-se preciso
Encontrá-lo onde estiver;
É importante tê-lo a vista
De modo que se puder
Para ágora o levaremos
Caso Ele se dispuser.
Assim, se, pois o legado
A procurar por Orama,
Viu-o tenaz no meio da ágora
Como uma fogueira em chama
A consumir mentes velhas
E as burlas laivas de lama.
Tornando para a luz da ordem,
O sequaz disse o que viu.
Expôs: a ágora se queima!
O povo rude aderiu
A um engendro de poeta
Que a crença falaz pariu.
E, com um jargão aziago,
O sequaz se arde zeloso.
Ferindo a “razão” da fé
Do fiel justo extremoso
Que crer na pluralidade
Do Deus vivo generoso.
Confessa ainda, o servil,
Rasgando-se de emoções.
O Deus dos antepassados
Vive em nossos corações,
Guiando nossos destinos
Sem as falsas sensações.
Ouvi-o discursando na ágora,
Achei-o medíocre, grosseiro,
Além do bem e do mal
Um fingido aventureiro,
Laico a nossa tradição
Um infiel estrangeiro.
Seus modos não são leais
Ás nossas reais virtudes;
Ataca nossos costumes
Suas rudes atitudes;
Fere-nos com mau juízo
As nossas solicitudes.
Agride nossas doutrinas,
Difama nossa memória;
Repreende a nossa lei
Discorda de nossa glória;
Condena nossa conduta
Cisma da nossa história.
Suas palavras são acintes
Á nossa filosofia;
Renega nossos conceitos
Da nossa teologia
E rebate com rigor
De Deus nossa teoria.
O sequaz relata os fatos
Acrescidos de maldade,
Sugere medidas outras
Em face da gravidade
E, não cogita o contrário
Pra não ferir a unidade.
Já os conselheiros aceitam
Pugnar o varão loquaz,
Visto que sua doutrina
Tornara-se forte audaz
Sendo forçoso barrá-la
Com ousadia fugaz.
Alheio ao ódio infernal
Dos que só veem somente,
A fé pelo próprio olho
Que lho seja realmente
Modelo de fé sem fé
Pelo olhar indiferente.
Orama cheio de amor
Em meio ao povo doente,
O Deus que lhe inspirava
Uma verve diferente,
Não frequentava as palavras
D’uma fé vã inconsequente.
O fogo ainda queimava
Os vis dogmas surreais;
E assim do ventre do povo
Com seus dons especiais:
Nascia um broto do bem
Entre dragões colossais.
Depois de conquistar a ágora,
Orama cheio de alor;
Volta ao seu porto seguro
Onde um ser encantador
Ansiosa o esperava
Com muito apreço e amor.
Porém, as serpentes agem
Sob as leis da crueldade,
Ferindo o que o bem cria
Sem lhe prover piedade,
Como se uma força estranho
Instigasse a vã maldade.
E na fonte do bem puro
Chegara muito cansado,
Adentrara cheio de ânsia
O sonho realizado,
Mas chora ao sentir a dor
Faze-lo só, abandonado.
E, numa incivil enxerga,
Pendia o corpo sem vida
Da santa que o acudira
Quando sua mãe querida
Expirou ao lho dar a luz
Pelos anais esquecida.
Orama via o viver
De traumas, sofreguidão,
Suscitar tortura, ânsias,
Que provocam exaustão
À integridade do espírito
Desabando o coração!
Já a vida ao deixar o corpo
Livra-se d’uma prisão,
Ganha a liberdade plena
Ao completar a missão
E viaja leve e solta
Em busca da remissão.
E o espírito frondoso
Que povoa amor e vida,
Exala odores sublimes
De cerne desconhecida
Deixando divo perfume
Na mão que cura ferida.
E o espírito, anjo luz,
Arrimo dos deserdados
Semeia amor pelo bem
Em atos concretizados
Tornando dor em amor
Entre os anjos perturbados.
Silente, prostrado, Orama
Considera: a vida, a sorte.
Por fim, conclui: o viver,
É fardo de grande porte
Carregado pelo homem
Até se entregar a morte.
Mártir do termo fatal
Que o ferira no regaço,
Bem ali ao lado do esquife
Orama sem embaraço,
Chora sua perda extrema
Como um derradeiro abraço.
Após desdar-se da dor,
Orama volta à razão
Devolve para mãe á filha
Que fora mãe na aflição
Do broto frutificado
Arauto da compaixão.
Deixou o casebre humilde
Para uma busca tenaz
A fim de achar a si mesmo
Sem comprometer-se assaz
Com novos passos à vida
Que farão elevar a paz.
E, assim em meio a veredas,
Passava o dia a flainar;
Perdia-se entre delírios
Das dores a atormentar
As intimidades d’alma
Num doloroso penar.
Vagueou por entre aldeias,
Vinhas, Campos e searas,
Cruzou bosques e desertos,
Estepes de floras raras,
Arroios, poços e pântanos,
Dias negros - noites claras.
Conheceu homens e homens
Em funestas aflições,
Amou-os fervorosamente
Desprezando as condições
Do sistema injusto e falho
Que alimenta as ilusões.
Já no siso das andanças
Viu de perto as incertezas,
Domesticou-as de pé sóbrio
Nas aflições das fraquezas
Que destroem ate os ossos
Diante as falsas grandezas.
E no palor dos instintos
Têm-se algo, (gritem ò surdos!)
Para contemplar o medo
Daqueles pobres miúdos
Que estarão sob o nariz
Fantasioso dos mudos.
E no tempo em que passou
Procurando-se no mundo,
Orama sentiu no seu íntimo
Algo sublime e profundo
Até poder encontrar-se
Com o seu viver fecundo.
Voltando ao mundo real
Da razão vil combalida
Sob a fé da tradição
Insensível, carcomida,
Que julga débil o novo
Numa moral descabida.
Depara-se com uma ágora
Imane, porém, sozinha,
Presa a antigo dilema,
Insolente, vil, mesquinha,
Infame profundamente
E esdruxulamente zinha.
Bem à frente a dor do mundo
Vê no rosto o gesto pálido,
Imagem transfigurada
Sob um azorrague cálido:
Horrores, gritos, gemidos,
Num bruto painel esquálido.
Em este espelho quebrado
Cisma da humanidade!
Vencida nas suas lutas
Falta-lhe serenidade,
Contudo, só há vitória,
Consoante a dignidade.
Mas, se mata por um beijo
Que nutre falsa ilusão
À tempestade da vida,
Que motiva a solidão
Do espírito que padece
Em si mesmo vil ação.
E com este pensamento
Chega enfim ao limiar
Da ágora velada, insana
Disposta a continuar
As brutas imposições
D’um sistema secular.
E ali em seu redor, o mundo
Luzia desolação:
Cabisbaixo, sem alento,
Olhar posto à aflição
Da ânsia viva do “eu”
Nutrida de malversão.
Orama atentava triste
Os tipos em sua volta,
Vidas cansadas, perdidas,
O que lhe dava revolta
E sem se conter explode:
Ò gente de fé envolta!
E, ali provocando a ágora,
Grita a quem possa ouvir:
Pode, enfim um rio inerte
Gerar vidas, ter porvir?
Salvo apenas peixes mortos
Que grande nos faz pungir!
O pavão decidiu as cores
Que lhe deu sua beleza?
Os ipês quem os ornou
E lhes estimou grandeza?
Que poder, portanto, foi
Senhor de tal realeza?
As matas quem as dotou
Com seu verde singular?
Que sábio as povoou
E as tornou o vasto lar
Das feras que nelas vivem
Sem, portanto, as cultivar?
Assim, esgueira-se o homem
Do eu sobejo sem ter rumo
Pelas campinas desérticas,
Arco sem punho, sem prumo,
Gênio infértil sem rédeas,
Um samonga sem aprumo.
Orama aflito pensava
Num tempo que há de vir
Para quem tem a verdade
E entre feras resistir
Os fiéis de fé cansada
Que se negam refletir.
Viveu a ágora chorando
Sob descortês necedade
Dos mortos que pensam mortos
Abraçados a maldade
Dos que traem a si mesmo
Arpados da crueldade.
São os rebentos do apanágio
Que esperam sua porção:
Benesses, sublimes dádivas,
Que a infame tradição
Educou lhes para tê-las
Sem trabalhar a razão.
Angustiado sondava
No que o homem se tornou,
Pai do seu próprio inferno
Que a soberba lhe talhou
E o fez filho da torpeza
Sem honra o escravizou.
E nesse ‘stado de espírito
Orama age em voz altiva:
O Deus eterno que vive
Dedicou a palavra viva
Aos homens pelos profetas
E por Ela o homem viva!
E aonde ‘stiver a vida
A lei estará sempre escrita
Na terra, no mar, no Céu,
Em palavra ou manuscrita,
Porque se tivermos fé
A nossa alma estará adscrita.
Busquei sempre em vós a lei
Abram vossos corações,
Domem os vossos espíritos
Para o bem das relações
Que dentre vós aconteçam
Aparando as más ações.
Daqueles que o escutavam
Perguntou-lhe um varão.
Devo ler as Escrituras
Segui-la sem objeção
Ou lê-la pra me instruir
Ou seguir o coração?!
A Lei é a vida meu filho
E não só nas escrituras
Que a encontra por quê
O Grande Rei das Alturas,
O Deus dos vivos aos vivos
Ensinou as palavras puras.
O escrito se fará morto,
A Lei é viva como a vida,
A palavra viva é Lei
A lei é a vida vivida
Assim deve ‘star escrito
Onde quer que haja vida.
Digo-vos que as coisas vivas
Estão mais perto de Deus,
Que a escritura que ‘stá
Vazia dos sopros seus
E desprovida de vida
Sem a essência de Deus.
Em mim vereis a verdade,
Porque o meu Pai, as suas Leis,
Não vos passou por escritas
Mas disse-vos quando oreis
Sede-vos um servo justo,
Vinde a mim e me escuteis.
Vede então a gula, o desejo,
A vida desenfreada,
A luxúria, a riqueza,
A mente contaminada
Nem pouco nem muito o ódio
Contra o outro a Deus agrada.
Porque todas essas coisas
Estão longe do senhor
E dos seus servos, os anjos,
Fies ao puríssimo amor
Servindo-o e O adorando
O Deus uno Salvador.
Essas coisas todas vêm
Do reino da escuridão
E de satã pai dos males
Flagelador do perdão
Infausto perseguidor
Indesejável dragão.
E, portanto, cuidei bem
Para que vós não leveis
Com vós mesmos essas coisas
E jamais as desejeis,
Tende o vosso coração
Limpo e não vos mais choreis.
A palavra e o poder
Do Deus não chegam a vós
Pois em vosso ser e espírito
Habitam males que a sós
Devoram-vos com pecados
Que execram a todos nós.
Desejei que a sã palavra
E o juízo do Deus vivo
Penetrem dentro de vós
Sede homem compassivo
Não profaneis vosso corpo
Para não sede cativo.
Porque o corpo é o templo
Do vosso santo senhor
O espírito o santo templo
Do Deus eterno de amor
Que ama sem discriminar
Quantos sem impor valor.
Mondei-vos, portanto, o templo,
Para que o vosso senhor
Do templo habite nele
E ocupe o lugar que for
Digno de sua Grandeza
Realeza e esplendor.
Retrai-vos de sob a sombra
Do céu de Deus verdadeiro,
As vis tentações do corpo
As quais veem do embusteiro
Sedutor dos bons espíritos,
Um maldito aventureiro!
Renovai-vos vossa vida
Imolai-vos ao perdão,
Pois, em verdade vos digo
Que pedir em oração
Fará os males de satã
Enlodassem pelo chão.
E por vossa livre conta
Em vós mesmos, solitário,
Sem mostrar vosso sofrer
A quanto é desnecessário,
Porque Deus que tudo ver
Sede vosso solidário.
Porque o Deus vivo verá
Que quão vosso galardão
Por ter vosso sacrifício
Alcançado a afeição
De Deus o mestre da vida
Senhor da libertação.
Sacrificai-vos até
Que o diabo e seus demônios
Abandonem-vos pra sempre
E que do Céu bons favônios
Tragam anjos da mãe terra
A aflar-vos divos precônios.
Pois em verdade vos digo:
A não ser que vos penei
Satã buscará a vós
E nunca vos livrarei
Das vossas enfermidades
Caso vós não o reneguei.
De fato, isto se dará
Por meio de sacrifício,
Tornei-vos amendoeira
Para que o vosso suplício
Agradei o vosso pai
Para o vosso benefício.
Sacrificai-vos e orai
Ao Pai fervorosamente,
Buscando sempre o Deus Vivo
Para que o senhor somente
Possa agir em vossa cura
Por ser Ele onipotente.
Na medida em estiverdes
Vos se penitenciando
Evitei expor a todos
Que estai, pois, se libertando
Dos pecados cometidos
E para Deus se voltando.
Vigiai os filhos dos homens
Pra que não vos Confutei,
Buscai os anjos da Mãe terra
Se vos credes acharei
Pois quem procura achará
E achando vós libertei.
Buscai o ar fresco do bosque
E dos campos, pois verei,
Que acharei no meio deles
Alguém que vos ajudei,
Então orei ao Anjo do Ar
Para que de vós cuidei.
Tirai, pois, a vossa roupa
Também o vosso calçado
A fim de que o anjo do Ar
Abrace o templo sagrado,
O vosso corpo, o invólucro,
Pra que seja renovado.
Respirai profundamente
A fim de que o anjo do ar
Aprofundei na vossa alma
Para então purificar
Vosso corpo o Santo templo
Onde o Senhor vai morar.
Entregai-vos por inteiro
Ao regaço do anjo irmão
E como o ar que penetra
Em vossa respiração
Deixai que igualmente a água
Lave corpo e coração.
Pois em verdade eu vos digo
Que o querubim d’água pura
Limpará de vosso corpo
Toda imundície impura
Que vos macule por fora
E por dentro a diva cura.
E que toda coisa imunda,
Que atormente vosso ser
Seja expelida pela água
Para que vos possa ter
Sossego no vosso corpo
E acalme o vosso viver.
Em verdade então vos digo
Que o quanto vos é sagrado
O anjo d’água que redime
O que está sujo, lodado,
E concede às coisas sujas
Um aroma apreciado.
Nenhum (ser) a quem não deixe
Deixar passar anjo d’água
Poderá acudir a Face
De Deus carregando mágoa,
Porque o senhor da justiça
Lava a sordidez e enxágua.
Em verdade, eis que tudo
Deve ressurgir de novo
Da água pura, da verdade,
Pois com o corpo renovo,
Terso no rio da vida
Vosso Deus o dará aprovo.
O Rio da nossa vida
Limpa a fuligem externa,
O espírito que se banha
No rio da vida eterna,
Terá do senhor a dádiva
D’uma justiça mais terna.
É preferível meu filho
Que o divo amor nos adestre,
Pois recebei vosso sangue
Da madre santa terrestre
E da verdade divina
De nosso Deus o bom mestre.
Porém, não pensei que é
Logo que Suficiente,
Que o anjo d’água o abrace
Apenas externamente
E assim, limpei a sujeira
Que vós hás internamente.
Em verdade, pois vos digo,
Que a imundície interna
É maior e mais intensa
Do que aquela externa
Porque a limpeza conduz
À felicidade eterna.
E quem se limpa por fora
Não ver o seu interior
Que se permanece sujo
Em seu mundo inferior
Sem querer se libertar
Para agradar ao Senhor.
Assim as tumbas pintadas
Ferem olhos perceptíveis,
Mas atulhados por dentro
De imundícies tangíveis
Como guardados imundos
De abominações horríveis.
Pois em verdade vos digo,
Que vos, portanto, deixei
Que o Anjo d’Água vos sagre
Por dentro e vos liberei
Dos velhos vossos pecados
E assim deles vos limpei.
E para que dessa forma
Seja, pois, inteiramente
Tão puro como a espuma
Do rio de água fremente,
Rindo sob a luz do sol,
Salvo da xila inclemente.
Então, vos lavei por dentro
Com a água acalentada
Do flúmen à luz do sol
Que a assim torna asseada
Livrando-a de todo mal
Deixando-a purificada.
Fazei-vos como os antigos
E atentei-vos como falo,
Buscai uma grande cabaça
Que tenho longo gargalo
Da longitude d’um homem
Pra vosso íntimo lavá-lo.
Extraia seu interior
E enchei com água do rio
Serenada pelo sol
Na plenitude do estio
Livrando então vosso corpo
Do repulsivo baldio.
Prendei bem num ramo de árvore
E sentai-vos sobre o solo
Na presença do Anjo da Água
Procedendo ao protocolo
Do credo da vossa fé
E não vos sede parolo.
Fazei-vos com que o extremo
Do junco desta cabaça
Penetre naquela parte
Oculta e assim o faça
Asseio às vossas entranhas
Para trazei-vos a graça.
Logo após, descansai-vos
Sobre o terreno deitando-se
E, diante o Anjo da Água
Orai com fé suplicando
Ao Senhor Vivo o perdão
Pelos erros implorando!
Necessitei ao Anjo da Água
Com devotado fervor
Pra que livre vosso corpo
Da imundície do horror
Do mal das enfermidades
Obras vis do tentador.
Deixai, portanto, que a água
Saia de vossas entranhas
Para que delas se leve
As coisas sujas estranhas,
Inclusive os velhos males
E as putrefações medonhas.
E verei com vossos olhos,
Cheirei com vossas narinas
Todas as vossas anátemas
Que a vos usei de sentinas
Dentro de vossas entranhas
Como infames inquilinas.
É dessas coisas imundas
Que das quais vos libertei,
Do templo de vosso corpo,
E agora compreendei
Que livre das imundícies
Ao Senhor vos entreguei.
Renovai vosso batismo
Com água todos os dias
Durante vosso jejum
Tornando sãs e sadias
Todas as vossas estranhas
Sem as sujeiras baldias.
Purifiquei vosso corpo
Até o dia em que vejai
Que dos vossos intestinos
A água que vos expulsai
É pura como a espuma
Do rio que vos banhai.
Então causai vosso corpo
À corrente sã do rio
E, se uma vez entre os braços
Do Anjo bom d’água, alvedrio
Daí vos graças ao Deus vivo
Com vosso corpo sadio.
E esta limpeza sagrada
Pela força d’Água viva
Representa o renascer
Que prospera e reaviva
O espírito para Deus
E Nele o ser sobreviva.
E a partir deste momento
Os vossos olhos verão,
Assim são vossos ouvidos
Que em preces escutarão
A voz do Senhor das luzes
Quando oreis com o coração.
Não vos perverteis jamais
Depois de vosso batismo,
Para que o anjo útil d’água
Esteja em vosso ascetismo
E vos valha face a face
Em sadio pragmatismo.
E se um dia por ventura
Vossos antigos pecados
E imundícies voltarem
Devem ser logo marcados
Ai buscai ao Anjo do sol
Para serem afastados.
Retirai vossos calçados,
Vossas vestes e deixai,
Que o Anjo da Luz do sol
Proteja e vos abraçai
Todo vosso pobre corpo
Pra que assim não mais sujai.
Respirai profundamente
Pra que o ser da luz do sol
Libertei-vos e limpei
Vossas entranhas em prol
D’um corpo purificado
Desde o surgir do arrebol.
E o Anjo da luz do sol
Com poder expulsará
Coisas más do vosso corpo
E sem mancha deixará
Terso por dentro e por fora
Por isso vos viverá.
E assim sairão de vós
Os morbos e todo mal
Que como a escuridão
Da noite foge abismal
Ante a luz do sol nascente
Com seu brilho triunfal.
Pois em verdade vos digo
Que o servo bom é sagrado,
Eis o Anjo da Luz do Sol
Que para Deus tem lutado
Limpando toda imundície
Do homem contaminado.
Por isso hostil ao fétido
Um odor bem agradável!
Possa então vos acudir
Para a face do insondável
O Senhor único e vivo
Que protege o miserável.
De fato que tudo deve
Nascer de novo do sol
E da verdade suprema
Para purgar-se ao crisol
Depois brilhar sem pecado
Como um enorme farol.
De modo que vosso corpo
Banhado na santa luz
Da divina Mãe terrestre
Seja o novo que reluz
A glória do Deus vivo
Que o nosso mundo conduz.
Então viva o vosso espírito
Na luz do sol da verdade
Do bom Pai celestial
Terá sempre a amizade
Do Deus Senhor da justiça
Rico de amor e bondade.
Os anjos do ar e da água
E da luz do sol estão
Juntos ao filho do homem
Unidos à conversão
Dos pecadores do mundo
Acharem a salvação.
Foram-lhes entregues todos
Ao Filho de Deus, o justo
Para que lhe fossem servos
E que lhe sejam onusto
Quando o Senhor quisesse ir
D’um lado a outro sem custo.
Sagrado é da mesma forma,
O seu abraço acolhedor,
Para os que sofrem, padecem,
Encontrarem o pendor
Para a graça e ser feliz
Como benção do Senhor.
São filhos indivisíveis
Da perfeita Mãe terrestre,
Assim que não separeis
Aqueles que pelo mestre
A terra e o céu os uniram
E a Paz do Senhor os estre.
João Pessoa – PB, 2020
Mário Bento de Morais