“AS OBRAS DA
NATUREZA”
ANTONIO UGOLINO NUNES
DA COSTA
UGOLINO DO SABUGY (
1832-1895)
Em
nossas árduas garimpagens pelo complexo mundo dos antigos poetas populares do
Nordeste Brasileiro, tivemos a sorte de ter encontrado valiosos fragmentos ou
talvez a completa obra magistral, “As coisas da Natureza” do primeiro cantador
violeiro do Nordeste, Antonio Ugolino Nunes da Costa, o famoso mestre Ugolino
do Sabugy. Conta Silvio Romeiro que Antonio Ugolino era conhecedor do Latim,
letrado afeiçoado as delícias do idioma pátrio, com convicções visionárias foi
o criador do cordel, folheto de feira e do termo cantoria de viola.
Sobre
Antonio Ugolino do Sabugy, temos uma belíssima informação atribuída ao lendário
Leandro Gomes de Barros, que se reportou numa sextilha sobre uma festa de
casamento de um dos irmãos Garcia, fato ocorrido na região do Seridó, a qual
contou com um convidado muito especial para felicitar os noivos, o filho do CAPRICHOSO,
a pérola preciosa do Sabugy, o mestre Ugolino do Sabugy. Eis a sextilha
atribuída ao fabuloso Leandro Gomes de Barros.
Estava um rapaz bem loiro,
Poeta novo e letrado,
Com viola de duas bocas;
Num discurso bem rimado:
Era Ugolino do Sabugy,
Felicitando o noivado.
Esta sextilha tornou-se um
prova em potencial da capacidade intelectual de Ugolino do Sabugy. Como disse Silvio Romero,
um poeta letrado, afirmação comprovado pela verve do príncipe dos poetas, na
avaliação de Drummond, o filho do sitio melancia município de Pombal, o mestre Leandro
Gomes de Barros,
Ugolino do Sabugy, contou
seu sobrinho, Chagas Batista, possuía um caderno com suas poesias anotadas, mas
que por desígnios do destino fora destruído acidentalmente. Todavia, não temos
nenhuma informação de como ocorreu esse tal acidente, no entanto, Chagas
Batista, disse que o fato se deu depois de um empréstimo desse caderno ao poeta
Germano da Lagoa.
“As Obras da Natureza” legado
do extraordinário Ugolino do Sabugy, foram publicadas pela primeira vez por
Chagas Batista, seu sobrinho, que também era seu genro, outra edição ocorreu em
1929, por João Martins de Athayde. Já garimpei muito a procura da edição de
1929, mas ainda não consegui encontrar nenhum vestígio.
De modo que, creio ser esta
a terceira vez que “As Obras da Natureza” uma cópia suponho do original que se
encontrava entre os folhetos de cordéis adquiridos na feira semanal de Patos
pelo meu Pai, Amaro Bento de Morais, amante da cultura popular, venha ser
publicada.
“As
OBRAS DA NATUREZA”
Antonio
Ugolino Nunes da Costa
As obras
da Natureza
São de
tanta perfeição
Que
nossa imaginação
Não pinta
tanta grandeza,
Para
imitar a beleza
Das
nuvens com suas cores
Se
desmanchando em louvores
De um
manto adamascado
O
artista com cuidado
Da arte
aplica os primores.
Brilham
nos prados verdumes
De um
tapete aveludo,
Brilha o
rochedo escapado
Das
penhas seus altos cumes,
Os
montes formam tais gumes
Que a
gente, os observando.
Vê como
se alongando
Sumir-se
na imensidade
Nossa
visibilidade
Os perde
se está olhando.
Correndo
a águas se arrastam,
Tornando-se
brancalhetes
E mui
lindos ramalhetes
De
espumas que as águas gastam,
Fugindo
logo se afastam
Esses
mantos de brilhantes,
Pérolas
lindas galantes
Que a
cachoeira atrai
Esta,
murmurando vai.
Chamando-nos
ignorantes.
Grandes
cousas se dizia
Só de um
bosque se falando,
Mas
apenas vou tocando
No que
tem mais poesia,
Com a
sombra que alivia
A
natureza agitada
Ou a
relva aveludada
Que posta
em duas fileiras
Estende-se
nas ribanceiras
Da fonte
cristalizada.
De um
prado em seu verdume,
Semeando
de mil flores
Com suas
variadas cores
Exalando
seu perfume
Qual o homem
que presume
Pintar
tamanha grandeza
Pois
toda esta beleza
É de
Deus, um privativo,
Pois
como sábio e ativo
Confiou
a natureza.
Impera
sobre um penedo
A águia
que ali habita
De
natureza esquisita
Domina
alto rochedo
É ave
que não tem medo
Por sua
coragem impera,
Desdenha
de qualquer fera
Com
arroubo desmedido
Atordoa
e faz temido
Tudo
quanto ali prospera.
De um
bosque a solidão
É
tocante e faz pasmar,
Ver-se o
sabiá cantar
Retumbar
como um trovão
Ali o
filho de Adão
Conhece
o Deus verdadeiro
Por ver correr
o luzeiro
Sobre as
penhas murmurando
E como a
prata espelhando
Na luz
do sol o aguaceiro.
Equilibrada
se vê
Uma
penha sobre outra penha
Sem que
qualquer homem tenha
Aprumado
sem pender
O seu
estado faz crer
E obriga
o curioso
Adorar o
poderoso
Autor
desta maravilha
Que por
toda parte brilha
O seu
poder glorioso.
O homem
fica absorto
Dentro
de um bosque embebido
Vendo
trancado o tecido
De um
pau direito outro torto,
Olha, vê
sobre o pau morto,
As
alturas admiráveis,
Brincando,
saltando as aves,
De galho
em galho voando
E ao
mesmo tempo cantando
Melodias
agradáveis.
E, a
lagarta? Vejamos,
Que há
pouco foi borboleta
Obra
pequena e perfeita
Que há
muito admiramos,
Só na
Natureza achamos
Tanto
esmero e perfeição
Chama o
mais sábio atenção
A sua
delicadeza
Sem ter
peso nem grandeza
Causa-nos
admiração.
O cágado
tem sobre as costas
Linhas
de geometria
E curvas
em simetria
Aplicando
certas mostras
Paralelas
e opostas
Faz um
quadro debochado,
Portanto,
está demonstrado,
Ser
artista a natureza
Os seus
feitos de grandeza
Ninguém
os igualado.
Minha
alma fica abismada
Sobre o
solo contemplando
Por ver
o mato furando
A terra
tão apertada,
A planta
mais delicada
Ter
força para romper
E a
terra obedecer
A tão
pequena senhora
Que
oferta sem demora
Glória
ao senhor do ser.
Das
nuvens com suas cores
Variadas
pelo sol
E da
neve seu lençol
Aplicando
seus primores,
Em que
Deus com seus louvores
Quis
dotar a natureza
Para
encher de beleza
E o dia
vivificar
Mas, o
homem por pecar,
Perde da
alma a nobreza.
Olhemos
os animais
Que belo
quadro oferece,
Com que
a Deus agradece
Sendo
irracionais,
Criam
seus filhinhos iguais
A mãe
que raciocina
Acho ser
inda mais fina
A sua
delicadeza
Só por
ser a natureza
Que
ativamente a ensina.
Quanto
gozo e alegria,
A luz do
sol trás á terra,
Ilumina
a mais alta serra.
E a
densa mata sombria,
Nas
horas que tem o dia
Observa-se
a beleza
Da
artista natureza,
Inesgotável
e portento,
Que até
o manso vento
Nos
mostra sua grandeza.
Pulam as
aves de alegria,
De galho
em galho voando
E ao
mesmo tempo cantando
Ao
clarão da luz do dia
E, da
noite percudia,
O seu
denso e negro manto,
Parece
que com espanto,
Vendo o
sol, põe-se em fugida,
Deixando
as portas da vida
Abertas
com seu encanto.
Sopram
os ventos tremulando
Nos
bosques as arvores frondosas
E as águas
ruidosas
Entre as
penhas murmurando,
As
nuvens se desmanchando
Jorram
água cristalina
Que rega
vale e campina
Dando-nos
real certeza
De
crermos que a natureza
É mais
que artista, é divina!
Tenho
apenas falado
Em
alguma maravilha
Não
falei da que mais brilha,
As ondas
do mar sagrado!
Naquele
espaço azulado
Que
vemos ao clarão do sol
E da
neve em seu lençol
Torna-se
ali tão brilhante
Que, ás
vezes, é semelhante,
Ás
nuvens no arrebol.
Vive
sempre enfurecida
A obra
da natureza,
Lutando
com fortaleza
A terra
bem defendida
Aonde a
onda atrevida
Perde
todo o seu furor,
O
encapelado rigor
Perde-se
na imensidade,
Obedecendo
a vontade
Daquele
Imenso Senhor.
Varia de
instante em instante
A obra
da natureza
Com toda
esta presteza
Que me
faz tão delirante,
E, ela
sempre constante,
Desde
que o mundo foi criado
Sempre
sem mostrar enfado
Até a
data presente,
Sempre
mostra diferente
O dia
que tem ornado.
Contesto
ser protestado
Sem ter
medo de censura,
Qual o
feito da natura
Que não seja
admirado?
O que o
homem tem fabricado
Merece
ser aplaudido,
Portanto,
estou convencido,
Pelo seu
pouco saber,
De Deus,
o homem pode ser,
Filho e
discípulo querido.
Que
quadro encantador
Vemos ao
romper da aurora
Desde o
irracional afora
Tudo
louva ao criador
O
primeiro resplendor
E do dia
vivificante
Para
tornar mais galante
O Deus
que tudo criou
Sobre a
selva espalhou
Do
orvalho a gota brilhante.
Fim.
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