domingo, 22 de dezembro de 2019

AS OBRAS DA NATUREZA



“AS OBRAS DA NATUREZA”

ANTONIO UGOLINO NUNES DA COSTA
UGOLINO DO SABUGY ( 1832-1895)




Em nossas árduas garimpagens pelo complexo mundo dos antigos poetas populares do Nordeste Brasileiro, tivemos a sorte de ter encontrado valiosos fragmentos ou talvez a completa obra magistral, “As coisas da Natureza” do primeiro cantador violeiro do Nordeste, Antonio Ugolino Nunes da Costa, o famoso mestre Ugolino do Sabugy. Conta Silvio Romeiro que Antonio Ugolino era conhecedor do Latim, letrado afeiçoado as delícias do idioma pátrio, com convicções visionárias foi o criador do cordel, folheto de feira e do termo cantoria de viola.  
Sobre Antonio Ugolino do Sabugy, temos uma belíssima informação atribuída ao lendário Leandro Gomes de Barros, que se reportou numa sextilha sobre uma festa de casamento de um dos irmãos Garcia, fato ocorrido na região do Seridó, a qual contou com um convidado muito especial para felicitar os noivos, o filho do CAPRICHOSO, a pérola preciosa do Sabugy, o mestre Ugolino do Sabugy. Eis a sextilha atribuída ao fabuloso Leandro Gomes de Barros.  

Estava um rapaz bem loiro,
Poeta novo e letrado,
Com viola de duas bocas;
Num discurso bem rimado:
Era Ugolino do Sabugy,
Felicitando o noivado.

Esta sextilha tornou-se um prova em potencial da capacidade intelectual de  Ugolino do Sabugy. Como disse Silvio Romero, um poeta letrado, afirmação comprovado pela verve do príncipe dos poetas, na avaliação de Drummond, o filho do sitio melancia município de Pombal, o mestre Leandro Gomes de Barros,
Ugolino do Sabugy, contou seu sobrinho, Chagas Batista, possuía um caderno com suas poesias anotadas, mas que por desígnios do destino fora destruído acidentalmente. Todavia, não temos nenhuma informação de como ocorreu esse tal acidente, no entanto, Chagas Batista, disse que o fato se deu depois de um empréstimo desse caderno ao poeta Germano da Lagoa. 
“As Obras da Natureza” legado do extraordinário Ugolino do Sabugy, foram publicadas pela primeira vez por Chagas Batista, seu sobrinho, que também era seu genro, outra edição ocorreu em 1929, por João Martins de Athayde. Já garimpei muito a procura da edição de 1929, mas ainda não consegui encontrar nenhum vestígio.
De modo que, creio ser esta a terceira vez que “As Obras da Natureza” uma cópia suponho do original que se encontrava entre os folhetos de cordéis adquiridos na feira semanal de Patos pelo meu Pai, Amaro Bento de Morais, amante da cultura popular, venha ser publicada.

“As OBRAS DA NATUREZA”
Antonio Ugolino Nunes da Costa

As obras da Natureza
São de tanta perfeição
Que nossa imaginação
Não pinta tanta grandeza,
Para imitar a beleza
Das nuvens com suas cores
Se desmanchando em louvores
De um manto adamascado
O artista com cuidado
Da arte aplica os primores.

Brilham nos prados verdumes
De um tapete aveludo,
Brilha o rochedo escapado
Das penhas seus altos cumes,
Os montes formam tais gumes
Que a gente, os observando.
Vê como se alongando
Sumir-se na imensidade
Nossa visibilidade
Os perde se está olhando.

Correndo a águas se arrastam,
Tornando-se brancalhetes
E mui lindos ramalhetes
De espumas que as águas gastam,
Fugindo logo se afastam
Esses mantos de brilhantes,
Pérolas lindas galantes
Que a cachoeira atrai
Esta, murmurando vai.
Chamando-nos ignorantes.

Grandes cousas se dizia
Só de um bosque se falando,
Mas apenas vou tocando
No que tem mais poesia,
Com a sombra que alivia
A natureza agitada
Ou a relva aveludada
Que posta em duas fileiras
Estende-se nas ribanceiras
Da fonte cristalizada.

De um prado em seu verdume,
Semeando de mil flores
Com suas variadas cores
Exalando seu perfume
Qual o homem que presume
Pintar tamanha grandeza
Pois toda esta beleza
É de Deus, um privativo,
Pois como sábio e ativo
Confiou a natureza.

Impera sobre um penedo
A águia que ali habita
De natureza esquisita
Domina alto rochedo
É ave que não tem medo
Por sua coragem impera,
Desdenha de qualquer fera
Com arroubo desmedido
Atordoa e faz temido
Tudo quanto ali prospera.

De um bosque a solidão
É tocante e faz pasmar,
Ver-se o sabiá cantar
Retumbar como um trovão
Ali o filho de Adão
Conhece o Deus verdadeiro
Por ver correr o luzeiro
Sobre as penhas murmurando
E como a prata espelhando
Na luz do sol o aguaceiro.

Equilibrada se vê
Uma penha sobre outra penha
Sem que qualquer homem tenha
Aprumado sem pender
O seu estado faz crer
E obriga o curioso
Adorar o poderoso
Autor desta maravilha
Que por toda parte brilha
O seu poder glorioso.

O homem fica absorto
Dentro de um bosque embebido
Vendo trancado o tecido
De um pau direito outro torto,
Olha, vê sobre o pau morto,
As alturas admiráveis,
Brincando, saltando as aves,
De galho em galho voando
E ao mesmo tempo cantando
Melodias agradáveis.

E, a lagarta? Vejamos,
Que há pouco foi borboleta
Obra pequena e perfeita
Que há muito admiramos,
Só na Natureza achamos
Tanto esmero e perfeição
Chama o mais sábio atenção
A sua delicadeza
Sem ter peso nem grandeza
Causa-nos admiração.

O cágado tem sobre as costas
Linhas de geometria
E curvas em simetria
Aplicando certas mostras
Paralelas e opostas
Faz um quadro debochado,
Portanto, está demonstrado,
Ser artista a natureza
Os seus feitos de grandeza
Ninguém os igualado.

Minha alma fica abismada
Sobre o solo contemplando
Por ver o mato furando
A terra tão apertada,
A planta mais delicada
Ter força para romper
E a terra obedecer
A tão pequena senhora
Que oferta sem demora
Glória ao senhor do ser.

Das nuvens com suas cores
Variadas pelo sol
E da neve seu lençol
Aplicando seus primores,
Em que Deus com seus louvores
Quis dotar a natureza
Para encher de beleza
E o dia vivificar
Mas, o homem por pecar,
Perde da alma a nobreza.

Olhemos os animais
Que belo quadro oferece,
Com que a Deus agradece
Sendo irracionais,
Criam seus filhinhos iguais
A mãe que raciocina
Acho ser inda mais fina
A sua delicadeza
Só por ser a natureza
Que ativamente a ensina.

Quanto gozo e alegria,
A luz do sol trás á terra,
Ilumina a mais alta serra.
E a densa mata sombria,
Nas horas que tem o dia
Observa-se a beleza
Da artista natureza,
Inesgotável e portento,
Que até o manso vento
Nos mostra sua grandeza.

Pulam as aves de alegria,
De galho em galho voando
E ao mesmo tempo cantando
Ao clarão da luz do dia
E, da noite percudia,
O seu denso e negro manto,
Parece que com espanto,
Vendo o sol, põe-se em fugida,
Deixando as portas da vida
Abertas com seu encanto.

Sopram os ventos tremulando
Nos bosques as arvores frondosas
E as águas ruidosas
Entre as penhas murmurando,
As nuvens se desmanchando
Jorram água cristalina
Que rega vale e campina
Dando-nos real certeza
De crermos que a natureza
É mais que artista, é divina!

Tenho apenas falado
Em alguma maravilha
Não falei da que mais brilha,
As ondas do mar sagrado!
Naquele espaço azulado
Que vemos ao clarão do sol
E da neve em seu lençol
Torna-se ali tão brilhante
Que, ás vezes, é semelhante,
Ás nuvens no arrebol.

Vive sempre enfurecida
A obra da natureza,
Lutando com fortaleza
A terra bem defendida
Aonde a onda atrevida
Perde todo o seu furor,
O encapelado rigor
Perde-se na imensidade,
Obedecendo a vontade
Daquele Imenso Senhor.

Varia de instante em instante
A obra da natureza
Com toda esta presteza
Que me faz tão delirante,
E, ela sempre constante,
Desde que o mundo foi criado
Sempre sem mostrar enfado
Até a data presente,
Sempre mostra diferente
O dia que tem ornado.

Contesto ser protestado
Sem ter medo de censura,
Qual o feito da natura
Que não seja admirado?
O que o homem tem fabricado
Merece ser aplaudido,
Portanto, estou convencido,
Pelo seu pouco saber,
De Deus, o homem pode ser,
Filho e discípulo querido.

Que quadro encantador
Vemos ao romper da aurora
Desde o irracional afora
Tudo louva ao criador
O primeiro resplendor
E do dia vivificante
Para tornar mais galante
O Deus que tudo criou
Sobre a selva espalhou
Do orvalho a gota brilhante.


Fim.

























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